Capuz Vermelho #19: "Dilema"


CAPÍTULO 19: DILEMA

A luz trêmula da lanterna banhava aquela pilha de corpos dissecados, naquele pequeno cubículo imundo. Josh, com o cenho fortemente franzido e o olhar apavorado, mantinha a mão quase fixa nas narinas ao se ver refém de um odor insuportável. Durante seu contato com Eleonor, o jovem caçador adquirira ciência da enorme possibilidade de deparar-se com situações das quais ele estaria extremamente desacostumado. A moça havia lhe fornecido todas as informações necessárias, bem como o risco que a missão exigia. Tudo o que mais desejara era desvencilhar-se de um medo irracional, a pedra no meio de seu caminho que o tornara impressionável demais para os padrões de um futuro profissional daquele ramo ainda que em fase inicial de treinamento.

Eleonor, no meio da ligação, sentira a força de vontade do garoto em se entregar abertamente à algo novo... fazendo com que Josh visasse com mais clareza sua mais poderosa ambição: O progresso rumo à ingressão na Legião dos Caçadores.

"Um monte de carcaças de licantropos!", pensou, embasbacado. "Talvez haja mais corpos nas outras salas... esse lugar provavelmente é uma necrópole!", imaginou ele, em uma rápida divagação sobre seu aprendizado referente à lobisomens, os quais só vira apenas nos livros durante suas aulas teóricas, nos longos três meses em que passou devorando, incansavelmente, páginas e mais páginas, do conceituado "Manual de Conhecimento sobre o Desconhecido" exclusivo para caçadores de aluguel.

A questão principal era: Quem fora o responsável por aquilo?

Fechara a porta, com a lanterna sob uma axila, necessitando reaver o ar fresco para os pulmões.

A porta metálica e enferrujada estrondou-se com seu fechamento. Desligou o pequeno aparelho portátil de iluminação, encostando-se na parede úmida.

"Ótimo. A escuridão vai estar a meu favor... com esse chão dá para andar bem devagar sem que eu seja percebido por alguém que esteja nesse corredor - o que eu espero que não.", pensava ele, com seu plano para avançar.

"Aquela bruxa gostosa me disse sobre um tal de Mollock...", dizia ele consigo mesmo, enquanto percorria o escuro corredor em passos silenciosos. "Não, espera aí! Será que... Não pode ser. Como alguém chegaria a esse ponto?".

Um lampejo de uma teoria aturdiu-o profundamente.

                                                                        ***

Em um bosque lindamente arborizado sob o céu estrelado, a dupla de grandes amigos de infância com habilidades extraordinárias caminhava vagarosamente por uma estreita pequena estrada sinuosa. O vento ressoava entre os dois, calmo e amigavelmente frio. Alexia pensara se Charlie andaria ao seu lado com as mãos dadas. Para seu alívio, se enganou. Não se sentia pronta...

- Acredito que esteja feliz por aquele momento de paz ter se estendido por longas horas. Estou certo? - disse Charlie, baixando um pouco a cabeça, fitando o chão pedregoso.

- Nossa, e como. - disse ela, rindo levemente. - Obrigada novamente. Foi um ótimo passeio. E foi... foi bom voltar no tempo, todos aqueles bons momentos que tivemos um com o outro...

- Sim, é verdade. - disse o rapaz, voltando-se para ela, na clara intenção de mudar de assunto. - Err... Alexia, eu não tenho deixado de notar uma certa tensão em você.

- Tensão? Do que está falando? - indagou ela, franzindo as sobrancelhas. - Se for sobre hoje de manhã, eu estava um pouco cansada... acho que pensei demais em Rosie, sobre o que ela pode estar passando sabe-se lá onde ela deve estar agora... é uma preocupação que não consigo tirar da cabeça.

- Tal preocupação se manifestou na forma de sonho, presumo. - dissera Charlie, voltando-se para frente, a expressão mais séria.

- Aonde quer chegar? - perguntou a jovem vidente, em um tom temeroso.

- Creio que não tenha reparado, hoje de manhã, que Êmina mencionou especulando que você teve uma visão... - voltou-se para ela, o olhar incisivo. - E você nem ao menos se importou com minha reação. Tudo bem, Alexia, eu já sei o seu segredo.

- Espera... a Êmina contou para você que sou uma vidente!? - disse ela, em um sobressalto inesperado.

- Bem, ela revelou quando falava sobre a invasão á Londres e a guerra contra as criaturas, os lobisomens. Também afirmou que sua premonição foi de grande ajuda. Isto não é um problema, certo?

- Claro que não. - respondeu ela, meio desconcertada. - Aliás, acredito que ela tenha dito isso apenas para fazer me sentir importante naquele momento. Vamos encarar a realidade: Eu não fui útil, além de que não fui rápida o bastante para impedirmos o que houve com Rosie. Meu dom não passa de um atraso para os outros.

- Ora, pare de ser tão dura consigo mesma. - repreendeu Charlie, apressando um pouco o passo. - Eu compreendo perfeitamente sua necessidade de se sentir relevante em um grupo, sei que já passou por isso no passado...

- Olha, Charlie. - disse ela, parando a caminhada, virando-se para ele. - Eu sei que deveria ter contado sobre isso há muito tempo, isso até me faz sentir culpada... porque eu sinceramente odeio guardar segredos... mas, as vezes, o sigilo pode prevenir tragédias.

- Então crê piamente que a visão que teve na noite passada não deve ser revelada tão cedo? - indagou o jovem, curioso para obter uma resposta decisiva.

- Basicamente. - disse Alexia, agora um pouco mais tensa do que aparentava. - Quero que os riscos diminuam ou permaneçam como estão, e eu revelar o que vi, o que eu sonhei ontem a noite, para os outros vai ser o mesmo que apressa-los e pôr as coisas fora de ordem completamente.

- Entendo. - assentiu ele, positivamente. - Mas como eu e você somos confidentes autênticos desde aquela época, eu... eu gostaria que confiasse a descrição desta visão apenas à mim. - disse, não muito seguro do pedido realizado.

Alexia tornou a observa-lo por vários minutos a fio, - os olhos azuis indo de encontro às esverdeadas pupilas do rapaz - imaginando uma reação decente para aquele instante, ao menos algo que pudesse driblar o aumento de sua aflição. Porém, o tempo não a ajudara a escolher as palavras cabíveis para uma resposta certa ante àquela pergunta.

- Eu... sinceramente, não sei, Charlie. - disse ela, insegura de si. - Cada visão que tenho é um peso enorme nas minhas costas, e por mais que eu queira tira-lo não tenho certeza se fazer isso é a melhor ideia. Só esclarecendo que odeio esconder coisas importantes dos meus amigos... mas nessa altura o sigilo, como eu disse antes, pode evitar problemas. - justificou ela, tentando soar o mais convincente possível para a semente de dúvidas do mago do tempo.

- Tudo bem... - meneou a cabeça positivamente, um tanto desanimado. - Mas ao menos me diga se é boa ou ruim. - pediu ele, insistente.

- Me desculpe, acho que... preciso ir andando... se quiser você pode ficar apreciando as estrelas, sentindo o ar noturno... - Alexia se afastava como se estivesse prestes a fugir de um castigo. - Eu sinto muito, Charlie. Mas não posso.

- Não pode ou não quer? - perguntou ele, austero.

- Os dois. - disse ela, concisa. - Sinto muito mesmo. Mantenho sigilo pelo bem desta missão. Se eu falar alguma coisa a respeito, posso acabar preocupando vocês mais do que toda essa situação já deixou.

- Alexia, por favor, não precisa descrever detalhadamente... - disse Charlie, aproximando-se aos poucos, enquanto ela tentava manter distância. - É muito fácil perceber, você deixou óbvio pelo seu olhar que é bastante sério.

- Aí está. - disse ela, erguendo o indicador para ele. - A resposta. Contente-se com ela... por enquanto.

Alexia, em um impulso, iniciou uma corrida pelo estreito caminho sinuoso de pedra, tal como alguém foge de um tiroteio ou de lobos selvagens. O mago do tempo deixara cair os ombros, em um misto de estupefação e desesperança.

"Apenas para não nos deixar preocupados? Eu deixei exposta a minha calma, impossível alguém não perceber.", pensou ele, descontente, enquanto fitava os ruivos cabelos da vidente balançando durante a fuga da mesma. "Não, Alexia, você não é de tomar decisões como essa. Confesso que, agora, sim, estou preocupado... não com o procedimento da missão, mas sim com você e esse mistério."

"Será que o que o futuro nos reserva é tão sombrio para faze-la chegar ao ponto de guardar um segredo até para um amigo de longa data?", questionou ele, mantendo o semblante tristonho e desconfiado ao mesmo tempo.

                                                                             ***

Os olhos vermelhos e brilhantes do clone ainda o fulminavam, tornando-se mais ameaçadores após a dissipação completa da densa cortina de poeira. Mollock, instigado pelo verdadeiro desejo de acreditar estar sendo vítima de uma infame ilusão, deixara suas garras em evidência, estando de pé frente à seu opressor.

"Algo me diz que isto possa ser obra de alguma força maligna invisível sobre este museu.", pensou ele, especulando, encarando o imitador com o ardente olhar raivoso. "Não... Que bobagem estou dizendo. Isto indica que possa haver um intruso... que arquitetou esta manobra para me fazer pensar que meu poder é provindo de uma loucura."

- Antes de eu poder destruir sua miserável existência, quero que me responda algo: De onde veio? Quem o enviou e com qual propósito?

- Uma pergunta de cada vez. - disse o igual, com o dedo indicador erguido. - No entanto, não vou me dar ao luxo de responde-las. O meu objetivo já foi alcançado. - e dera uma risada alta.

