Contos do Corvo #10


A névoa já estava cobrindo o espaço ao redor deles. Sorrateira, lenta e, sobretudo, envolvente. O corvo ficara em silêncio, estranhamente... ainda em pé em cima da lápide. Talvez esperando uma opinião de seus ouvintes que o encaravam neutros e com olhares fixos nele.

- Ora, vamos, digam alguma coisa! - pediu o corvo, quase levantando suas asas.

A menina pareceu pensar nas palavras.

- Hum... deixa eu ver... eu, honestamente, não acredito muito. Não sei... acho meio inverídica.

- Vindo de um bicho que fala conosco pela mente, só pode ser lenda. - retrucou o coveiro, fechando a cara, sentindo que perdera seu tempo.

O corvo virou o rosto para um lado, inclinando-o.

- Ué, vocês não gostaram? - falava com um tom desanimado.

- Não, não é que não tenhamos gostado, só achei um pouco fora do comum. O irmão se matar apenas para que o outro se fartasse de doces no final? - questionava a menina, cética.

- Não é que você não tenha gostado, na verdade. - disse o coveiro à ela. - Eu, particularmente, odiei.

- Você nem é um bom formador de opinião. - rebateu o corvo.

- Ah, cala essa boca. - resmungou. - Boa noite, garota. Vou dar o fora daqui. - caminhou em direção ao portão do cemitério, desaparecendo na névoa.

A menina parecia esperar até que ele saísse. Quando se certificou, se deu por empolgada.

- Conta mais outra! - os olhos dela brilhavam de avidez.

- Vai, admite. - disse o corvo - Você também não o suporta, né?

- Não é isso. Quem sabe um dia ele se torne seu fã.

- Olha, acho que ele vai ser meu pior crítico por muito tempo.

A menina riu pela primeira vez naquele ano com aquela frase.

- Mas tudo bem, lá vai mais outra. - disse o corvo, preparando-se. - Eu presumo que você já tenha ouvido falar de um monte de criaturas mágicas e fantásticas, certo?

A menina assentiu.

- Pois bem, o que vou contar agora trata-se de um caso tão bizarro quanto o anterior... Um terrível fato ocasionado pela tentativa de fazer uma lenda antiga se tornar real.

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                                                                         O UNICÓRNIO 


No Michigan, mais precisamente na cidade de Lansing, vivia Caroline. Ela era uma blogueira de renome, e administrava um site de mitos fantásticos. Eu a observei durante minha longa passagem por esta cidade - ela era linda, diga-se de passagem. Aquela pele branca, os cabelos loiros, os olhos azuis... enfim, ela era um primor. Bem, vou direto ao ponto, senão vou acabar revelando minhas fantasias sexuais... Pois bem, ela dedicava boa parte de seu tempo livre naquele blog, sempre publicando a "biografia" de cada criatura mitológica. Certo dia, ela havia chegado de seu trabalho - não sei exatamente o que era, mas presumi que tinha algo a ver  com atendente de telemarketing -, e foi direto ao computador verificar se havia algum e-mail. Bem, havia... mas não era nada comum.

Na mensagem dizia: "Encontre o pote de ouro no fim do arco-íris."

O remetente possuía o nome de "PESADELO474". Ela achou estranho, é claro. Não conhecia ninguém com aquele nome em suas redes sociais. Ignorou a mensagem e foi direto para a sala ler um livro. Caroline morava com os pais. A mãe era médica e estava de plantão naquela noite. O pai era empresário. No entanto, ela ficou muito intrigada com o tal "pote de ouro". Largou o livro e foi para o porão onde estavam guardados os arquivos secretos de sua família, os quais seus pai não a permitia ver de jeito nenhum.

