Capuz Vermelho #31: "Sinais do Fim"


"O futuro só denuncia que esta dúvida será enterrada junto comigo. Apenas uma cova no meio de várias... banhadas de preto." 

                                                                                     Trecho do Diário de Rosie Campbell - Pág 120

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CAPÍTULO 31: SINAIS DO FIM


Um som longínquo de vozes entrecortadas e desesperadas. Logo, então, tornaram-se gritos pavorosos de socorro e emergência. Rosie forçava a si mesma para não abrir os olhos, temendo o que pudesse encontrar. Inevitavelmente, ela cedera ao estímulo externo. Seu tato, à medida que suas pálpebras ficavam menos pesadas enquanto abriam-se, sentira algo aquoso no meio. Envolvente... fervente... e, sobretudo, elevante. Estranhamente, aquilo alcançara seu busto... depois parte de seu pescoço.

"Onde eu estou? O que... é isso?", perguntava-se ela, em pensamentos. Dificilmente moveu um dos braços. Sentia-se presa. Seus olhos azuis abriram-se totalmente... até esbugalharem de modo súbito. Percorreu seu olhar apavorado para seu corpo deitado... e submergindo em um líquido negro, denso e espesso.  "Não! Isso não pode estar acontecendo!". Abriu a boca para emitir algum grito, mas nada saíra. A substância chegara próxima a seu queixo, prestes a afunda-la e afoga-la até a morte iminente. Já sentia seus cabelos serem encharcados pela gosma.

Não havia como se debater para se desvencilhar. Era nitidamente inútil procurar qualquer saída que lhe fosse observável. Em segundos, reconheceu o lugar. Seu quarto. O cômodo onde dormira quando criança... na casa de sua querida e amada avó. Suas pupilas dilatadas em sua face horrorizada rapidamente passearam pelos dois lados.

Entreviu cabeças humanas sendo engolidas pelo mar negro que se avistava à frente e inundava todo o quarto, preparando-se para elevar-se até o teto em pouco tempo. Eram três. Rosie mal conseguia ouvir seus clamores, a água negra já ocupando seus canais auditivos. Por fim, para seu completo desespero, reconhecera uma das vítimas que ali sofriam. As outras duas já haviam se afundado.

A cabeça já estava prestes a afundar junto com o corpo. Tal pessoa conseguira reunir forças para estender sua mão direita para que Rosie fosse pega-la. A jovem abrira a boca, tentando gritar o máximo que podia e canalizar sua força de vontade em seus braços e assim se libertar. Emudecimento completo e aterrador. "Eu tenho que salva-la! Não!"

- Por que? - dissera a vítima, com uma voz trêmula e comovida, mas alta. Apenas sua cabeça estava sendo vista e sua face chorosa.

Rosie conseguira ouvir a pergunta, olhando fixamente para aquela jovem... temendo que fosse ser engolida pela inundação antes que ouvisse completamente.

- Por que? - repetira ela, aos prantos e soluções, quase impelindo para o fundo, tal como areia movediça. - Por que teve que nos abandonar deste jeito?

Antes que Rosie conseguisse processar totalmente a pergunta em meio a tamanha aflição, o líquido negrejante tomara conta de sua face.

A última que vira em uma fração mínima de segunda foi um espelho quadrado e flutuante acima dela... refletindo seus olhos adquirindo um tom vivo de preto.

Depois viera a escuridão. E a completa falta de ar.

Fortemente sobressaltante, Rosie despertara de mais um longo sono... e um pérfido pesadelo. Assim que acordara subitamente, sentara-se, ofegando bastante. Passara as mãos pelo rosto, afastando alguns fios de cabelos. Olhara para um canto do quarto, sentindo-se petrificada pelo pavor que experimenta, seu coração descompassado e a respiração forte. Uma lágrima escorrera de seu olho esquerdo...

- Ah não... Êmina. - disse ela, logo percebendo de quem se tratava a última vítima.

                                                                                             ***

Ainda pálido pelo horror visto, o rosto da jovem encarava o espelho do banheiro iluminado apenas pelos primeiros raios solares. A inexpressão em sua face refletida causava certo desconforto. O som da água corrente da torneira era a única coisa que parecia acalma-la. Lavara o rosto e as mãos. Em seguida, escovara os dentes. Por último, e não menos importante, tomara uma deliciosa e agradável ducha no chuveiro, deixando molhar seu rosto alvo enquanto mantinha seus olhos fechados... sabendo que qualquer divagação simples seria relacionada à sua sombria visão.

                                                                                             ***

Ajeitara seu cinto de couro marrom bem afivelado. Antes de sair, erguera o capuz escarlate sobre a cabeça, em seguida dando uma rápida olhadela no espelho, passando uns dedos pelas órbitas dos olhos. "Está tudo bem. Já estou mais do que requisitada... ele vai entender meus motivos.", pensou ela, dirigindo-se à porta do quarto. No entanto, notara que alguma coisa mostrava-se fora do clima. Destoante e estranha. Puxara a maçaneta, com um olhar de suspicácia, cautelosa.

Do outro lado da porta, revelara-se uma figura já bem conhecida pela jovem. Rosie engoliu em seco, sem se surpreender, encarando-o com certo tédio.

Usando a face condescendente de seu recipiente, o arauto de Yuga viera com a intenção de uma aparente visita. Com as mãos para trás, sua postura estava mais admirável do que nunca.

Suspirando, Rosie andara para um lado.

- Não vai entrar? - perguntou ela.

- Não. - disse Áker, secamente. - Na verdade, você vai.

A jovem franzira a testa, sem ter entendido.

- Olha, Áker, se for sobre a proposta, pode esquecer. - disse ela, categoricamente. - A resposta ainda é não. - aproximou-se dele a passos lentos. - E agora aparece aqui... tão... enigmático. - olhou-o de modo curioso. - O que está pensando?

- Em diversas coisas. - respondera ele, sem alterar o semblante. - Na sobrevivência da sua espécie. No fim desta guerra deprimente. Na sua segurança. Estou pensando no futuro, Rosie. Devia fazer o mesmo. Vim com a esperança de poder compartilhar minhas ideias com você. - disse, dando alguns passos até a soleira da porta.

- Agora não vai dar. - retrucou Rosie, fria. - Eu... estava indo até o QG do Exército, preciso urgentemente falar com o General. Convence-lo a agilizar os planos e revelar as coisas que eu omiti.

- E uma delas seria um frasco contendo uma amostra da substância venenosa criada pelo inimigo de meu lorde? - perguntou Áker, levantando uma sobrancelha, indicando esperar uma reação previsível de Rosie.

A jovem parecera levar um pequeno susto, afligindo-se.

- Como você sabe?

- Varri cada polegada quadrada desta casa. Não está mais aqui. - contou ele, pondo uma mão no queixo, pensativo.

- Tudo bem... deixa que eu resolvo isso. - disse Rosie, olhando para um canto da sala, refletindo sobre o sumiço do pequeno tubo de plástico que guardara desde que conseguira escapar do hospital. - Sei exatamente o que aconteceu e quem se apoderou.

- Só uma pena que não fará sua obrigação no tempo que planeja. - disse o arauto, soando misterioso.

- E por que não? - perguntou Rosie, estreitando os olhos e sorrindo fracamente.