- Eu lhe dei uma chance... - Mollock aproximava-se lentamente, balançando seus dedos, suas garras se chocando e produzindo um som semelhante ao de uma faca sendo afiada. - ... para que vivesse alguns minutos a mais me tirando estas dúvidas. Mas, pelo visto, estou certo de que não devo hesitar em mata-lo.

Em um avanço violento, a pesada mão esquerda de Mollock, com as garras em velocidade incrível, veio de encontro à face do imitador, que colocava-se em posição de extrema tranquilidade, sem movimentar nenhum músculo. As garras apenas cortaram o ar, depois do oponente ter sumido de seu campo de visão rapidamente.

Mollock sentiu seus pés saírem do chão, dando-se conta de ter levado uma rasteira. Caíra pesarosamente no chão. O clone veio por cima, em um pulo, para lhe golpear no tórax. Mollock, beneficiando-se de seus bons reflexos, deslizou seu corpo para a esquerda, desviando-se do ataque. Levantou-se e, com um impulso de sua mão esquerda na parede mantendo-se firme, chutou-o no rosto com um pé, o impacto lançando-o contra uma parede, na qual se viam expostas uma variada coleção de espadas do período colonial. As armas estavam penduradas por pequenos ferros.

Minúsculos e médios pedaços de concreto caíram sobre o piso de pedra maciça. Uma vibração decorrente da colisão fez as espadas balançarem. Mollock sorrira malevolente, prevendo a vantagem que obteria.

As pontiagudas espadas, com suas guardas circulares, declinaram, uma por uma, em diferentes posições, tendo a maioria com suas pontas voltadas para o chão... onde o clone via-se caído, recuperando os sentidos. Quando deu por si, as pontas das armas já haviam cravado brutalmente em seus membros, sem dar tempo para qualquer vislumbre da parede acima. Seus braços e pernas - inclusive o abdômen - foram perfurados, deixando brotar das feridas uma considerável quantidade de sangue, escorrendo ligeiramente.

- Seus gemidos soam como música. - disse Mollock, mantendo o sorriso de um vitorioso, dirigindo-se ao adversário com evidente determinação. - Quem quer que tenho o mandado até a mim, sofrerá as mesmas dores que você... multiplicadas por 10! - afirmou, esfregando de leve seu focinho.

- Todo império - dizia o clone, intercalando sua fala com gemidos angustiantes. - há de cair um dia. Não pense que com você será... diferente... Eu tentei fazer um favor. - o brilho vermelho de seus fumegava mais forte desta vez.

- Você me fez perder tempo. - disse Mollock, logo usando um de seus pés para empurrar uma espada, localizada na barriga do imitador, e crava-la com mais força. Gotículas de sangue espirraram para o ar.

O grito de dor da criatura atravessou as paredes daquela ala, conseguindo a façanha de fazer tremer as bases que sustentavam o teto. Mollock manteve seu canal auditivo impenetrável mediante àquela onda sonora estridente. Percorreu seus olhos ao seu redor, visualizando as espadas espalhadas pelo chão.

- A dor e a morte são os destinos daqueles que me contrariam. - proferiu, apanhando uma espada, cujo cabo era de um dourado reluzente tal como a sua lâmina.

Os gemidos logo retornaram à sua fase de urros dolorosos quando o pupilo de Abamanu cravou a arma pontuda certeiramente no coração do demônio. Logo em seguida, sem desistência, o instinto lhe alarmando para vencer de uma vez aquela batalha, Mollock pegara mais duas espadas. Uma cravação dupla nos dois braços. Depois outra. Mais outra. Mais gritos.

Mollock intensificava suas inclinações a cada espada cravada, a cada respingo de sangue lançado contra seu rosto. Restava apenas uma. A criatura procurava uma possibilidade de mover seu pescoço, rangendo os dentes sujo de sangue. Estava definitivamente presa por uma armação de espadas enfiadas em seu corpo.

- Nem mais uma palavra. Morra! - disse Mollock, erguendo a última espada com as duas mãos para o alto, preparado para dar o golpe final.

A poça de tom rubro já alcançara seu pés, formando um círculo em torno do cadáver da criatura.

O fio cortante e brilhante avançaria em segundos indo de encontro à cabeça da besta - o último alvo -, se não fosse por um lampejo similar a um completo despertar... Mollock dera várias piscadas rápidas, a espada ainda em suas mãos, desequilibrada. A vermelhidão de seus olhos desaparecera em um único segundo.

- Mas o que... - olhou para cima, fitando a espada.

Voltou-se para o ser diante dele, a expressão de quem não faz a menor ideia de onde se encontra ou do que está fazendo. Largara a espada, recuando alguns passos ao vislumbrar a imensa poça de sangue banhando suas garras dos pés. Meneava a cabeça negativamente, vasculhando em sua mente uma explicação para aquela situação. O demônio fora confirmadamente morto, sendo visto por Mollock em sua verdadeira forma. Os olhos da besta infernal estavam negros.

- Mas o que aconteceu aqui, afinal? - perguntava-se ele, movimentando seus olhos à sala ao seu redor, os rastros de destruição chamando sua atenção de imediato.

Com a morte do demônio, o encanto havia sido quebrado por inteiro.

                                                                            ***

Na já intitulada "sala dourada" - por Eleonor -, as ilusões horrendas se desfizeram bastando apenas um piscar de olhos por Hector. Voltou a enxergar a sala e seu chamativo tom de sépia puro, além do pentagrama, no chão, desenhado com o sangue de sua parceira e buraco circular na parede no qual saiu a fera macabra e onde se via o espiral ornamentado. Percebendo a recomposição do semblante de Hector , Eleonor o ajudara a se levantar.

- Vejo que melhorou... Você está bem? - perguntou ela, encostando-o na parede.

O caçador a olhou, desentendido.

- Mas... o que houve? - e relanceou o corpo da quimera sendo devorado pelos besouros. - Argh! Ao que parece, eu perdi muita coisa. - virara o rosto, em repulsa.

- Espera. - Eleonor franzira o cenho. - Não se lembra de nada do que viu?

- E por acaso eu vi alguma coisa? Sinto como se algo tivesse apagado todos os meus sentidos. Não lembro de nada do que ocorreu nos últimos dez minutos, presumo.

- Ufa, que ótimo. - disse a bruxa, fechando os olhos aliviada, dando um suspiro. - O feitiço foi quebrado, finalmente. Mollock matou o demônio.

- Do que está falando? - indagou o caçador, ajeitando seu sobretudo ao chegar perto dela. Procurou se orientar, a mente se desenevoando aos poucos. - O que aconteceu comigo nesse período?

- Antes de mais nada, quero que me perdoe. Você foi afetado pelo meu feitiço de ilusão acidentalmente. Sim, eu sei, eu deveria ter alertado você antes... mas fiquei tão focada no processo que foi como se você nem estivesse presente. Me desculpe. - pediu Eleonor, em uma expressão carente.

Hector olhara-a fundo, como se por instinto tentasse detectar uma autenticidade naquele argumento. Decerto, lhe era difícil externar a confiança duvidosa que tanto ele insistira em impor a si mesmo para retribui-la à moça. Ao que tudo indicava, ainda precisava aprender a enxergar a pura verdade nas palavras daquela mulher, largar o preconceito lapidado e enraizado em sua mente. Durante a infância, Hector curiava nos livros de história fatos sobre bruxas. Lhe era ensinado, por seus próprios pais e avós, que as mesmas representavam o que há de pior na maldade imanente do ser humano. Todavia, o garoto prodígio expunha o seu ceticismo pré-programado. "Bruxas só existem nos livros.", dizia a si mesmo, desprezando a crença nas julgadas "adoradoras de Satã".

Seus negros olhos sincronizaram-se com o esverdeado olhar de Eleonor por minutos a fio. Dera um suspiro cansado, a fadiga evidenciando-se.

- Está perdoada. - disse ele, assentindo com um "sim". - Minha mente... me sinto muito cansado. Obviamente, não sabe me dizer o que eu vi... Mas ao menos me explique o seu plano.

Afastando uma mecha do castanho cabelo liso, Eleonor revelara suas intenções.

- Libertei aquele demônio e lancei o feitiço de ilusão exclusivo do Coven nele para que Mollock pudesse ter a impressão de estar vendo um reflexo dele. É necessário um transmissor, no caso o demônio, para que o feitiço alcance o alvo. Logo, Mollock foi afetado pela magia que o demônio trazia consigo, fazendo-o acreditar totalmente na ilusão. - Fez uma pausa. - O objetivo daquele que conjura o feitiço é fazer vir á tona ilusoriamente os piores medos de sua vítima. Eu presumi, com quase certeza, de que Mollock possui medo de que o poder suba à cabeça a ponto de enlouquece-lo. Eu usaria isso como distração para que fôssemos até a sala do diretor e conseguirmos o mapa do museu. - Fizera uma cara um tanto desanimada. - Teria dado certo se não fosse por esse deslize... Nada mais foi do que um atraso.

- E agora que Mollock venceu a luta contra o demônio e já está livre do encanto, provavelmente presumirá que há intrusos, alertando seus soldados. - afirmou Hector, preocupando-se cada vez mais. - Temos que nos apressar, de preferência na direção em que Josh foi.

- Além disso, eu não sabia que após o feitiço ser quebrado a vítima perdia a memória do que viu. - revelou Eleonor, antes que Hector enveredasse para fora da sala. - O que é uma coisa boa, já que pela sua cara na hora deve ter sido um pesadelo e tanto. E não vou dizer o que imaginei que fosse, em respeito à você. - disse com um semblante suave.