Quando chegou lá, revirou todas as gavetas das estantes de metal, desorganizando os papeis. Encontrou uma folha cujo escrito era de uma língua para lá de estranha. Outros papeis anexados ao primeiro falavam sobre procedimentos cirúrgicos, sacrifício de animais, decapitação etc. Seria aquilo que a mensagem queria lhe dizer? Ela voltou para a sala, ainda mais desconfiada. Seu pai era um excelente médico. Então qual era a razão para ele guardar documentos com conteúdos tão sinistros?

Ela tentou voltar a ler, mas havia escutado ruídos distantes... passos quase silenciosos pelo corredor que levava até a cozinha e o quintal. O corredor estava totalmente às escuras. Somente a luz da lua invadia a cozinha atravessando a porta envidraçada. Sem encontrar nada de anormal, ela se virou e caminhou lentamente até o sofá. Ouviu novamente os passos. Estavam mais próximos. Ela se virou para o corredor, assustada. Nada.

- Quem é que está aí? - perguntou ela.

Um bilhete deslizou no chão saindo da escuridão do corredor.

Ela o pegou e logo o leu. Nele dizia: "Encontrou o tesouro? Parabéns! Olhe no verso."

Caroline olhou o verso do bilhete e ficou pálida. "Hora de fazer meu trabalho. Você já sabe demais!"

Ela pareceu sentir uma ponta de desespero invadir seu coração. Jogou o papel no chão e olhou para o corredor novamente.

- Tem alguém aí? - ela estava quase chorando, coitada.

Recuava alguns passos. Esbarrou de leve na mesinha que ficava no centro da sala. Dois "toc-toc" na porta fizeram ela levar um tremendo susto. Ela foi cuidadosamente olhar quem era pelo olho mágico. Apenas viu uma cabeça de cavalo. Ela tentou gritar, mas pôs a mão na boca, horrorizada. Parecia ser um homem usando alguma fantasia... mas ela percebeu que era real demais para ser só uma brincadeira de mal gosto.

Correu até seu quarto depois de apagar as luzes da sala. A casa inteira estava em trevas. Se trancou por lá e tentou ligar para a polícia, na intenção de denunciar uma invasão criminosa. As linhas pareciam estar congestionadas devido ao alto número de ocorrências naquele dia. Ela insistiu por muito mais tempo até conseguir falar com alguém e pedir ajuda. Ficava olhando para a janela e para a porta do quarto o tempo todo.

Passos na escada. Ela congelou. Largou o celular e tentou se esconder embaixo da cama. Deve ter ficado por lá, tremendo sem parar. Os passos ficavam mais altos... até chegar em frente à seu quarto. Poucos minutos depois a porta foi arrombada. Ela vira botas de couro preto caminharem pelo seu quarto e ouvia uma respiração pesada, inumana.

O sujeito examinou cada canto daquele quarto. Alguns minutos se passaram... ele parou por um momento, pensando se esqueceu de alguma coisa... depois foi embora, deixando a porta aberta.

Caroline, meio que menos tensa, saiu debaixo da cama... e olhou de relance para a escada. O alívio foi terrivelmente passageiro. Viu o indivíduo que invadira seu quarto descendo as escadas. Ele possuía uma cabeça de cavalo! Ela reprimiu um grito novamente. Em um ato de coragem, arrancou uma folha de papel de um caderno e pegou uma caneta. Escreveu algo semelhante à uma mensagem de despedida. Ela chorava como uma criança que acabara de apanhar dos pais.

"Você que está lendo esta carta, saiba que estou morta! Tinha um homem aqui em casa... ele usava uma espécie de roupa de couro preto bem apertada, sei lá, e tinha uma cabeça de cavalo com um chifre! Parece muita loucura, mas é verdade, eu juro!"

Ela parou de escrever quando ouviu mais ruídos vindos da sala. Dobrou o papel e colocou na cômoda. Na sua mochila havia uma lanterna pequena e a pegou. Andou cautelosamente até o topo da escada e só o que viu lá embaixo foi escuridão. Obrigou a si mesma de que ligaria a lanterna apenas quando chegasse à sala. Antes disso, ela finalmente havia conseguido ligar para a polícia, que já estava se encaminhando para lá imediatamente.