- Disse que gostaria de compartilhar minhas ideias com você... - disse ele, erguendo a mão direita com os dedos indicador, polegar e maior juntos. - Porém, vai ter que me desculpar quando retornar.

- Espera aí. - exasperou-se Rosie, desconfiada. - Desculpar você pelo quê? O que está pensando em fazer?

Recusando-se a responder, Áker simplesmente estalara os dedos, a face séria. Rosie sentira uma luz dourada irradiar da parede oposta, logo virando-se para trás. Um conhecido símbolo fora desenhado pelo arauto previamente naquela parede, brilhando fortemente.

Rosie, tomada pelo medo e o instinto de fuga, vira-se sem saída. Uma força de atração provinda do símbolo a puxou violentamente a fim de faze-la "colidir" com a parede.

Sentindo suas botas arrastarem-se no chão ao ser sugada pela marcação brilhante, Rosie gritara em pânico, olhando para o centro do símbolo enquanto se aproximava mais rápido.

Ao conseguir sentir o "impacto", uma luz ofuscante a cegara por certo tempo. A sensação era de ter ganhado uma estranha intangibilidade e atravessado uma espécie de portal para outro mundo.

A força de atração cessara por definitivo, o corpo da jovem freando bruscamente.

Cambaleando levemente para um lado, Rosie ajeitava o capuz sobre a cabeça e estudava desorientadamente o local onde se encontrava. Seus olhos azuis percorreram rápidos as quatro paredes de concreto, o telhado de péssima qualidade bastante empoeirado e repleto de ninhos de aranha.

- Mas o que... Onde eu estou? - disse Rosie para si mesma, recobrando o equilíbrio do próprio corpo, andando poucos passos à frente, sem deixar de vislumbrar os detalhes daquele recinto. Suspirando longamente, sentira um ar gélido expirar-se. - Como faz frio aqui... - aqueceu-se esfregando as mãos.

Haviam prateleiras de madeira com potes de vidro bem organizados, muitos deles vazios, e poucas mesas. Claramente tratava-se de um bar, supostamente falido. Próximo a um balcão - onde estaria o atendente - havia um televisor rudimentar, de poucas polegadas. Sua tela menor ficava à esquerda de vários botões. O aparelho logo chamara a atenção de Rosie, que não titubeou em se aproximar, analisando-o com estranheza.

Mais do que pela aparência do meio de comunicação, eram os estranhos ruídos... que elevavam-se à medida que Rosie chegava mais perto. Por fim, ligara-se abruptamente. Inicialmente mostrou-se um leve barulho de estática, logo depois deixando surgir na tela uma imagem intermitente, que vagarosamente tornava-se clara - mas somente nas cores preto e branco.

Avistando um jornal perto de uma mesa, Rosie ignorou por alguns segundos o chamado da TV e o pegou. Estava pobremente velho, amarelado e com páginas rasgadas ou faltando. Focou-se na primeira página e não tardou a espantar-se. Boquiaberta, lera o que estava escrito, cada palavra soando como facas cravando em seu peito.

- "Misterioso líquido negro ameaça se propagar globalmente. Casos horrendos de pessoas histéricas e altamente violentas possuem ligação com a grotesca substância.". - leu o que se via mais abaixo. - "Rios e oceanos condenados. Aumenta a proliferação da água tóxica, bem como de seus infectados, cada vez mais incontroláveis. Enfim chegou a nossa extinção?".

A estática na TV soltara um brusco estralo, assustando Rosie de imediato, que largara o jornal sobressaltada. Voltou-se para o aparelho rapidamente, ávida por sanar suas dúvidas o quanto antes.

- O que está acontecendo? - perguntou a si mesma, afligindo-se, cada arrepio perpassando sua alma.

A imagem na TV esclareceu-se, por fim, mas ainda em baixa qualidade. A figura humana que apresentou-se foi Áker, a face focada em Rosie.

- Áker! - soltou ela, espantada.

- Rosie, ouça-me... - um chiado cortara sua voz por alguns segundos. - ... com atenção. Não se desespere por me ver aqui... Mas não questione o porque disto.

- Por que não? - indagou Rosie, soando irritada. - Afinal, que geringonça é essa? Como fez para aparecer aí?

- É complicado, de fato. - mais um chiado interrompera. - Tudo o que devo informar acerca disto é que se trata de mais uma das invenções dos mortais, a fim de proporcionar mais informação e entretenimento. É pouco acessível para muitos, mas bastante revolucionário para esta época, então espero que testemunhe este fato quando esta guerra acabar.

- E é sobre ela que quero saber. - apressou-se Rosie, aproximando-se da TV. - Por qual razão me mandou até aqui? Onde eu estou?

- Inglaterra. - disse ele, o semblante denotando urgência. - O marco zero de todo o caos vigente. Eu, encarecidamente, preciso que veja o que eu vejo. Sinta o que eu sinto. Deve aproveitar o tempo disponível, Rosie. Pois ele está se esgotando. - fez uma breve pausa. - Sei que irá encontra-los, então é bom que se una à eles novamente.

- Só um minuto! - disse Rosie, temendo que o aparelho fosse desligar de súbito. - O que está tentando me provar?

- As consequências da sua decisão. Ou melhor... da sua relutância. - salientou Áker, solenemente. - Volte para este lugar quando tiver decidido definitivamente. O símbolo está gravado na porta por onde entrou. Toque nele e retornará. - finalizou, logo desparecendo repentinamente da tela, sobrando apenas a irritante estática.

A TV, por fim, desligara sozinha.

                                                                                       ***

Uma lufada de ar frio envolveu o corpo de Rosie, fazendo-a sentir praticamente presa, logo ao sair pela porta de entrada do bar. O dia ainda estava claro, mas era impossível saber o período. Manhã ou tarde? Não importava naquele instante. "Encontra-los... Quem?", perguntou-se Rosie, andando pela calçada de uma rua completamente deserta e suja. O frio implacável era um obstáculo questionável.

Passara pela estrada asfaltada andando diagonalmente, imaginando milhares dos horrores que o mundo sofrera... e dos que estaria para sofrer. O céu parcialmente nublado e a luz enfraquecida do sol espelhavam a imagem de um mundo desolado e desesperançoso. Um cenário desalentador. Carros virados, casas e prédios praticamente destruídos, postes de iluminação caídos e várias poças e rastros da substância tóxica propagada.

- Então... - disse Rosie, caminhando devagar, olhando o desastroso cenário ao redor. - ... esse é o futuro?! - deixou nítido em sua face todo seu descontentamento. - Caramba... isso simplesmente é...

Um rosnado rascante cortou sua frase subitamente, vindo por trás... através de um beco estreito entre dois prédios. Virando-se rapidamente, Rosie deparara-se com o horror pertencente àquela calamidade.

- Ah, droga. Essa não. - disse, fitando a criatura com preocupação no rosto.

Um homem caminhando trôpego, bastante sujo e vestindo roupas de um cidadão comum - um simples casaco preto, uma camisa cinza por baixo e calças sociais. Seus dentes estavam cobertos por uma gosma preta que babava profusamente. Seus olhos completamente negros esboçavam um instinto de predador e ameaçador.