Uma rápida fagulha passara pela mente de Hector na forma de um nome: Rosie. Divagou por alguns segundos sobre o que poderia estar vendo naquele instante doloroso. Meneou a cabeça negativamente de modo rápido, tentando suspender o pensamento.

- Melhor nós irmos. - caminhara para fora da sala, ignorando o corpo da quimera ainda sendo digerido pelos insetos - Sorte que Josh foi exatamente na direção onde fica o gabinete do diretor.

Quase escorregara no chão sujo de sangue ainda fresco, mas tratou de desprezar as horripilantes figuras ali caídas enquanto caminhava. Mantendo o olhar para frente, ziguezagueou pelos corpos destroçados e retalhados das quimeras, os montantes de entranhas sinuando-se pelo piso. Eleonor vinha bem atrás dele, também ignorando os corpos e o cheiro característico de sangue.

Logo chegaram a um escuro corredor branco, vizinho ao qual entraram e dava pelas portas dos fundos. O caçador, para a estranheza de Eleonor, hesitara em ligar a lanterna, pois à medida que andavam a escuridão parecia suga-los.

- Hector, não é melhor lig...

- Não. - interrompeu ele com a mão direita erguida, estando alerta. - É imprescindível que tanto falemos baixo quanto não mostrarmos nenhuma fonte de luz. - sussurrou, diminuindo o ritmo.

- Estou praticamente cega aqui. - reclamou ela, em baixo tom, quase esbarrando em um vaso de alabastro branco. - Odeio admitir, mas... Era melhor nós termos pensado em pegar o mapa antes de entrarmos. E suas botas não são nada silenciosas.

Hector chiou baixinho com a boca pedindo silêncio, parando a caminhada. O caçador encarava o vácuo desafiador da escuridão, como se algo estivesse à espreita prestes a surgir daquelas profundezas sombrias.

- Preciso ter certeza de que estamos seguros aqui. - tornou a andar novamente, em ritmo ainda mais vagaroso.

- O gabinete do diretor não deve estar tão longe. - especulou Eleonor, na expectativa de encontrarem uma porta.

- Eu não teria tanta certeza. - replicou Hector, o sussurro ainda mais baixo. - Tudo bem, se tivermos que fazer isso rápido, teremos que arriscar. - rapidamente tirara a lanterna do bolso de seu sobretudo.

"Finalmente", aliviou-se Eleonor, pensando consigo mesma.

O clarão branco-azulado do aparelho estendeu-se até o fim do corredor, tão próximo e com um elemento bastante convidativo.

Hector soprara em alívio por não ter se deparado com nenhuma quimera aninhada na escuridão que estivesse guardando aquela porta. Enfim, estavam diante da entrada para o gabinete do diretor do museu, que, por sinal, estava naquele momento acompanhando atentamente as notícias de última hora no rádio sobre as iniciativas do exército britânico para uma possível invasão à estrutura, enquanto o resto do mundo focava-se nas tensões entre alguns países da Europa, sobretudo entre Alemanha e seu nazismo e uma Rússia altamente motivada e soberba.

A porta, estranhamente, estava entreaberta, a estreita brecha denunciando a claridade alaranjada de um abajur. Com um cauteloso toque, Hector a empurrou, a lanterna desligada em uma axila, ao mesmo tempo que sacava, com a outra mão, um rifle.

A porta abrira-se livre e totalmente. As dobradiças pareciam ser de boa qualidade, tamanha era a rapidez com a qual fizeram abrir a porta, além da ausência de rangidos.

O caçador entrara de modo invasor apontando a arma de fogo para cada ponto da sala. Eleonor, percebendo não haver nada perigoso, foi-se adiante até a escrivaninha, reluzida pela luz do abajur. Tornou a mexer nas gavetas, nas papeladas empilhadas e nos envelopes e documentos espalhados.

- Ei, espere. - disse Hector, aproximando-se. - Não vai conseguir nada assim. Tenha calma, há uma chance de sermos pegos. - recomendou. - E isso é estranho... isto me lembra uma ocasião passada bem semelhante, mas era ao contrário, eu fui repreendido. - contou ele, sem pensar em mencionar o nome de Rosie.

- Pelo seu sorriso, posso adivinhar que deve estar com saudades. Déja vus e suas surpresas.- disse Eleonor, sorrindo de leve. - Enfim, o mapa talvez esteja por aqui. Talvez por escrito, em formato de lista, ou até mesmo em forma de planta.

- Podem haver os antigos projetos da arquitetura do museu. - disse Hector, dirigindo-se à uma alta estante de madeira polida. - Dentre estas pastas, quem sabe...

- Você sabe a idade deste museu, Hector? - perguntou ela, em clara desaprovação da ideia do caçador. - Se não, eu também não sei, mas, é claro, é bastante antigo. Então as plantas antigas talvez nem existam mais. E se ainda existirem, os papéis devem estar velhos, amarelados e rasgados, sei lá.

- Estes arquivos me exigem uma paciência com a qual estou em completa desarmonia. - disse ele, o cenho franzido, vasculhando as várias pastas amarelas ordenadas alfabeticamente.

- Disse que faríamos isso rápido, não foi? - perguntou ela, abaixando-se no centro da sala, logo em seguida levantando o tapete vermelho redondo. - Voilá! - exclamou, encontrando algo embaixo.

- O quê? - Hector virara-se abruptamente. - Encontrou algo?

- Nada demais... - disse ela, puxando o objeto que estava escondido. - Apenas esse grande empoeirado papel velho que me parece ser uma espécie de mapa. - disse, logo sorrindo cantando vitória internamente, tirando o papel dobrado em várias partes.

- Como assim... tão rápido? - perguntou Hector, sorrindo espantado.

- Simples. - levantou-se. - Enquanto você cegamente acreditava que estávamos correndo perigo, eu estava avaliando todo a sala. Reparei numa pequena protuberância no tapete, mas fingi não ligar indo para a escrivaninha mexer naquela papelada inútil.

- Então você intencionou me surpreender? - questionou o caçador, semi-cerrando os olhos ainda levemente sorrindo.

- Basicamente. - respondeu a moça, afastando os papéis na mesa para pôr o mapa. - Muito bem. Lá vamos nós. Vejamos... - desdobrou o mapa rapidamente.

- Só um segundo. - pediu Hector, encaminhando-se para a porta a fim de fecha-la. - Nem reparei que com isso ficamos expostos. - a fechadura fez seu trabalho silenciosamente.

O mapa, bastante amarelado nas pontas e nos contornos das dobras e tomando quase toda a mesa, apresentava todas as alas, os corredores e salas - até mesmo as mais secretas. Várias letras e números invadiam o campo de visão da bruxa. "Vamos ver... talvez esta seja a sala na qual estivemos antes.", pensou ela, indicando um pequeno quadrado próximo à ala I das estátuas. Não possuía nome, bem como outras que podia-se ver em outros pontos de outras alas vizinhas.

- Veja Hector. - apontou novamente para o quadrado. - "Ala I - Estátuas". É onde estávamos. - passou o indicador um pouco para a direita acima, mostrando uma passagem. - E aqui está o corredor por onde passamos e o gabinete. A sala vizinha a esta é a ala de artesanato, a menor de todas. O demônio foi para a direção oposta, direto para os corredores que levam à ala das armas antigas.

- Não vejo nada que indique uma passagem para o subterrâneo. - disse Hector, postando-se ao lado dela, forçando a visão.

- Esse é o problema. Este mapa não detalha nem mesmo os pontos mais secretos. - disse Eleonor, esboçando desânimo.

- Se Josh passou por aqui... - Hector passeou seus olhos por toda a sala. - É muito provável que haja uma passagem em algum canto. - se dirigiu à um quadro de Edvard Munch pendurado na parede lateral direita - uma réplica exata de "O Grito".

Em rápido ato, Hector puxou para si a pintura, tirando-a da parede. O que se revelou reergueu as palpitantes esperanças de ambos. Um pequeno fio de barbante mostrava-se preso a um buraco feito na parede.

- Isso está cada vez mais estranho. - comentou Eleonor, fitando o objeto.

Hector deixara a pintura sobre uma pequena mesa posta ao lado de um outra estante, menor do que a que o mesmo verificou. Sem esperar nenhum segundo a mais, puxou com cuidado o barbante para frente.

- Hector... tem certeza do que pretende fazer? - perguntou Eleonor, apreensiva.

- Apenas um pouco de paciência... seja amigo dela e ela lhe recompensará. - disse, puxando o fio que se estendia.

Apenas pouco metros separaram o corpo de Hector da parede após o fio "travar". O caçador puxava mais e mais, no entanto, parecia ter chegado ao limite.

- Droga. E pior que não apareceu nenhum indício de que nesta parede exista uma passagem. - disse, largando o barbante.

- Espere. - interveio Eleonor, aproximando-se. - Talvez você tenha puxado para o lado errado. - disse, pegando o fio de barbante.

- E o que você sugere? - indagou o caçador, em dúvida.

- Se assumirmos a ideia de que, baseado na direção em que viemos... - apontou para a porta com o braço direito. - o barbante possa ser puxado para o lado direito, talvez a entrada seja mostrada.

Hector teve de reconhecer uma certa inclinação investigativa em Eleonor. Tal como uma certa parceira de investigações, cuja imagem, inevitavelmente, lhe veio à cabeça apenas para surrupiar sua concentração. Tratou de voltar suas atenções, obrigatoriamente, à mulher que propusera aquela ideia.

Puxando o fio, cuidadosamente, para a direita, Eleonor pôde ouvir, mesmo em baixíssimo tom, um tímido ruído. Olhou para Hector, a expressão de quem reavê suas esperanças novamente. Puxou mais um pouco, lentamente. O som fora tornando-se mais audível... até uma fina linha preta vertical surgir imediatamente na parede, abrindo-se pouco à pouco, como se fosse uma porta de correr.