Desceu com muito cuidado, embora o medo a dominasse completamente. Assim que pôs o primeiro pé no piso da sala, ligou a lanterna. A luz ficou passando pelos espaços para lá e para cá. Os sofás limpos. A mesinha intacta. O carpete sem nenhuma pegada ou marca. Tudo em perfeita ordem.

Exceto por um detalhe... Caroline sentiu uma presença do seu lado esquerdo, parecendo vir do corredor... hesitou em apontar a luz da lanterna para o que estava lá. Porém, sua curiosidade pesou mais. Ela havia matado o gato... aliás, no caso , a gata!

A luz da lanterna revelou a figura macabra que estava escondida nas trevas. Ele avançou com tudo para cima dela, empurrando-a contra o sofá brutalmente. Eu observei tudo as escondidas pela janela da sala. Caroline gritou de dor, suas costas doíam. O homem agarrava-a pelos ombros. A lanterna havia caído no chão, a luz criando uma sombra aterrorizante dos dois. Caroline, em um rápido movimento, tirou do bolso de seu short o celular. A câmera já havia sido previamente ativada.

Para uma loira ela era bem inteligente. Tinha planejado quase tudo... até considerado sua morte.

Jogou rapidamente o celular, que deslizou pelo chão. O assassino realmente tinha uma cabeça de cavalo e um chifre na testa. Ele sacou, imobilizando Caroline com uma só mão, um facão reluzente com dentes curtos e pontiagudos. Ergueu a arma e golpeou o corpo da moça com todas as forças. Perdi as contas de quantas facadas foram dadas. Um jato de sangue espirrava nele a cada golpe.

Ele fugiu, deixando o facão sujo de sangue no carpete. Certamente seria para deixar como prova do crime, porém, como usava luvas não seria possível encontrar as digitais.

A polícia chegou meia hora depois. Encontraram o corpo de Caroline sobre o sofá, totalmente estripado e estraçalhado. Ela não deveria ter apagado as luzes da sala. Como esperado, encontraram o bilhete no quarto dela. Alguns policias verificavam os dois computadores: o de Caroline e o do pai dela.

No da blogueira, apenas descobriram o blog na barra de favoritos. A postagem mais recente foi sobre a criatura conhecida como Unicórnio e ligaram isto com o conteúdo do bilhete. Acharam absurdo e desconexo. No entanto, quando eles bisbilhotavam o computador do pai, tudo, horrivelmente, fez sentido. Tiveram acesso à conta de e-mail dele e encontraram fotos enviadas por alguém conhecido como "PESADELO474". Uma de minhas habilidades é uma visão de longo alcance e pude ver o que tinha nas imagens.

Nelas se viam homens nus, amarrados em uma mesa de madeira e decapitados. Haviam cabeças de cavalo acima de seus corpos, mas estavam separadas ainda. Ao redor da mesa, estavam homens vestindo túnicas pretas e segurando velas. 

A polícia constatou, ao ver as mensagens trocadas entre o pai de Caroline e o homem misterioso, que tudo não passava de uma seita ritualística de uma sociedade secreta. O número 474 era na verdade três letras: 4 - A; 7 - T; 4 - A. Formavam uma sigla: A.T.A. "Associação do Triunfo dos Aprimorados". 

Esta fraternidade almejava fazer a humanidade tomar um novo rumo evolutivo... unindo o racional e o irracional. A perfeita união entre instinto e razão. 

O assassino jamais foi encontrado, sobrando apenas a sua foto no celular de Caroline que foi vista por último, deixando os policiais de queixo caído. 

A regra era clara: Ninguém ligado a um membro da sociedade deve saber dos planos da mesma. Caso seja confirmado o vazamento de informações, o destino é a morte. 

Certamente haviam mais deles por aí... assassinando quem quer que fosse que soubesse demais. 

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