O mecanismo de defesa de Rosie soou como um persistente alerta. Recuou alguns passos, tomando máxima cautela para não denotar uma fuga repentina. Ergueu levemente as mãos, sem demonstrar uma posição combativa que passasse a impressão de querer um enfrentamento direto.

- Você quer me pegar? - perguntou Rosie, corajosamente desafiadora, sorrindo de canto de boca com os olhos fixos no mimético. - Anda. Vem. Vem me pegar... - sua voz soava praticamente como um sussurro gradual.

O humano corrompido acelerara suas desengonçadas passadas, enervando-se de modo a rosnar mais alto, seus pés descalços pisando nas poças d'água do úmido chão.

A subestimação de Rosie possuía um efêmero tempo, fazendo-a dar olhadelas rápidas para os dois lados, em clara aflição despertada. Seu recuo tornou-se mais desesperado, à medida que o mimético transformava seus passos em uma corrida para agarrar sua presa.

- Cacete. - praguejou baixo, logo correndo para sua esquerda, se vendo sem recursos para enfrenta-lo.

A atmosfera gélida era o fator restringente para a velocidade de suas pernas naquela calçada de concreto, em frente á outros bares e restaurantes modestos. Além de sua respiração ofegante, a jovem conseguia ouvir claramente mais rosnados bizarros atrás. Infelizmente, a hesitação não prevaleceu sobre o instinto. Rosie olhara para trás enquanto corria veloz e desesperadamente pelo calçamento sujo, entrando em pânico com o que vira, sua capa vermelha esvoaçando. "Ah, merda! Era só o que faltava!". Praguejou inúmeras vezes mentalmente sobre estar naquela realidade caótica. "Muito bem, Rosie, aceite. Você pediu por isso, agora segure as pontas!". Um pequeno grupo de miméticos deixou-se formar aos poucos, alguns irrompendo de becos, latões de lixo e residências decadentes. Um deles, por exemplo, saíra de um loja de roupas femininas, quebrando toda a vidraça principal e correndo apressadamente em direção aos outros no encalço de Rosie.

Chegando a uma rua aberta e asfaltada, Rosie via-se perigosamente exposta em todas direções. Pensou em parar para decidir rapidamente, mas viu que era impossível sem ser atacada por aqueles seres grotescos e imundos. Aleatoriamente, escolhera uma residência para se refugiar, cuja porta mostrava-se aberta. "Dane-se o que estiver lá, não posso continuar assim!", pensou Rosie, logo arrombando a porta ao pensar que a mesma estivesse trancada. Fazendo grande barulho, entrara na casa, logo fechando a porta, vislumbrando a crescente horda de miméticos endoidecidos que se avizinhava pela breve brecha. Havia muito mais do que ela pensava. Como se sua presença fosse um chamariz para acorda-los e estimular seus desejos obscuros.

Temendo que fossem invadir em poucos minutos, Rosie não abrandou sua apreensão ao resolver andar depressa pelo corredor escuro da casa, saindo da sala de estar. O silêncio profundo só deixava sua respiração pesada mais audível. Entreviu uma fonte de luz no final... que aparentemente movia-se devagar de cima para baixo e de um lado para o outro. "Obviamente não tem uma janela naquele quarto...", pensou ela, vagarosamente andando, olhando desconfiada e cuidadosa para aquele ponto.

Um ruído de algo quebrando ao longe a fez virar para trás, quase que como um reflexo, temendo ter sido descoberta e a casa invadida. Sem esquecer da estranha luz mortiça no fim do corredor, Rosie desembainhara lentamente uma de suas adagas em seu cinto de utilidades, ao passo em que se virava para frente pouco à pouco, a atenção elevada ao extremo.

Antes que pudesse virar-se totalmente, sentira uma mão tocar seu ombro direito. De súbito, a jovem arregalara os olhos, instintivamente desferindo um golpe cortante com sua adaga para quem que tivesse tocado-a. O indivíduo deixara a lanterna cair no chão, reclamando consigo mesmo do corte que sofrera no braço.

- Quem é você? - perguntou Rosie, rigorosa, a lâmina em riste.

- Calma, calma, calma! - disse o homem, erguendo uma mão para fazê-la escuta-lo. - Shhh! Shhh! - chiou ele, pedindo silêncio. - Está tudo bem... OK? Sou eu, Rosie... e posso dizer, com total certeza, que não estou infectado. - disse, aos sussurros.

Rosie franziu o cenho, intrigada. De fato, a voz lhe era conhecida... Bastaram alguns segundos a mais para que reconhecesse totalmente.

O rapaz apanhara sua lanterna, em seguida posicionando-a para iluminar seu rosto branco e magro. O nariz destacado e o cabelo preto com um topete meio desgrenhado já eram suficientes.

- É bom ver que está viva. - disse ele, sorrindo fracamente, mas não escondendo sua alegria em rever a amiga.

Também sorrindo de modo fraco, Rosie sentiu uma centelha de esperança invadir seu âmago.

- Lester!? - disse, quase sem acreditar.

                                                                                           ***

A dupla correra a fim de se afastar do resultado do único plano viável para escapar do exército de miméticos. Ficaram parados a uma certa distância, observando com expressões sérias as chamas consumirem cada pedaço da casa. Medida desesperada idealizada por Lester como único meio de salvação. Felizmente, todos os invasores que seguiram o rastro de Rosie foram incinerados. Contudo, a densa fumaça do incêndio mostrava-se um sinal para atrair mais miméticos àquele ponto da Grande Londres, embora fosse um risco aceitável a se lidar.

Dando as costas para o incêndio - já em seus derradeiros instantes, por conta da elevada umidade do ar -, Rosie e Lester andaram juntos em frente. O caçador vestia seu figurino comum para o ofício e empunhava um rifle preto, mas de origem e tipo desconhecidos.

- Me diz uma coisa, Rosie... - quis saber Lester, voltando-se para a jovem. - Ahn... Como posso dizer...

- Deixa eu ver se adivinho: Achou que morri e ressuscitei milagrosamente. - especulou Rosie, parecendo perdida.

- Na verdade, eu iria perguntar sobre como você... "morreu". - fez sinal de aspas com os dedos, dando um sorriso nervoso. - Todo mundo ficou preocupado. Você... inexplicavelmente desapareceu depois que... - fez uma pausa, notando algo estanho por trás.

- Depois de quê? - perguntou Rosie, curiosa, seguindo o olhar do caçador.

Ambos afastaram-se em simultâneo ao darem-se conta do que estava à espreita. Lester destravou seu rifle puxando o ferrolho e apontando para o alvo.

- Deixa comigo. Esse aqui vira geleia num instante. - disse ele, mirando precisamente na cabeça.

A ameaça tratava-se de uma mulher loira, com um sujo vestido amarelo, de braços finos e extremamente pálidos rastejando no chão, mantendo a cabeça baixa. Apenas ao escutar os ruídos da arma de Lester foi que resolvera erguer a cabeça... para, enfim, exibir uma face dantesca e ojerizante. Seus olhos totalmente negros lacrimejavam o líquido tóxico, tal como sua boca que expelia a substância em um profuso vômito negrejante. Emitia um gemido quase agonizante.

- Argh. - disse Lester, baixinho, pronto para atirar.

No entanto, um forte estampido ecoou no ar. Um tiro certeiro atingira a cabeça da mulher, que logo desmanchou em gosma preta devido a pele frágil, restando apenas os cabelos e o corpo inerte.