- Continue puxando. - pediu Hector, na expectativa.

A linha transformava-se em uma estreita passagem. Disto em diante, já era uma abertura por onde qualquer corpo com menos de 2 metros pudesse passar sem grandes problemas. Puxando com mais força desta vez, Eleonor permanecia curiosa para ver o limite.

- Está bem, já é o suficiente. - disse Hector, erguendo levemente a mão, sem tirar os olhos da passagem.

A quadrada abertura convidava o andarilho a mergulhar em uma poderosa escuridão. Graças a intensa luz tom de laranja do abajur na escrivaninha, podia-se ver degraus de uma escada que descia.

Postando-se ao lado de Hector, Eleonor comemorou a conquista.

- E eis a recompensa. - disse, fitando o escuro local.

- Então foi por meio desta passagem que Josh, supostamente, teve acesso ao subterrâneo. - disse Hector.

- Algo me diz que aquele quadro não esteve nesta parede antes. - especulou Eleonor, olhando para a parede lateral esquerda. - Veja só. - apontou para uma certa marca quadrada.

Um único vislumbre foi o bastante. O quadro fora reposicionado em outra parede para provavelmente fazer algum tipo de alusão ao que estivesse reservado ao curioso que encontrasse a passagem. Em um instante de reflexão, o caçador ligou todas as peças sem dificuldades.

Voltando-se para Eleonor, o rapaz empolgara-se com uma dedução.

- Se estiver pensando o mesmo que eu... - assentiu com a cabeça. - Com quase certeza que alguém pôs a pintura nesta parede para simbolizar o conteúdo que está no subterrâneo. Pense bem: O Grito. - voltou seu olhar concentrado para o valioso quadro. - Ele representa a angústia e o desespero existencial do ser humano. O que quer que esteja lá dentro, certamente indica que Josh corre perigo.

- Mas quem você acha que colocou o quadro nessa parede? Josh, será? - questionou Eleonor.

- Com toda a certeza não foi Josh. - afirmou Hector, sorrindo empolgado. - Acredito que tenha sido uma das quimeras. Talvez até o próprio Mollock, depois de saber fatos sobre as obras do Expressionismo.

- É, uma boa hipótese, claro. - concordou Eleonor, um tanto inquieta. - Considerando as suas suspeitas relacionadas à ele, o conhecimento é a chave para o poder supremo.

- O que apoia este argumento - ponderou Hector. - são alguns trechos da Bíblia de Abamanu, precisamente nos capítulos da profecia. O hospedeiro de Abamanu necessita de conhecimento para que esteja entregue ao fardo.

- Enfim, melhor nos concentrarmos em salvar Josh. - disse Eleonor, pronta para entrar na abertura. - Quem sabe algo surja para nos levar até Loub e...

A fala de Eleonor fora assustadoramente interrompida por um grave grito de horror vindo daquela escuridão.

Ambos estremeceram e tornaram a chegar perto da abertura, encarando o breu implacável.

Entreolharam-se, temerosos.

Impulsionados pelo instinto, não hesitaram em descer apressadamente aquelas escadas.

                                                                             ***

Na cabana em Kéup, Rufus estava em seu quarto discando um número no telefone posto na mesa de cabeceira. A luz enfraquecida do abajur nada o atrapalhava a apertar desesperadamente aqueles botões. Relanceou a janela do cômodo ao olhar para trás, a fim de certificar-se de que o sinistro homem, que o visitara há poucos minutos, não estivesse espionando-o por uma brecha ou por entre as árvores do pequeno bosque ao lado.

Tremia as mãos a cada vez que o barulho de chamada apitava no fone.

Vários e angustiantes segundos passaram-se.

- Vamos... Alguém atenda. - disse, olhando novamente para trás, a voz trêmula.

Objetivava informar à Alexia a trama secreta dos Red Wolfs para que a mesma repassasse as revelações para os outros, tal como Adam fizera quando recebera a inesperada ligação de Hector. O homem contraia-se próximo à mesa, inclinando-se vagarosamente para frente, na esperança de que não pudesse ser bem visto considerando a sua forte suspeita.

Ninguém ainda o atendera.

"Ué, não há ninguém em casa?", pensou, o cenho franzido.

Naquele exato instante, Alexia e Charlie ainda não haviam voltado e o trio de caçadores prosseguia com mais uma sessão de treinamentos na sala subterrânea. Cansado devido à longa espera, Rufus desligara com cuidado.

"Somente há o número do telefone... Se a madame pensasse maior teria colocado o endereço da residência também. Que merda", pensou ele, esfregando o rosto com as duas mãos, sinalizando a ascendente preocupação.

Morria de medo só de imaginar ter de ir até a janela para confirmar sua suspeita. Ficara ali, estagnando e sentado na lateral da cama, sem mais opções... enquanto uma estranha figura endireitava seu olhar incisivo escondida do lado de fora... perto da janela.

                                                                             ***

O azul esclarecido da íris dos olhos de Rosie fervia em uma louca mistura de raiva, cansaço e impaciência ao fitar aquele aparentemente bondoso senhor idoso. O tique-taque dos relógios ressoava por todo o espaço comprido. O Relojoeiro, com certa malícia no semblante, sorrira suavemente para a jovem, esperando que a mesma pudesse entender seu propósito com a última declaração, que mais parecia uma tentativa de iniciar uma charada. E, com certeza, Rosie pouco pacientaria-se à isso.

- Olha, eu vou ser bem franca com o senhor: se realmente está disposto a me ajudar a sair daqui, eu peço que leve a minha situação um pouco mais a sério. - disse ela, recompondo sua postura, outrora afetada pela visão horrorosa que teve do outro lado da porta.

- Minha cara - dizia o velho. - a sua teimosia em sempre querer respostas e mais respostas a trouxe de volta. Você sequer questionou os mínimos detalhes por estar cegamente convencida de vencerá a caça ao tesouro.

- Que tipo de detalhes? - indagou ela, suavizando o tom de voz.

- O motivo pelo qual usa este capuz e capa vermelhos, por exemplo. - disse ele, indicando a vestimenta de Rosie. - Saiba que há uma razão. Razão esta que se perdeu junto com suas memórias roubadas.

- Se leu minha mente - Rosie aproximava-se calmamente - deve saber, de alguma forma, o que ocorreu antes de eu acordar naquela floresta ou o quê tirou minhas lembranças.

- Sim... eu poderia me dar ao luxo de informa-la de seu passado recente. - afirmou ele, fitando um canto da sala. - Mas é insuportavelmente difícil! Sabe o motivo pelo qual conserto tantos relógios? Obviamente, não. Não sabe o quão cansativo é detectar tantas anomalias espaço-temporais que surgem uma atrás da outra, dia após dia, e não saber um meio eficaz de repara-las. Portanto, minha cara, o que houve à você naquela noite é impossível de detectar, pois algo bloqueou minhas visões.

- O que ocasionou esse bloqueio? Abamanu, por acaso? - perguntou ela, novamente impaciente.

- É uma boa pergunta. - concordou ele, assentindo positivamente. - Certas divindades tentam burlar meus sistemas quando desejam fazer algo que não deviam. No seu caso, Abamanu, que teve uma imensa facilidade, talvez tenha recorrido à um método bem incomum para exercer sua influência. Ele consiste na existência de algo material, um objeto que simbolize uma veneração feita por seguidores, isto é, se tal divindade chegar a consegui-los. - Fez uma pausa, inclinado-se para ela. - Um objeto que sirva como meio de contato entre o deus e o mortal.

- E você sabe qual é esse objeto? - perguntou Rosie, olhando fixamente para a face redonda do velho.

- O bloqueio afetou seriamente minha memória. Abamanu tinha seguidores. No entanto, o meio de contato entre ambos os seres me fugiu à mente assim que este maldito brincou com o tecido da realidade da qual você vivia apenas sentado em um trono emitindo uma luz branca e isso me trouxe consequências frustrantes.

Rosie tentava, a todo custo, interligar aquelas informações e processa-las de modo menos trabalhoso. Lembrara-se instantaneamente do Guia e sua falta de clareza com relação ao propósito dos desafios e os objetivos de Abamanu. Não tardou para que logo soubesse e entendesse que estava na mira de supostos inimigos ávidos a desorienta-la de seu caminho.

- Então... - a jovem empalidecera de repente - Abamanu foi quem tirou minhas memórias. Aquele desgraçado, o Guia, mentiu o tempo todo. - cerrara os punhos em indignação.

- Seja lá qual for o destino que ele quer lhe conduzir - tentou ele orienta-la - é bom que esteja fortemente alerta. Não... já é tarde demais para que resista. Se quiser saber como irá terminar, é por sua conta e risco. - Passou a olha-la com mais firmeza e seriedade desta vez - E então, Rosie Campbell, qual é a sua escolha?

A jovem suspirou pesarosamente, um ar de desânimo e impotência.

- Ele me disse que os principais objetivos dos desafios eram fazer despertar minhas inclinações e habilidades. Mas eu só quero entender o porque... o sentido, eu quero encontrar uma razão. - seus olhos nitidamente marejaram-se. - Uma daquelas provas quase me convenceu de sou uma assassina fria e impiedosa. Ele foi esperto, Abamanu foi rápido em fazer você ficar inútil... porque talvez ele já sabia que haveria um risco de eu me encontrar com você e que eu soubesse do plano.

O Relojoeiro não tirara os olhos dela. Esperava que a mesma demonstrasse suas emoções ao máximo. Ajeitou-se na cadeira para sentar-se melhor e virar-se para ela completamente.

- Que bom que desiludiu-se. Abamanu, claramente, não almeja trazer paz e prosperidade aos mortais.