O autor do tiro viera correndo, seus fortes braços segurando um fuzil de grosso calibre.

- Rosie! - gritara Adam, chegando mais perto.

- Adam!? - espantou-se Rosie, arqueando as sobrancelhas.

- Poxa... - reclamou Lester, irritado. - Era... era meu momento, cara!

- Agradeça por eu ter salvado sua vida, não se zangar por impedir você de atirar. Não esquenta, um dia chega sua vez. - disse ele, logo dando uma risada ao se aproximar mais.

- É... - disse Lester, aborrecido. - Como se pra nós restasse mais dias.

- O otimismo não nos deixa imune à infecção, mas nos torna mais fortes para enfrentarmos aqueles que a tiverem. - disse Adam para Lester, logo voltando sua atenção para Rosie, sorrindo levemente. - Rosie... Eu...

- Não, está bem. - disse ela, forçando um sorriso. - Sei o que está achando.

- Ahn... ah, sim, é verdade. - aquiesceu o caçador robusto, suspirando. Olhou para ela de modo condescendente. - Estou... feliz que esteja aqui. Pensamos que havia morrido depois da explosão da última fábrica.

A face de Rosie ganhou mais palidez e seriedade após ouvir aquelas palavras.

- Espera aí... - disse ela, pondo as duas mãos na cabeça, parecendo querer se orientar. - Você me escreveu uma carta, dizendo que partiria para longe e que não tinha certeza se voltaria ou não. O que o fez mudar de ideia?

- Eu só fiquei por apenas um ano lá. - revelou Adam, pondo o fuzil atrás de si, prendendo-o em um cinto diagonal. - A disseminação em larga escala da substância me instigou a voltar.

Lester decidiu intervir.

- E foi então que nos reencontramos. Eu estava em um hotel barato, pago pelos caras do Exército, Adam, através deles, veio até mim, e Êmina voltou de sua terra natal, desistiu de estudar alquimia só para se juntar a nós e lutar nessa guerra. - contou ele.

- E há quanto tempo... - olhou enviesadamente para um lado. - ... as coisas ficaram assim? Há quanto tempo o mundo virou essa coisa horrorosa?

Uma pausa silenciosa marcou um rápido e preocupado entreolhar entre os dois caçadores.

- Há cerca de três anos. - disse Adam, a voz embargada em um misto de tristeza e desconfiança. Olhara-a com suspicácia. - Não se lembra?

Interrompendo a conversa, um incômodo barulho de um carro derrapando com uma freada brusca os fez sobressaltarem e olharem para a direção de onde vinha.

A porta do veículo militar roubado fora aberta, revelando seu motorista que acabava de descer.

- Muito bem, pessoal. Por ora, nosso trabalho terminou por aqui. - anunciou Êmina, com seu cabelo preto preso em um rabo de cavalo e suas duas tranças laterais que iam até seu busto.

Correndo até ela, o trio se dirigiu com certa urgência.

- Não acredito... - disse a caçadora, deixando-se formar um largo sorriso, seus olhos castanhos focados em Rosie. - Rosie! Você...

- Pois é. - disse a jovem, dando uma rápida risada. - Pelo visto, estou de volta. Parece mais...

- Encorpada? - interrompeu Êmina, pondo as mãos na cintura, gabando-se de sua boa forma. - Sejamos realistas: Andei treinando mais do que esses dois podem suportar em um mês.

- Ah, não brinca. - ironizou Lester, entediado com a forma com que sua companheira de caçada exibia-se.

- Verdade seja dita. - disse Adam. - Êmina foi a que mais cresceu fisicamente em relação a nós. Contabilizamos, precisamente, o número de miméticos mortos por ela. - disse, com ar de mistério.

- Sério? - perguntou Rosie, parecendo curiosa a respeito. Voltou-se para a amiga. - Quantos foram?

Com uma interrupção proposital antes que Êmina abrisse a boca para revelar o número, Lester sacara seu rifle e disparara três vezes em um hidrante vermelho próximo a um poste de iluminação caído sobre a lataria amassada de um carro.

- Viu só, Rosie? - perguntou Lester, olhando para ela por cima do ombro. - Isso refresca sua memória?

Dos orifícios causados pelos tiros no hidrante, jorrava o líquido negro em abundância.

- Não seja estúpido, Lester. - repreendeu Adam, incomodado com o ato do caçador. - Pra mim é lógico que Rosie já tinha conhecimento da poluição global enquanto esteve desaparecida.

- E além disso - disse Êmina, olhando-o com reprovação. - não desperdice munição. Por sorte, não são as cápsulas de congelamento instantâneo.

Rosie passou as mãos pelo rosto em claro sinal de exaustão.

- Pessoal, eu... acho que preciso de um tempo para digerir isso tudo. - fizera uma expressão incomodada, olhando para os três. - Eu tenho que admitir: É animador ver todos vocês vivos... - fez uma pausa, pensativa. - Mas eu necessito de respostas. Por que... estou com a sensação de que esse mundo não faz parte de mim. E me dói ainda mais saber que talvez seja culpa minha.

- Culpa sua? - indagou Êmina, franzido o cenho. - Mas, Rosie...

- Adam não lhe falou, certo? - perguntou Rosie, referindo-se à proposta oferecida por Yuga, confidenciada apenas com Adam até aquele momento.

- Sobre o quê? - questionou Êmina, ainda sem entender.

- Ahn... - interveio Adam, colocando-se entre as duas. - Talvez seja melhor discutirmos isso quando estivermos em casa.

- O que o Adam sabe sobre você que não nos contou? - perguntou Lester, curioso. - Mas... - desistira da pergunta anterior. - ... ao menos você sabia da poluição?

- Sim, eu vi em um jornal. - respondeu Rosie, assentindo. Olhou de modo nervoso para Adam e Êmina. - Alguns meses depois de escapar da explosão da terceira e última fábrica. - arriscou ela.

- Na qual você me resgatou. - disse Êmina, ligeiramente surpreendendo a amiga. Um olhar de gratidão foi demonstrado. - Naquela época não tive tempo de agradecer... então... Obrigada, Rosie. Por ter me tirado daquele pesadelo.

Um aperto no coração seguido de um devaneio breve sobre o sonho que tivera pareceram querer consumir as esperanças de Rosie. "A última fábrica. Êmina estava lá... Não, ainda está!".

- Rosie... - disse Adam, preocupando-se. - Você está bem? Parece pálida...

- Não... - disse Rosie, recompondo-se depressa. - Estou bem. Você mencionou casa... Onde fica o refúgio de vocês?

- Nosso novo esconderijo? - perguntou Êmina, entrando no carro e assumindo o volante. - É bem modesto, pra falar a verdade. Ele possui uma fachada nada discreta, mas foi o único que encontramos dentro das circunstâncias em que estávamos. - girou a chave, ligando o motor.

Abrindo uma das portas do veículo, Rosie entrara ao mesmo tempo em que Adam e Lester também o faziam - ela e o caçador magrelo ficando no banco de trás.

- Espera aí. - disse Rosie, sentindo um lampejo ao olhar para o carro. - Como conseguiu roubar um desses... do Exército Britânico? - questionou ela.

- Exército Britânico?! - disse Êmina, em tom brincalhão ao dar uma rápida risada. - Do que você está falando?

- Sim. O que aconteceu? - quis saber a jovem de capuz, sem achar a mínima graça.

- Apenas sucumbiram vergonhosamente. - disse Êmina, assumindo um tom de revolta ao olhar para Rosie por cima do ombro direito.

O carro dera partida e seguira por uma rua à frente. Mais adiante, no horizonte, podia-se ver nuvens azuladas e carregadas relampejando e chegando, anunciando a vinda de uma possível tempestade.

                                                                                        ***

O prédio do principal jornal da capital aparentava estar fadado a reduzir-se em ruínas, sendo apenas uma questão de tempo para o desabamento total se realizar. A placa marrom que exibia o letreiro em relevo havia partido-se, ambas as partes jogadas próximas à entrada, especificamente sobre um carro abandonado e capotado. A parede de cor creme da fachada apresentava meio cinzenta por conta da sujeira propagada pela substância em forma líquida. Para não gerar suspeitas entre os miméticos que estivessem enfurnados nas sombras e à espreita, o quarteto decidira estacionar o veículo militar dentro de um estabelecimento semi-destruído, além de pagar seus rastros ao retirar qualquer detalhe ou objeto que comprovasse suas presenças no interior do automóvel. Miméticos em estado primário costumavam utilizar da análise prévia para detectar sinais de seus inimigos e criar expectativas para um vindouro ataque contra eles.

Tendo o que Rosie aprendera pouco tempo atrás, os de segundo estado captam o cheiro de humanos não-infectados à milhas de distância, entrando em um estado de frenesi intenso antes de seus corpos explodirem.

A pesada porta metálica fora enfim fechada, trancando-a com a válvula redonda. Segundo a explicação de Êmina, aquele bunker subterrâneo supostamente fora criado durante os primeiros indícios conhecidos de que o mundo estaria prestes a enfrentar uma calamidade de caráter global. Mas porque em um jornal? Não que Londres fosse a cidade mais segura que alguém prontamente pensaria em se refugiar - ainda mais tendo em vista seu status como marco-zero -, mas ali seria o local ideal para políticos de menor relevância e, sobretudo, para o prefeito se protegerem das constantes ameaças dos "Filhos do Caos". A medida preventiva caíra como uma luva para o grupo de caçadores, sendo eles a única frente combatente disposta o bastante a enfrentar os miméticos e seguir bravamente a perscrutar a raiz do problema... que, naquele instante, mostrava-se inalcançável e, aparentemente, fora de vista.

Por um corredor com paredes de metal branco meio enferrujado, Rosie seguia ao lado de Adam, tendo Êmina e Lester caminhando à frente rumo à sala de reunião, ambos entrando nela primeiro.

- E quanto a guerra de humanos sedentos por poder contra... humanos sedentos por poder? - perguntou Rosie.

- Decidiram dar um fim no conflito de uma vez. - respondeu Adam, lacônico. - De que adiantaria guerrear por múltiplos interesses se uma ameaça ainda maior estivesse prestes a aniquilar toda a espécie?

- Boa pergunta. - disse a jovem, aquiescendo, tornando a andar mais vagarosamente pelo corredor.

As salas à esquerda chamaram a atenção de Rosie que não titubeou em olha-las. Percebendo isto, Adam se dispôs a contar.

- Esta é a sala onde armazenamos todos os suprimentos. - disse o caçador, apontando para a primeira porta com uma pequena janela circular. - Reunimos o suficiente para, no mínimo, quatro anos.

Passando pela segunda e última sala, a jovem observara rapidamente vários garrafões de plástico azul empilhados organizadamente.

- E este aqui... - apontou Adam. - ... é nosso estoque de água potável. - desviou o olhar para frente ao passar. - Já havia bastante aqui antes de todo esse pesadelo começar. Conseguimos mais graças ao Exército e outros caçadores de confiança. - revelou. - Talvez a durabilidade seja de três anos.

- E como a poluição afetou os rios e mares... - disse Rosie, pensativa.

- Nada do que foi obtido pode se esgotar antes de irmos para a batalha final. - disse Adam, confiante. Olhou para Rosie, sério. - Se persistirmos por mais tempo e não resultar em nada... a nova demanda pode antecipar nosso fim. Em outras palavras, se consumirmos mais do que o necessário antes de retomar nossa missão de chegar ao forte dos miméticos... e se chegarmos próximo do que jamais fomos antes sem sucesso e sair com vida... ficará mais difícil respirar nesse mundo. - voltou sua atenção para a porta da sala de reunião que estava perto.

O ranger estridente da porta de metal oxidado soou agudamente no pequeno recinto.

- Não tem claustrofobia, certo? - perguntou Adam, parando bem na entrada e olhando para a jovem por cima do ombro.

Rosie fez que "não" com a cabeça.

- Ótimo. - disse o caçador, entrando primeiro.

- Bem-vindo de volta Capitão. - disse Lester, em um cumprimento irônico à Adam. Ele e Êmina estavam próximos um do outro, curvados sobre uma mesa de aço analisando uma planta da fortaleza na qual os miméticos de último estado operam como guardiões implacáveis.

- Alguém ligou? - perguntou Adam, colocando-se diante deles, olhando para o projeto.

- Nada até agora. - respondeu Êmina, o tom de preocupação. - Olha... minha ansiedade para iniciarmos logo esse plano anda acabando comigo ultimamente.

- Se o Mestre não tivesse morrido... - disse Lester, lamentoso. - ... ainda haveria alguma chance de sermos autossuficientes. Não é? - olhou para os outros.

- Eu não teria tanta certeza. - discordou Adam, apoiando suas mãos na mesa. - O egoísmo de alguns remanescentes ia falar mais alto pela disputa por poder. Sorte a nossa nenhum dos que encontramos ter nos causado prejuízos até agora. Mas não ficaria surpreso se... se caso falhássemos...

- Nós não vamos falhar. - disse Rosie, firme, chegando mais perto.

Os três a fitaram por alguns segundos.

- Eu quero saber. - pediu ela, séria, olhando para cada um dos amigos.

Suspirando longamente, Êmina virou-se e logo retirou uma caixa numa estante de madeira, na qual constavam vários papéis, principalmente artigos jornalísticos.

Remexendo na papelada, ela pegara uma manchete em especial.

- E acabo de lembrar... - disse Rosie, parecendo aflita. - Alexia! Hector! Sabem o que aconteceu com eles?

- Sobre o Hector... - disse Lester. - ... nós, honestamente, não sabemos absolutamente nada do que houve com ele. Esperávamos que você fosse voltar com ele... mas pelo visto tomou chá de sumiço permanente.

- Sim, é verdade. - aquiesceu Adam, endurecendo o tom de voz. - O filho da mãe não escapou, pelo que parece.

Engolindo em seco, Rosie confirmara a si mesma ao sentir o rancor na face do corpulento caçador.

- Aqui. - disse Êmina, finalmente encontrando o que procurava na caixa. - Essa é de dois atrás, pouco antes dos veículos informativos fecharem as portas. - mostrara o artigo colocando-o sobre a mesa. - De cortar o coração, não? - perguntou ela, olhando para Rosie com certa tristeza nos olhos.

Rosie sentira ser pressionada por aquelas paredes daquele cômodo meio apertado ao ler o que estava escrito, ao mesmo tempo em que olhava para a impressionante imagem abaixo do título.