- Agora entendi tudo. - dissera Rosie, andando de um lado para outro, com um lampejo. - O Guia estava desesperado quando viu que eu entrei na porta errada... ele sabia que eu encontraria você. Deve estar morrendo de aflição agora. - dera um leve sorriso.

- Eu imagino. - assentiu o velho, um tanto quanto desconfortável. - Mas não respondeu minha pergunta! Qual a sua escolha? - indagou, revelando o motivo do desconforto.

Rosie parara para refletir a respeito daquela árdua questão. Mas, para não fazer aquele senhor de idade avançada esperar mais do que o necessário, resolveu decisiva e rapidamente apresentar sua motivação.

- Irei continuar os desafios. - falou, concisa e firme. - Que se dane o que estiver à minha espera no final... tudo que mais quero é apenas seguir em frente. Eu vou recuperar minhas memórias e, se for preciso, enfrentar Abamanu. Cansei de segredos.

A determinação daquele estonteante jovem impressionara agradavelmente o Relojoeiro. O velho erguera sua coluna empolgando-se com tal momento.

- Muito bem. - deu um sorriso amarelo, vendo que conseguiu seu objetivo. - Conhece a saída, certo?

Rosie retribuíra o sorriso, assentindo com um "sim". Andou pela sala, dirigindo-se à porta por onde havia entrado anteriormente.

- É muito provável que cheguemos a nos ver novamente. - dissera-lhe o Relojoeiro, virando-se para vê-la sair.

- Ahn... só mais uma pergunta: O que realmente tem dentro daquela porta? - indagara ela, voltando-se para ele ao mesmo tempo em que andava para trás.

- Ah sim! - ele dera uma risadinha divertida. - Possuo uma chave própria para aquele quarto. Nada mais do que outros relógios à espera de um conserto.

Satisfeita com a resposta, Rosie voltara sua atenção para a saída... abaixo daquela enorme rocha na qual aquela estranha casa estava fixa. Girou a maçaneta e abriu a porta. O vento gélido de antes voltou a soprar, esvoaçando seus negros cabelos e ondulando sua capa vermelha. Caminhou em direção ao penhasco. A esfera de energia que se eletrizava vários metros abaixo estava ainda mais brilhante. Era uma queda de mais de 50 metros. "Pular ou não, eis a questão.", pensava ela, temerosa.

- Só basta pular sem medo. - disse a voz do Relojoeiro na mente da jovem.

Ainda hesitante, Rosie ergueu a cabeça, mantendo o olhar fixado para baixo. "Eu não cheguei até aqui para que terminasse desistindo de tudo", refletiu ela, a respiração mais pesada. "Jurei que assumiria riscos... e é isso que farei!".

A jovem mal sentira, após calma e vagarosamente fechar os olhos, seus pés se desprendendo do chão naquele corajoso mergulho. Com os braços esticados para frente, como um exímio nadador indo de encontro à água, Rosie apenas sentia a queda vertiginosa com o vento batendo em seu rosto, pressionando sua pele quase deixando-a dormente. Não abriria os olhos até que se sentisse totalmente em um plano no qual pudesse tocar uma terra que lhe parecesse "normal". O farfalhar da capa vermelha era o som mais predominante, sobrepondo-se aos ruídos dos raios intermitentes que a cercavam e o barulho do forte vento.

Pouco mais de 3 minutos foi a duração da queda. Somente sentira vontade de abrir os olhos quando estava exatamente a ínfimos metros da esfera elétrica de luz púrpura. O espanto fora imediato. Adentrando no portal, sentindo praticamente todos os átomos de seu corpo serem absorvidos em uma fração de segundos, Rosie percebia que a esfera era muito maior do que presumia quando vista de perto, assemelhando-se à um extenso turbilhão de energia quase do tamanho de um planeta.

Um vórtice no centro da esfera a fez desaparecer repentinamente.

Por um instante, imaginou-se, naturalmente aliviada por ainda estar consciente, em um flórido campo, com uma verdejante vista... quase que como se estivesse morta e adentrando no lugar que lhe ensinavam ser o Paraíso, única coisa que ainda lembrava de suas entediantes aulas de Religião que tivera nas escola antes de cursar o Segundo Grau. No entanto, seu tato, tal como os outros quatro que voltavam a se apurar, revelava uma terra infértil e úmida. Encontrava-se deitada, os braços esticados nas laterais, quase numa posição de um "anjo de neve". Abria devagar os olhos, as pupilas curiosas relanceando o ainda turvo campo de visão.

Tateou a terra onde estava deitada. Uma sensação de ojeriza juntamente ao desânimo aflorou em seu âmago ao ouvir o som de seus dedos tocando aquele solo negro. Levantou-se, estranhando não sentir a dormência no rosto causada pelo vento durante a queda. Contemplou, embasbacada, o céu preto-cinzento, as nuvens de um aspecto depressivo e melancólico. O espaço à sua volta resumia-se em uma terra sem vida e sem cor. No horizonte, avistava-se uma claridade esquisita. Uma estrela, talvez? Rosie passou a ignorar o mistério quando deu de cara com duas figuras que pareciam não estar ali antes... No instante em que se virou deparou-se com uma bifurcação, na qual postavam-se dois seres que despertaram a rápida curiosidade da jovem.

Dois pégasos, separados por poucos metros de distância um ao lado do outro. O da esquerda era branco como a neve, contrastava intensamente com o tom daquele lugar, seus olhos eram pretos e suas asas estavam erguidas, com as pontas de uma quase encostando nas da de seu vizinho. O da direita possuía uma pele de um preto vivo, parecendo piche líquido reluzindo, os olhos sendo branco-prateados e as asas também erguidas.

- Bem-vinda de volta. - uma voz soturna fez Rosie sobressaltar e virar-se para trás.

Viu-se diante do Guia novamente. Uma fagulha de frustração entorpecente a fez cair os ombros quando encarou aquela figura esquelética. Aquela face repleta de cicatrizes costuradas ainda lhe dava embrulhos contínuos no estômago.

- Ou seja, bem-vinda ao inferno. - disse Rosie, em tom áspero.

- Eu esperava que pudesse voltar brevemente. - disse ele, aproximando-se flutuante. - Não sabe o quão preocupado fiquei ao ver que havia entrado na porta errada. Mas fico aliviado por vê-la ainda viva. Ainda pretende dar prosseguimento aos desafios, certo?

"Um belo soco nessa sua cara responderia a pergunta", pensou Rosie, fitando-o seriamente. Manteve-se calada por alguns segundos, procurando palavras para explicar o quão aborrecida estava.

- Para ser franca, eu procurava uma porta onde eu pudesse me ver acordada desse pesadelo. - respondeu ela, cerrando os punhos. - Não faz ideia onde eu estive. - tentara arrancar dele uma certa ânsia por saber o que ocorrera à ela.

- A chave. Você ainda está com ela? - perguntou o Guia, inclinando a cabeça para um lado.

- Sim... eu acho. - disse ela, procurando a chave no seu cinto de couro, não tirando os olhos dele. - Ah sim... aqui está. - por fim, tirou-a.

- Ótimo. Mas não cometerei o erro de perdermos tempo com perguntas irrelevantes. Acho que é quase certo de que se caso eu perguntasse onde esteve, mentiria para mim.

"Droga. Era exatamente isso que eu faria", pensou Rosie, desapontada.

- Ainda estou cansada, preciso que isso não demore mais do que penso.

- Fique tranquila. - flutuou em direção aos dois pégasos. - Os desafios-extra foram suspensos definitivamente. Isto vai facilitar sua interação com as últimas situações. Eu só espero que tenha saído de lá mentalmente pronta...

"Então ele sabe onde fui parar. Percebo que está desesperado, quase gaguejando. É óbvio que não suporta a possibilidade de eu ter descobrido a verdade. Não vejo mais aquela segurança de si mesmo", pensou Rosie, dando um sorriso discreto enquanto observava o Guia postar-se diante da bifurcação e os dois seres que a guardavam.

"Maldição! Ela só pode ter encontrado-o! Lorde Abamanu... por favor, espero que perdoe-me por esse deslize. O modo como ela está se portando agora... algo me diz que, de fato, ela já sabe. Já não é mais a mesma humana insegura e perdida do princípio. Quanta... confiança... ah, maldito seja...

- E então? - perguntou Rosie, cortando os pensamentos do Guia. - Agora que estou aqui, parece que o próximo desafio já deve começar. Pelo visto, já está preparado para mim.

- Engana-se. - disse ele em tom frio, sem virar-se. - Estes dois animais que vê são os guardiões destes dois caminhos. Ambos representam um conjunto de dualidades que é fundamental para todas as criaturas viventes e pensantes, como pode constatar pelas suas cores. Alegria e tristeza. Amor e ódio. Fé e descrença. Razão e instinto. Vida e morte. Bem e mal... Verdade e mentira. - explicou, enfatizando, em um tom firme e alto, as duas últimas palavras.

- À primeira vista, não me parece que vou ter muito o que fazer. - disse Rosie, aproximando-se e observando os estagnados pégasos. - Além disso, aqui faz muito frio. - aqueceu levemente as duas mãos.

- Eles estão aqui desde o dia em que nasceram. - prosseguiu o Guia. - Cada universo, em sua totalidade, fora criado com uma lei tida como justa e indispensável: A criação dos opostos. O equilíbrio imprescindível para que todo ser vivo, desde um microrganismo até um animal de enorme porte, possa viver de acordo com as outras leis empregadas. Este equilíbrio jamais deve ser rompido, em hipótese alguma.

- Está bem, adorei a aula de história. Mas será que dá para irmos direto ao ponto, já que avisou que não devemos perder tempo? - disse Rosie, olhando-o impaciente.