- "A Imperatriz da humanidade decaída retorna para espalhar mais terror.". - desceu os olhos para a foto mais abaixo, ficando boquiaberta. - Isso... não pode ser real. - afastou-se um pouco. - Mas como? Por que? - olhara para Adam e Lester, depois para Êmina com uma expressão desesperada.

A imagem exibia a profetisa de Abamanu, andando por uma rua, cercada de seres com formas humanas totalmente cobertos pela substância tóxica, e vestindo um traje - parecendo ser uma mortalha - da mesma cor de seus olhos: Preto.

Ainda abalada, Rosie tentou imaginar várias direções para que Alexia se tornasse um alvo tão fácil.

- Nós nem mesmo sabíamos que Alexia tinha sobrevivido depois que Abamanu retornou. - disse Êmina. - Boatos de caçadores sobreviventes contam que a capturaram e lhe submeteram a interrogatório por durante cinco horas, sem interrupções.

- Ela foi ameaçada de ser purificada caso não contasse a verdade. - disse Lester. - E funcionou. - disse ele, assentindo para si mesmo.

- A folha, Lester. - ordenou Adam, gesticulando com a cabeça para o companheiro retirasse um papel por baixo da planta.

Franzindo o cenho, Rosie inclinara-se levemente para estudar as transcrições na folha mostrada.

- O que significa tudo isso? Parece mais um tipo de fórmula matemática desconhecida.

- Muito mais do que números, elementos e incógnitas... - disse Êmina, o tom sério e firme ao olhar para Rosie. - É a única saída para livrarmos o mundo desse expurgo.

- O que quer dizer? - perguntou Rosie, pedindo por especificações.

- A cura. - disparou Lester.

- Graças ao Exército... de novo. - disse Adam, assentindo para si mesmo.

- E como conseguiram? - perguntou Rosie, ansiosa.

- O Dr. Lenox, como você deve saber, havia sido sequestrado pelos soldados de Abamanu para obriga-lo a formular a composição da substância. - ditou Adam, olhando para Rosie fixamente. - Foi então que, antes da invasão da última fábrica, ele, secretamente, gravou uma mensagem numa fita e a escondeu, com a certeza de que quem quer que fosse lhe resgatar faria uma varredura completa no laboratório e a acharia.

- Os caras do Exército confiscaram a fita depois do desmanche completo da fábrica. - informou Êmina. - Mas depois que o alerta de segurança foi soado e todos nós termos nos reunido outra vez, eles cederam à nossa vontade, queríamos aquela fita a todo custo.

- Alguém mais experiente que nós em química foi escolhido para ouvir a fita e transcrever a fórmula. - disse Lester, meio descontente com o fato de não ter sido selecionado. - Foi então que nós três decidimos tomar a frente maior, por sermos da Legião. Mesmo em desvantagem numérica.

- E onde está o Dr. Lenox? - perguntou Rosie, com ar de expectativa pulsando no olhar.

Um silêncio recaiu sobre o ambiente, denotando um sentimento de autêntico pesar demonstrado pelas faces desalentadas do trio que se entreolhava rápido.

- Ele está morto. - revelou Adam, o tom baixo.

Uma estranha sensação de impotência acometera Rosie de repente. Olhara para o nada, divagante sobre a causa da morte do genioso cientista. "Abamanu o forçou se auto-infectar com a própria invenção. É meu único palpite.".

- Como sabem disso?

- Ele simplesmente foi considerado. - respondeu Êmina, dando de ombros. - A causa mais aceitável é que ele tenha morrido na explosão.

- Mas... - insistira ela, ávida por respostas. - E a cura? Por favor, me digam que a possuem... que alguém especializado a produziu. - seus olhos percorreram cada um deles.

Lester caminhara em direção a uma caixa metálica de tamanho médio, seu formato semelhante a um cofre. Girara o círculo inserindo a combinação correta. Por fim, abrira-o e retirara seu conteúdo: Um cilindro de ferro, tendo nos dois lados duas tampas similares à porcas de parafusos. No interior do objeto encontrava-se a salvação para o futuro de toda a humanidade.

O caçador estrategista pousara o cilindro sobre a mesa, o mesmo fazendo um ínfimo baque seco.

- E eis a caixa de Pandora do bem. - disse ele, tentando soar descontraído.

- É dentro dessa coisa que está o antídoto? - perguntou Rosie, analisando-o.

- Sim. - respondeu Adam. Olhou para ela com um sorriso misterioso. - Deve estar bem curiosa para saber quem é o responsável por tê-la criado... não é?

- Não faz ideia do quanto. - disse Rosie, dando um fraco sorriso.

- Em verdade, eu diria que é uma granada explosiva avançada. - comentou Lester, olhando para o recipiente bem fechado.

- Nossa última missão, que ainda precisa ser autorizada, consiste em lança-la exatamente em um ponto de proximidade com a fortaleza ou mesmo dentro dela. A prioridade é matar o maior número de miméticos possível antes da detonação. O gás vai se expandir em um raio de 200 quilômetros, espalhando a cura por toda a extensão do país, quem sabe até mais além. - disse Êmina, parecendo esperançosa.

- Será que podem me mostrar onde ele está? - pediu Rosie, olhando ao seu redor. - Se é que existe algum lugar onde ele possa se esconder... - falou, com ar meio risonho.

- Venha comigo. - disse Adam, puxando a mão de Rosie levemente em direção a uma porta que a mesma não havia percebido. - Devo dizer que ela menciona você com certo ódio. - revelou ele, levantando uma sobrancelha.

Um arrepio repentino aliado àquela dica fizera Rosie não ter mais dúvidas sobre quem a Legião havia sequestrado para favorecer seus esforços quanto à cura. A porta, enfim, foi aberta.

                                                                                           ***

Os olhos azuis daquele ser amarrado na cadeira - bem no centro da escura sala - deram de encontro com os de Rosie. Um breve contato visual fez despertar duas reações diferentes. Em uma deu-se o renascer de uma fúria há muito abrandada. Já noutra fora a estupefação completa. A face atônita de Rosie permaneceu por vários segundos, a pessoa à frente fazendo-a estacar bem na soleira.

- Não tenha medo. - sussurrou Adam, bem no pé do ouvido da jovem. - A fera está desarmada e dócil. Pode entrar.

Convencida de que estava segura, a privilegiada de Yuga adentrara a passos lentos, encarando com extrema seriedade a mulher caucasiana de cabelos pretos bem alisados. Baixara o capuz por conta do ar meio abafado do aposento.

Adam as deixara a sós, permitindo a porta de ficar entreaberta.

Um som meio distante do toque de um telefone foi escutado, mas Rosie cravou sua atenção na subordinada dos amigos.

A jovem dera uma rápida risada, como se quisesse exibir deboche.

- O que aconteceu você? - olhou a rival dos pés à cabeça.

- Não se vanglorie apenas porque se vê de pé diante daquela que deveria ter lhe dado o destino certo. A morte certa! - bradou Sekhmet, forçando as amarras que apertavam seus braços atrás da cadeira. A deusa vestia uma blusa branca sem mangas e a calça de couro preto e os coturnos. - Rosie Campbell, você pagará caro por isso. Assim que eu recuperar o que me pertence, vou faze-la em pedaços!