- Sim... tem razão. - disse o Guia, minimizando a voz. - Este será o penúltimo desafio, ressalto. Exigirá grande capacidade mental sua e qualquer tentativa de desistir está fora de questão. Você deverá descobrir o "Caminho do Viajante" após desvendar o seguinte mistério: qual deles está mentindo e qual está dizendo a verdade. Esta é a dualidade para a qual eles nasceram para representar. - explicou, permanecendo imóvel, quase acanhado.

"Puxa, que legal. Um enigma.", pensou Rosie, dando um suspiro de fadiga. "Espera...", arregalou os olhos ao imaginar uma ligação perfeita.

Olhou para a chave dourada de dois dentes em sua mão direita. "O Caminho do Viajante... agora tudo se encaixa. O Relojoeiro denominou a chave assim. Significa que com ela, o portador é levado diretamente para cá e descobrir qual dos dois caminhos é o correto. E se o Guia já estava aqui antes mesmo de eu chegar, só prova ainda mais que ele sabia que eu me encontraria com o velho. Por essa eu não esperava."

- Chegue um pouco mais perto, Rosie. - pediu o Guia, estranhamente gentil. - Relaxe e esvazie sua mente por um breve período. Só assim encontrará disposição suficiente para lidar com este problema.

Dando alguns passos para frente, Rosie aquietava suas aflições, embora pudesse estar relutante. Afinal, no que acarretaria, após uma eventual confusão, se caso ela escolhesse o caminho errado? O silêncio era insuportável. Nem mesmo o som de seus passos ecoava.

- Sabe porque aqui é tão... silencioso? - indagou o Guia.

- Não. Por que? - perguntou Rosie, curiosa, olhando por cima do ombro.

- Por que ele é o elemento que beneficia a concentração do viajante. Use-o a seu favor. - recomendou ele.

Assentindo levemente sem ele ver, Rosie descontraía os músculos, fixando o olhar decidido nos dois pégasos que apenas piscavam os olhos como único movimento.

Era chegada a hora de conectar o mais profundo apego da sua mente com sua força de vontade.

                                                                           ***

Quanto mais desciam mais estreitos os degraus tornavam-se. Hector ia na frente, empunhando a lanterna em uma mão e uma pistola calibre 39 noutra. Eleonor vinha atrás, desconfortando-se com a má formação da escada. A cada descida, sentiam as paredes quererem esmaga-los. Os gritos pareciam ficar mais próximos, guturais e ecoantes.

O caçador arrombara com um chute uma porta de metal enferrujada próxima do fim da escadaria. A luz da lanterna, invasora, saiu rasgando a escuridão do corredor, trêmula devido à correria de ambos.

- Josh! - chamou Hector, continuando a correr.

- Espera Hector! - exclamou Eleonor, parando de correr e puxando-o para trás, quase arrancando o sobretudo do rapaz.

- O que está fazendo? - indagou ele, irritado com a atitude da moça.

- Só basta esperarmos, ele vai vir até nós. - disse ela, ofegando.

Josh finalmente surgira deixando de gritar, mas ainda desesperado. Hector, surpreso, apontou a luz da lanterna para o caçador de aluguel, fazendo o mesmo proteger seus olhos com os braços devido a forte claridade.

- Ei! Cuidado, desliga essa merda! - vociferou ele, a luz quase cegando-o.

- Oh, desculpe Josh. - disse Hector, fazendo o que ele pediu. - O que está havendo? O que você viu lá dentro? - perguntou ele, aproximando-se.

- Não vão acreditar...

De imediato, rugidos reverberaram por todo aquele espaço negrejante. Josh virou a cabeça para trás quando um arrepio percorreu-lhe a espinha. Sua testa brilhava devido ao suor demasiado e sua respiração era arquejante.

- Estão vindo! - exclamou Josh, colocando lado a lado entre Hector e Eleonor, encarando o vazio escuro do corredor.

Hector recarregou sua arma com mais três balas de prata.

- Pelo que consigo ouvir, são pelos menos quatro deles. - confirmou o caçador.

- Hector, como espera enfrentar esses monstros nesse breu? É tão escuro quanto no corredor em que estávamos. - disse Eleonor, incerta.

- Olha - disse Josh -, se querem minha opinião, acho que tá na hora do plano B.

O caçador novamente iniciara uma corrida desesperada rumo à saída, desaparecendo na escuridão ao longo do corredor.

- Ué, por que está fugindo? - perguntou Eleonor.

- Esse é o plano B! - exclamou Josh, quase próximo da entrada.

As quimeras já postavam-se diante dos dois, sorrateiras e famintas. Um quarteto de lobos bípedes mostrando as presas pegajosas de saliva, suas peles cinzentas ficando evidentes mesmo com a fraca luminosidade. Os olhos amarelos estavam mais brilhantes, tal como cães comuns quando se veem no meio do escuro.

- Não deviam estar aqui... - dizia uma quimera, a voz abafada e cavernosa.

Eleonor recuara em espanto.

- O que é isso? - gaguejou ela. - Está falando!?

- É uma longa história. - disse Hector, também recuando, mas deixando a arma em riste. - Depois explico. Tudo a ver com Robert Loub.

- Robert Loub! - exclamou outra, menos próxima.

- Ele não está aqui! Vão embora ou iremos atacar! - vociferou a que estava na frente.

- Para lobisomens aparentemente sanguinários e implacáveis, eles até que são generosos ao nos dar uma alternativa. - comentou Eleonor, seu andar para trás quase ganhando velocidade.

- Isso porque são mais inteligentes do que pensa. - disse Hector, o dedo no gatilho sem hesitação para atirar. - Se escolhermos ir embora, é previsível que nos persigam.

- Eu cansei de esperar! - a quimera da frente lançou um rugido feroz ao avançar contra Hector.

Eleonor, finalmente, correra, sem olhar para trás, ouvindo as quimeras perseguirem-a.

Hector, em rápido movimento, disparou contra uma e depois contra a outra que vinha em seguida. Porém, teve de bolar no chão contra a terceira delas, enquanto a quarta corria atrás de Eleonor vorazmente em quatro patas. O caçador matinha a mão firme na arma, resistindo às tentativas da quimera em arranha-lo ou estripa-lo, logo atirando mais três vezes em seu rosto e peito. A parede pintou-se de vermelho com os disparos.

Levantando-se, novamente mostrou agilidade ao atirar uma nova bala prateada na segunda quimera, que voou para trás com o impacto da bala com seu corpo. O estampido ecoou ensurdecidamente pelo corredor.

O corpo da quimera tombou na parede, logo caindo no chão, mas parecendo ganhar tempo para se recompor. A outra, ensaguentada, voou para cima de Hector tentando morde-lo no pescoço. Ambos caíram no chão e bolaram novamente. Com uma joelhada, o caçador fez a cabeça do licantropo bater fortemente na parede, fazendo-a quebrar alguns dentes. Se libertando dos peludos braços, Hector a chutou de novo após se levantar. As garras do monstro quase o alcançaram enquanto o mesmo rastejava sangrando, mas, por sorte, ainda sobravam mais duas balas.

Atirou na cabeça duas vezes no mesmo instante em que ela se levantara para dar novo bote. O caçador encostou-se na outra parede, olhando o resultado dos tiros: Restos da massa encefálica na parede e uma extensa pincelada de sangue na mesma.

Olhou para a outra, recuperando-se dos ferimentos e se levantando. Pensou em Eleonor e, por instinto, correu ao seu encontro.

A bruxa havia interrompido a corrida quando se virou para as duas outras quimeras. Proferiu um feitiço, sem outra opção com a qual seguir.

- Explos sanguinolo's! - disse, com uma mão erguida.

As criaturas pararam abruptamente, seus corpos bruscamente paralisados. Seus rosnados viraram gemidos similares a de cães quando se sentem presos e com medo.

Seus estômagos roncavam como um motor de carro... Não era a fome selvagem que sentiam, mas sim o efeito do feitiço, que consistia no aumento da massa do abdômen, mais precisamente dos órgãos do trato digestivo. As barrigas dos monstros cresciam como se algo estivesse prestes a sair. Eleonor assistira o espetáculo com um prazer que só uma bruxa sentia ao realizar algo como aquilo.

Tornaram-se maiores o bastante para, enfim, explodirem como verdadeiras bombas. As duas paredes mancharam quase que totalmente de sangue, as entranhas e outras partes de órgãos adereçando a "obra pintada" nelas. Eleonor correra nos últimos segundos antes da explosão, ficando ao pé da escada - e curiosa ao mesmo tempo sobre onde Josh se enfiara.

Hector passara pelos corpos das duas quimeras mortas dirigindo-se à entrada, mas diminuindo a corrida para não escorregar no sangue.

- Hector, venha rápido! - gritou Eleonor, apontando para o corredor.

O caçador, já poucos metros perto da porta metálica, olhou para trás e avistou a quimera que havia ferido antes correndo como um leão na direção de sua presa.

Se pôs para fora do corredor e, fazendo bastante força, tentou fechar a porta - que, por sinal, abria-se para dentro. O metal rangeu estridentemente. Por fim, conseguira fecha-la com um arranco, produzindo um estrondo intenso.

Ouvia-se ruídos das garras da quimera arranhando o fraco metal da porta.

Simultaneamente, suspiraram em alívio.

- Onde está Josh? - perguntou ele, relanceando as escadas.

- Não sei. Mas não deve ter ido muito longe. - disse Eleonor, passando a subir os degraus.

Um assovio foi ouvido do alto. Ambos olharam para cima e viram a silhueta de Josh acenando para que subissem logo.