- Ótimo. - disse Rosie, fria. - Então me diga o que eu fiz. Aliás, como você veio parar aqui?

- Aquele maldito... mensageiro. - disse a deusa, virando o rosto para não ter que olhar nos olhos de Rosie. - Por sua causa, o favoritismo de meu amado foi engrandecido. Tentei respaldar meus argumentos sobre minhas motivações, mas todo o meu esforço para salvar o império me foi retribuído, injustamente, com punição. Tiraram aquilo que me tornava mais forte. - voltou-se para Rosie, fuzilando-a com um olhar. - Agora estou destinada a passar toda a eternidade fixada a esta... casca nojenta. - afirmou, o tom de repúdio. - Tentando me adequar a uma vida medíocre como uma reles mortal em um mundo decadente.

- Que tal irmos direto ao ponto? - sugeriu Rosie, claramente impaciente, dando alguns passos adiante. - Se sequestraram você, então significa que meus amigos... - fez uma pausa, hesitante. - ... agiram por influência de Áker.

A deusa petrificara sua expressão descontente.

- Vamos logo, fale. - insistiu Rosie, aborrecendo-se.

- A trouxeram para me matar? - questionou Sekhmet, a fala rápida.

- Claro que não. Seria mais tempo desperdiçado. - disparara Rosie, sem medo.

- Então por qual razão? Por que está aqui? Por que está viva? À distância assisti á destruição da derradeira base de operações do inimigo, e pude confirmar sua morte.

- Não vou pedir que me forneça detalhes. - decidiu Rosie, andando para um lado, determinada. - Não estou nem um pouco disposta a ouvir más notícias sobre o passado.

- O passado? - indagou Sekhmet, fazendo cara de estranheza. Dera um sorriso sacana e cínico ao fitar sua inimiga. - Você... não é ela? É? Não, você é Rosie Campbell, mas percebe-se a impotência e o medo nos seus olhos. A mesma falta de aptidão para carregar o imenso poder que, desmerecidamente, lhe foi conferido. - fizera uma pausa, olhando-a com suspicácia, inclinando-se levemente. - O mensageiro trouxe a versão despreparada de sua protegida... para assistir o fim definitivo da prole de insetos.

- Isso não vem ao caso. - disse Rosie, categórica e firmemente. - Sobre a fórmula para se criar a cura...

- Ah... - grunhira em incômodo, revirando os olhos. - Nós, seres superiores, possuímos uma capacidade singular de assimilar o conhecimento dos mortais, assim que nos fixamos a receptáculos. Agora diga-me que seu ínfimo intelecto compreendeu, para que eu não tenha de explicar novamente.

- Não precisa. - respondeu Rosie, secamente. - Já é o bastante. - dera as costas, estando de saída.

- Sei para onde irá com eles. - afirmou Sekhmet, fazendo sua rival parar no caminho. - Sugiro que separe-se deles e pegue um atalho... para visitar seu túmulo. Encare os fatos, mortal: Nossos mundos estão condenados.

Rosie mantivera-se de costas e parada, fechando os olhos ao suportar a implicância sórdida da deusa.

A pesada porta fora aberta subitamente antes que a jovem fosse sair.

- Rosie, melhor se preparar. - disse Lester, chamando-a com um ar de urgência.

- E a missão?

- Fomos autorizados, finalmente. - confirmou o caçador, assentindo com veemência. - Temos boas e más notícias.

                                                                                         ***

Sobre a mesa estava um pesado arsenal de armas, no qual incluíam-se pistolas de alto calibre, rifles, fuzis, granadas e facas. Adam e Êmina aprontavam-se em uma corrida contra o relógio para rumar até o palácio governado por uma versão maléfica da outrora simpática vidente, cujo destino como profetisa - a julgar pela fotografia na manchete - não lhe parece mais causar nenhum temor.

"Se a contraparte malvada se encontrasse diretamente com a boa... certamente a Alexia que conhecemos ficaria horrorizada com o que se tornou.", pensou Adam, enquanto colocava seu colete de resistência física, embora seu corpo fizesse tal serviço com mais da metade da eficácia do objeto. "Mas aí vem a dúvida: Ela se sentiria desapontada consigo mesmo... ou realizada por ter se tornado mais forte, mesmo de forma sombria? E... agora que começo a perceber. Nunca a conhecemos mais a fundo, mal sabemos da sua história da vida, as dificuldades que teve. Bem, obviamente não vai ser hoje que teremos a chance.". Por fim, carregara seu rifle com cápsulas cilíndricas prateadas.

- Já está pronta? - perguntou Êmina para Rosie, aproximando-se.

- Ahn... - a jovem visualizava o arsenal, especialmente a munição diferenciada. - O que são...

- Cápsulas de nitrogênio líquido. - interrompeu a caçadora, a fala rápida. - Versão em tamanho mais prático da tecnologia financiada pelo Exército. - pegara uma delas na mesa e colocara-a na sua arma. - Funcional apenas em miméticos de estágio final. Ah! - andara para um lado, agachando-se diante de uma caixa de papelão para retirar algo. - Por falar nisso... Rosie, hora de você trocar o figurino. Olha, sem mentir, acho que todas as vezes em que vi você, sempre esteve com essa roupa, esse capuz com esse vermelho berrante... - dera um sorriso nervoso seguido de uma risadinha no mesmo tom. - Err... bem, os miméticos supremos se tornaram mais fortes nos últimos três anos, eles conseguem assumir os três estados físicos da matéria. - mostrara a roupa protetora. - Quando assumem a forma gasosa, eles infectam entrando na boca da vítima, mas também suspeitamos que também podem entrar pelos poros e, por via das dúvidas, usamos esse traje. - ofereceu-o à parceira.

Suspirando longa e pesadamente, Rosie olhara para a roupa com hesitação e um ar de recusa.

- Desculpe, não posso. - disse ela, sem rodeios, assentindo negativamente. Olhou de soslaio para Adam. - Acho que Adam deve explicar isso.

- Explicar o quê? - indagou o caçador, terminando de se preparar ao voltar-se para as duas.

- Está bem. - disse Rosie, sentindo-se rendida, revirando os olhos. Voltou-se para Êmina, a expressão firme. - Não preciso dessa roupa, sou totalmente imune à substância.

- Como é? - perguntou a alquimista, franzindo o cenho, curiosa a respeito.

- Vocês lembram, sei que devem lembrar... - disse Rosie aos três. - Naquela noite nas Ruínas Cinzas, Abamanu disse à mim sobre eu estar sendo alvo de Yuga, logo me dei conta de que estava dividida entre dois seres superpoderosos. Ele havia dito sobre uma energia ter sido depositada em mim por Yuga...

- Espera um minuto aí... - disse Lester, o colete ainda frouxo. - O que isso tem a ver com os miméticos, a substância e todo esse caos, afinal?

Rosie virara-se para o caçador.

- Acontece que muito provavelmente o sangue de Abamanu faz parte da composição. E esse poder oculto dentro de mim... - pôs a mão fechada no peito, desviando o olhar para o nada, reflexiva. - ... é o que me faz rejeitar a infecção. Na missão de resgate de Adam, eu comprovei. Não senti absolutamente nada diferente no meu organismo, eu estava perfeitamente saudável. O gás não me afetou.