Quando chegaram de volta ao gabinete do diretor, deram de cara com o jovem caçador em uma expressão aflita. Entreolharam-se - Hector e Eleonor - por um brevíssimo momento.

- Josh - dizia Hector, aproximando-se do rapaz - diga-nos o que viu lá dentro. Pela sua cara, é óbvio que descobriu alguma coisa.

- Pior que sim. - confirmou ele, assentindo. - Além daqueles licantropos doidões, eu... - fez uma pausa, suspirando. - Havia uma sala. A primeira delas, pra ser mais exato. Quando abri a porta vi um monte de licantropos dissecados, só a pele e os ossos. Como se toda a carne e o sangue deles tivessem sido drenados, consumidos.

A informação intrigara subitamente o caçador profissional.

- Estranho, não? - indagou Josh, esperando uma opinião. - Olha, vou ser honesto com vocês: Eu acho que sei quem pode estar por trás disso. Claro, quando vocês estavam lá agora pra me salvar não deu pra reparar, mas há outras salas onde podem haver mais corpos.

- Se for o que estou pensando... - disse Hector, sinceramente desconfiado.

- Mollock pode estar sacrificando seus soldados em segredo. - disparou Eleonor, direta ao interromper o companheiro.

- Isso! - concordou ele. - Se houver ao menos uma chance de podermos desmascara-lo...

- Em que circunstância? - indagou Josh. - Até tenho uma leve impressão com o que você quer com isso, Hector, mas não sabemos se há tempo pra bolar um plano.

- Josh tem toda razão. - disse Eleonor. - Já perdemos tempo demais... Você mesmo disse que o ideal era resolvermos isso em um dia.

- Não é mais. - disse Hector, pegando sua mochila que deixara na cadeira da escrivaninha. - Já temos uma ideia do propósito de Mollock com essa artimanha traiçoeira dele.

- Temos é? - perguntaram Josh e Eleonor em uníssono.

- Ainda explicarei à vocês. - disse o caçador, pondo a mochila nas costas. - Mas, por enquanto, focaremos apenas em Loub. Eu tenho um plano.

As atenções de Josh e Eleonor fixaram-se totalmente na presença de Hector, ambos fitando-o sem pestanejar por um segundo sequer. O combinado entre o caçador e a bruxa era o ato crucial para se ajudarem durante o processo de vingança de Hector contra Loub. O membro da Legião pouco ligava para uma difícil oportunidade de chegar ao ponto onde poderia, com muita precisão, fazer ruir o reinado de Mollock. O caçador vira, através da declaração de Josh, uma ponta de esperança. Somente precisaria de uma chance. Um único momento no qual iria pôr o pupilo de Abamanu contra a parede e expor a verdade que massacraria qualquer possibilidade daquele reino progredir.

Hector, em divagações sobre o plano, pensava que, se caso conseguisse desmascarar Mollock, seus soldados, instintivamente, iriam rebelar-se contra ele, desiludidos. Mas haveria uma justificativa que certamente Mollock usaria para se safar: A evolução necessária. Em outras palavras, o inestimável benefício propiciado pelo sangue de uma quimera nível 3. Hector, já não tão certo de como tudo iria se desdobrar, pensou em seu maior arqui-inimigo: Robert Loub. Seria ele um aliado improvável para ser usado como elemento-chave na hora da verdade? Pensando retroativamente, o caçador lembrara-se de como o cientista havia se portado quando o centro da conversa chegava a maior ameaça daquele momento, no dia da "Lua Sangrenta".

"Mollock tomou para si o exército de quimeras nível 3... as de nível 2 foram praticamente exterminadas... Loub alegou não ter nenhum vínculo com Mollock para uma possível aliança... Loub foi sequestrado - junto com outros prisioneiros - no exato dia em que foi preso... Mollock o quer para algum objetivo... Mollock é a fusão de uma quimera nível 1 e um demônio... demônios que possuem poder para se fundir com outros seres diferentes... Goétia... o ritual na mansão feito por Dwayne Nevill,  filho de um Red Wolf... as escrituras da Bíblia de Abamanu, em especial os capítulos da profecia... mencionam a "traição dos preceitos para findar a vinda do pupilo"... os assassinos contratados pelos novos Red Wolfs... as regras mudaram... a profecia está se cumprindo... ", pensava Hector, imerso em um estado de pura desconexão com qualquer coisa que pudesse lhe tirar a concentração. Uma verdadeira teia de eventos sequenciava em sua mente como um filme sendo executado em velocidade máxima, absorvendo cada ideia passada por eles. Tudo se encaixava. Tudo se interligava.

- Hector? - indagou Eleonor, inclinando-se para ele, tentando tira-lo de seus devaneios profundos. - Hector!

Um pequeno sobressalto acometeu o caçador, que olhava para um canto da sala, depois passando a olhar para seus companheiros. Um ar decidido era notável pelo seu olhar.

- Eleonor - dizia ele -, teremos muito o que falar sobre demônios da Goétia enquanto estivermos aqui. Horas e horas debatendo sobre como as coisas se relacionam.

Hector caminhou até a porta tranquilamente, a cabeça erguida denotando uma genuína vontade de peitar qualquer empecilho que barre seus avanços. Sua vingança, por fim, estava com seu processo inteiramente idealizado.

- Espera aí... - tentou Josh protestar - O que você quis dizer com "horas e horas"? - perguntou. fazendo uma cara feia.

Girando a maçaneta, Hector virou-se para os dois, intrigados sobre o tal plano.

- Não sei se estão presumindo ao certo... mas preciso que entendam a vantagem. Nós precisamos de mais tempo e sei exatamente onde podermos nos esconder sem que haja quaisquer possibilidades de sermos descobertos.

- Ah é, espertinho!? - dizia Eleonor, em tom revoltado, cruzando os braços - Posso saber como você tem tanta certeza disso? Nós olhamos o mapa, Hector. Se existem salas secretas, aliado ao fato de Mollock ter matado o demônio depois de presumir nossa invasão, é lógico que ele vai mobilizar seus soldados para ocupar estas salas em uma busca desenfreada.

- E você tem alguma ideia melhor? - perguntou ele, olhando-a desafiador. - Por que de todas estas salas, uma das poucas que, provavelmente, está desocupada é esta e outra...

- Que outra sala? - Eleonor descruzara os braços, passando a focar-se na face de Hector.

- Talvez você não tenha visto, pois, é claro, não temos o mesmo instinto detalhista. Na parte inferior da mapa constam as numerações de salas altamente secretas e de propriedade dos principais funcionários do museu.

Josh e Eleonor o ouviam com total atenção.

Hector prosseguiu:

- A sala que devemos ficar é a que está com o número 8... me pareceu bem mais ampla que as outras, podendo ser facilmente confundida com uma ala qualquer. Talvez foi esta a impressão que você teve. Apenas focou na parte central do mapa.

- Tá.. mas como você espera que consigamos chegar lá sem passarmos por mais daqueles licantropos? - indagara Josh, aparentemente perdido.

- Não espero por facilidades, Josh. Obviamente, vamos enfrentar as quimeras. Além disso, esta sala não fica muito longe, consegui memorizar o percurso no mapa. Está em uma das paredes da ala II das estátuas.

- Quimeras? - Josh perguntara - Espera, são quimeras ou são lican... Ah, deixa pra lá! Se eu fizer outra pergunta, minha cabeça vai explodir. - meneava negativamente, pondo uma mão na cabeça, visivelmente desorientado.

- Tudo vai ser explicado, Josh, eu garanto. Somente quando chegarmos lá, direi em detalhes como vamos proceder. - afirmou Hector, sem soltar a maçaneta.

- Eu espero que saiba o que está pensando em fazer. - disse Eleonor. - Mas eu partilho da mesma dúvida de Josh: O que quis dizer com "horas e horas"?

Dando um suspiro pesado, o caçador não viu outra escolha a não ser abrir o jogo.

- Disse que havíamos perdido tempo demais. O meu plano vai nos fazer correr atrás do prejuízo. - Fez uma pausa, fortalecendo o mistério - Se ficarmos naquela sala por alguns dias.

Eleonor pensou em manifestar-se contra, mas ao ligeiramente perceber a gravidade cada vez maior da situação, tratou de desistir do protesto. Um dia só não seria, nem de longe, o bastante para derrubar um rei obcecado e se vingar de um cientista assassino.

- Bem... O que estamos esperando, não é mesmo? - disse Eleonor, preparando-se.

Saíram da sala como guerreiros concebidos a fazer desmoronar um vasto império. Naquela escuridão quase total, caminhavam pelo corredor a passos largos, as posturas erguidas de tal modo que se podia notar suas perseveranças. Eleonor tocava com as unhas a marca, em sua mão direita, originada da cicatriz do corte feito para o ritual. Josh empunhava dois rifles altamente carregados com balas de prata. Hector segurava a lanterna já enfraquecida.

- Josh, um aviso: As balas de prata não surtem efeito definitivo nas quimeras de nível 3. Elas ficam temporariamente feridas, mas se recuperam em questão de segundos. Portanto, atire na cabeça, este é o ponto fraco delas. - explicou Hector, mantendo o olhar sério para frente.

- Pode deixar. - concordou Josh, balançando de leve as armas.

- É, você me venceu. - comentou Eleonor.

- Do que está falando? - perguntou Hector, confuso.

- Sobre o mapa. A sala que não vi.

- Ah sim. Pode-se dizer que quando o assunto é detectar mínimos detalhes, estamos empatados, por hoje. - disse ele, com ar brincalhão.

- Pode crer. - disse ela, sorrindo ao confirmar.

                                                                            ***

- Você tem direito a uma única pergunta. - dizia o Guia, o tom austero. - Ambos irão responder. Um sempre mente e o outro sempre diz a verdade. Um faz parte da cidade da mentira, onde a população apenas vive de ilusões, e o outro da cidade da verdade, cujos habitantes são sinceros uns com os outros.

Rosie fitou por um efêmero instante o caminho à direita, tentando avistar o que estava distante. Seus delicados olhos azuis também eram elementos que contrastavam intensamente com aquela terra cinzenta e negra. O vermelho de seu capuz hipnotizaria qualquer um que estivesse por lá assistindo ao desafio, de tão destacante e evidente que mostrava-se.

- Muito bem... - a jovem suspirou de leve - Qual é a sua cidade? - perguntou, apontando para o pégaso branco, à esquerda.

Os dois animais moveram lentamente uma de suas asas, baixando-as. A asa esquerda do pégaso branco apontara para o caminho que seu vizinho guardava - o da direita, na visão de Rosie -, logo, o pégaso negro também apontou com sua asa esquerda para seu próprio caminho.

"Os dois apontaram para o mesmo caminho!?", pensou Rosie, desconfiada. "Um diz a verdade e o outro a mentira... o pégaso branco... estaria mentindo? E o outro?

- Ahn... Acredito que é impossível saber. - argumentou Rosie, virando-se para o Guia. - Eu perguntei para o pégaso branco, mas o outro também moveu a asa, sendo que...

- Rosie! - exclamou o Guia, rigoroso. - Não importa para qual pégaso estará apontando quando fizer a pergunta. De qualquer modo, independente de apontar apenas para um deles, um deve se sentir obrigado a apontar também para uma determinada direção, seja a própria ou a do vizinho, como se a pergunta fosse direcionada aos dois.

Rosie percebia um certo lampejo de pressa no tom de voz do Guia. "Ele quer mesmo que eu acabe com isso o mais rápido possível", pensava a jovem, semi-cerrando os olhos.

- Ótimo. - voltou-se novamente para os dois pégasos. - Vamos terminar logo isso, quero chegar ao fim com pelo menos alguns neurônios intactos.

Os dois ainda mantinham suas asas apontadas para o mesmo caminho - o da direita. "De acordo com o Guia, apontar para um deles significa perguntar para os dois. As dualidades. Pense, Rosie, pense!", esforçava-se ela, mentalmente.

"Mesmo que isso possa durar um bocado de horas, o grande momento chegará, de qualquer modo. É previsível que ela utilize a minha explicação sobre as forças opostas operantes no universo para facilitar o enigma. Se quero agir em favor da minha pressa, terei que apoia-la mais do que fiz nos desafios anteriores", pensava o Guia, esperançoso em relação ao sucesso de Rosie no desafio.

Rosie cerrava os punhos. Suas mãos suavam consideravelmente. Mordeu os lábios, movendo suas pupilas para os dois pégasos à sua frente. Passados o que pareciam ser vários minutos, o suor já alcançara a testa... A jovem fizera uma análise profunda do problema.

"Verdade e mentira. Bem e mal.", pensou. "Devo considerar as cores? O preto, pela minha visão, representaria o mal. O branco o bem. Não! Seria fácil demais, é até óbvio ver desse ponto. As ilusões... a mentira é uma ilusão. Logo...". Seus olhos arregalaram-se em um único segundo.

- Já sei! - exclamou seguido de um estalar nos dedos, assustando o Guia. - As cores nos olhos!

- O quê? Já descobriu a solução!? - disse o Guia, empolgando-se.

- Sim. - confirmou Rosie, com um sorriso vitorioso. - Qualquer viajante que fosse ser desafiado com este enigma, fosse humano ou de qualquer outro mundo, certamente facilitaria as coisas para si com base nas cores das peles dos pégasos e não no que eles realmente representam.

- Hum, sua explicação está interessante. - disse o Guia, aproximando-se dela. - Sugiro que seja um pouco mais específica.

- É simples. Cada criatura que nasce neste mundo já é ensinada sobre os opostos, e as cores preto e branco só reforçam isso. O branco, para muitos, deve significar a paz, a bondade e a compaixão. Já o preto, o mal, a violência e o ódio. Mas nem sempre é assim. As vezes verdade e mentira se confundem. Uma verdade, para alguns pode ser uma mentira e vice-versa. Ambas podem se disfarçar, enganando nossos olhos. Portanto, o segredo deste enigma é não julga-los pela aparência. A verdade está nos olhos. - explicou, com maestria.

"Isso é inacreditável!", pensou o Guia, estupefato. "Ela conseguiu... ela encontrou a solução!"

Rosie prosseguira:

- Cada ser naturalmente julga o outro pela sua aparência. Se, por exemplo, um viajante escolhesse o pégaso branco apenas com base no que acredita que a cor representa estaria iludido. É verdade que o branco representa o bem e o preto o mal, mas não em relação às aparências destes dois pégasos... mas sim nos olhos. Quando apontei para o pégaso branco, eu não esperava que o outro fosse apontar para o mesmo caminho. Assim, eu imaginei que, com base nos olhos, eu poderia identificar qual deles estaria mentindo e qual estava dizendo a verdade. E é ele! - apontou para o pégaso branco.

- Tem certeza disto? - perguntou o Guia, ainda cético.

- Absoluta certeza. - disse, convicta - O pégaso branco possui a mentira, a ilusão no seu olhar, enganando o viajante com sua boa aparência. O pégaso negro, por sua vez, tem o branco de seus olhos... e a pele negra dele faz com que qualquer pessoa o defina como a representação de um mentiroso malvado. Pré-julgamentos não é a forma melhor de resolver esse enigma.

O dedo indicador de Rosie erguera-se calmamente... logo apontando para o pégaso negro.

- É você. Você é da cidade da verdade. O branco representa o bem. A verdade está somente nos olhos e não na aparência. Seus olhos são brancos.

"Formidável!", comemorou o Guia consigo mesmo.

- Devo parabeniza-la, Rosie Campbell. Por tamanha perspicácia. Pelo que ouvi, ninguém que chegou até aqui teve o destino que queria, que é a cidade da verdade. Em outras palavras, você foi a primeira forasteira a desvendar o enigma. - disse o Guia, em elogios.

O pégaso negro, bastante dócil, aproximara-se de Rosie. O caminho finalmente estava livre.

- Bem... e o que acontece agora? - perguntou ela, sem ideia, olhando para o Guia.

- Suba no pégaso e cavalgue. Ele a conduzirá até o portal que leva até a cidade.

- Mas já que ele tem asas, ele bem que podia me levar voando e...

Antes mesmo que Rosie pudesse concluir a frase, o Guia já desaparecera sobrenaturalmente.

- Ah, boa tentativa de me deixar falando sozinha. - irritou-se ela.

Apoiando-se com cuidado, Rosie subiu no pégaso, sem deixar de reparar em suas asas estonteantes. O animal virara-se para o caminho que guardava e iniciou o percurso em direção ao destino final.

Rosie sentia-se uma autêntica guerreira em sua montaria imbatível. Durante a aprazível cavalgada, a jovem sorrira para si mesma, mal reparando o espaço sinistro a seu redor naquela sombria terra acometida por uma transmissão de coragem e bravura que apenas uma criatura daquele porte poderia propiciar. O caminho era nitidamente longo e reto, mas aquela sensação compensava qualquer indício de tédio ou impaciência que viesse a lhe ocorrer.

Enfim, chegaram a uma área circular, cujo centro abrigava uma tampa de metal redonda com vários detalhes em relevo. Rosie deixara o pégaso tomar seu trajeto de volta, sem tirar os olhos da tal tampa.

"Ué, achei que quando ele havia mencionado 'portal' estaria se referindo a algo parecido com aquela bola de raios em que eu mergulhei quando pulei daquele penhasco", pensou Rosie, enquanto andava, intrigada, em direção ao centro.

O Guia, assustadoramente, materializara-se na frente da jovem, seu corpo, em segundos, tomando forma a partir do que pareciam ser grãos de areia.

- O que significa isso? - Rosie pôs as mãos na cintura - Onde está a cidade?

- Somente tenha paciência. - disse ele, erguendo a tampa lenta e telepaticamente.

"Paciência que, com certeza, você não tem agora", pensava ela, o olhando com ar desconfiado.

A tampa fora arremessada para longe pelo Guia, ocasionando um forte impacto com o chão. Uma pequena nuvem de poeira se viu formar no não-tão-distante ponto onde o pesado círculo metálico foi parar.

- Você primeiro. - disse o Guia, demonstrando um incomum cavalheirismo ao indicar a escada reta abaixo.

Atendendo à gentileza, Rosie fora indo na frente, descendo os bem formados degraus. Quanto mais avançava, mais ela sentia que o mundo acima de sua cabeça era como um sonho do qual ela estava aos poucos despertando. Um corredor iluminado por tochas nas duas paredes laterais foi revelado.

O Guia, novamente, materializou-se ao lado dela.

- É bom ter uma explicação, porque estou tendo um pressentimento de que isso não vai acabar bem. - disse Rosie, expressando sua forte suspeita relacionada ao Guia e os intentos de seu Lorde.

- Sugiro que converta tal pressentimento ruim em esperança, Rosie. - disse ele, flutuando em direção à porta do fim do corredor. - Na sala em que estaremos a seguir verá a entrada para a cidade. O próximo e último desafio, finalmente, nos espera.

- É bom que isso termine de uma forma bem rápida. - disse ela, começando a caminhar seguindo-o. - Estou farta de segredos. - a luz alaranjada das chamas das tochas cintilava seu branco rosto.

O Guia diminuiu um pouco o ritmo. Virou levemente o rosto para Rosie.

- Pode ter certeza que irá terminar de uma forma que nem imagina.


                                                                             CONTINUA...

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