Adam aproximara-se mais para dizer algo importante.

- Bem... sobre as coisas que não contei à vocês dois...

- Então sabia disso o tempo todo?! - questionou Êmina, parecendo zangada. - Por que não nos contou desde que voltamos a ativa como um grupo?

- Rosie estava desaparecida, então achei que não era importante falar sobre isso. Além do mais, precisávamos de foco, e isso só iria prejudicar nosso desempenho. - argumentou Adam, na intenção de convencer a parceira sobre as revelações omitidas necessariamente.

- Um voto a favor pela justificativa sincera. - disse Lester, erguendo levemente uma mão em apoio à explicação direta de Adam.

- Tudo bem... - disse ela, erguendo levemente as duas mãos. - Vou relevar. Afinal, pelo bem dos amigos, somos capazes de tudo.

"Até mesmo de guardar segredos com a desculpa de proteção.", pensou Rosie, divagando ao rememorar sua última e tensa discussão com Hector no casarão. "E pensar que quase o matei...".

Um estalo de dedos se fez diante do rosto da jovem. Era Êmina tentando um contato para chamar sua atenção.

- Rosie, acorda. - disse ela. - O que foi? De repente, ficou fora do ar. - deu um sorriso brincalhão.

- Ahn... Sim, melhor nós irmos. - disse Rosie, reorientando-se. - Vamos acabar com esse reinado de terror.

Um assovio rápido de Lester chamara as atenções dos outros três.

- Muito bem, pessoal. Hora da foto. - disse ele, preparando uma máquina fotográfica, que nada mais era do que uma caixa preta de caráter rudimentar, cuja lente era um pequeno círculo no meio. Pousara-a sobre a mesa apertando um botão.

- Ué, mas para quê isso? - perguntou Adam, desconcertado com a ideia.

- Desculpa se soar meio mórbido, mas é que... - hesitou em dizer, em uma pausa dramática. - ... alguém vai ter de guardar a lembrança de que fomos à luta com todas as forças.

- Quem, Lester? - perguntou Êmina, inquieta. - O que quer dizer?

- Um de nós provavelmente morrerá. - disse Adam, falando pelo companheiro ao compreender, sua expressão duramente séria. - Vamos lá, pode ser assim ou diferente. Mas... temos que lidar com essa possibilidade. Vamos em frente... sem medo do que vier. - falou, transparecendo intensa carga de auto-confiança, intencionando estimular os demais com tais palavras.

Rosie e Êmina produziram um entreolhar de aflição contida.

Adam prosseguira, colocando-se no meio das duas jovens a fim de posar para a foto.

- Nós matamos pessoas. Pessoas inocentes... corrompidas por um mal irreversível. - disse, olhando para Rosie e Êmina, em seguida para Lester. - Mas isso não muda quem somos. A Legião não está morta. Não enquanto defender o mundo que a permitiu viver.

Lester andara a passos lentos em direção ao trio, visivelmente comovido com as palavras do companheiro de caçada, aparentando reprimir lágrimas. Parara próximo à Rosie, olhando para a máquina ao respirar fundo e manter a cabeça erguida em sinal de perseverança.

- Quer saber? Dane-se se for ou não uma viagem só de ida. - disse ele, sem temor. - Vamos lutar pra valer, como sempre fizemos.

Após assentirem convencidos, os quatro olharam em simultâneo para a lente da máquina. Logo viera o ofuscante flash... marcando definitivamente aquele momento.


                                                                                          ***

Mesmo a terra estando com uma umidade variando entre moderada e considerável, felizmente foi possível cavar um buraco e esconder o cilindro metálico, cujo contador convencional estava em 30 minutos e 24 segundos, além de um minúsculo círculo vermelho que emitia uma luz levemente intermitente de mesma cor. Quando a "bomba" estivesse prestes a detonar, um som quase inaudível apitaria, acelerando a alternância da luz gradualmente até o momento principal.

Lester passara a pá de ferro na terra meio molhada a fim de não dar indícios de que fora cavada ali. Largara-a no chão, tornando a se juntar aos outros. A cura explodiria no tempo pré-definido a 8 quilômetros da fortaleza, em uma área cheia de muros, barricadas e cercas de arame farpado.

Atrás de Lester e Adam, Rosie caminhava ao lado de Êmina, embora sua andança estivesse vagarosa com seus passos nervosos. Olhou ao redor, ainda abismada com o cenário deplorável e deprimente.

- Sou só eu ou estou sentindo que armaram terreno para uma emboscada? - teorizou Rosie, desconfiada sobre o território onde estava pisando. O silêncio do local trazia tal sensação.

- A única certeza que temos agora - disse Êmina - é que a guarda dos miméticos supremos está suspensa. Por enquanto.

- Lembrete, pessoal. - anunciou Adam, segurando bem seu rifle. - Ponham os capacetes quando atravessarmos o terceiro muro. Alexia não vai nos reconhecer tão facilmente, então acredito que já é um bom início para invadirmos.

Êmina sentiu-se obrigada a discordar.

- Duvido muito que ela ache que estejamos mortos. Esqueceu? Ela pode ver o futuro, a contaminação não inibiu o dom dela. - disse a caçadora, direcionando seu olhar cético para o líder.

De repente, Rosie escutara um leve barulho de batidas abaixo do solo, o que fez desviar sua atenção da conversa entre os amigos. Seguindo a direção do ruído, ela olhara para o chão, precisamente à uma tampa retangular de um esgoto com pequenas aberturas estreitas. Passara direto e não notara, a princípio, de algo que estivesse tentando chamar sua atenção, de modo perceptivelmente urgente.

Andando até a tampa, Rosie logo agachara-se e entreviu uma face humana meio escura. A mulher estendera sua mão de pele levemente morena para a jovem.

- Por favor... qualquer coisa, eu agradeço de coração se me oferecer uma ajuda. - pediu ela, a carência gritando em seus olhos verdes.

Sensibilizada, Rosie transmitiu uma expressão tristonha em seu olhar. "Infelizmente, não tenho como.".

- Me... me desculpe, senhora. - disse ela, comovida, balançando levemente a cabeça. - Não sei como ajuda-la, muito menos lhe dar algo. - levantara-se devagar, sem tirar os olhos daquela mão ainda estendida. - Eu sinto muito. - finalizou, voltando a seguir em frente.

"Muito bem, Rosie, que bela demonstração de frieza.", pensou ela, culpando-se. "Não basta ter que suportar as dúvidas sobre a sobrevivência dos meus amigos, agora terei de encarar meu lado insensível. Nunca sou boa o bastante para passar sensibilidade à alguém.".

Sentindo-se decidida a fazer aquilo, Rosie apressou o passo para alcançar Êmina.

- Ahn... Êmina. - chamou, falando depressa e em tom baixo.

A caçadora virou-se para ela, gesticulando com a cabeça ao querer saber do que se tratava.

- O que foi?

- Será que posso ter uma breve conversa em particular com você? - perguntou Rosie, apreensiva.

Êmina voltara-se para os dois rapazes que já ganhavam certa distância.

- Alcanço vocês depois! O.K? - falou a alquimista.

- Pode deixar! - concordou Adam, olhando por cima do ombro.

Curiosa, a jovem sobrevivente virara-se rapidamente para Rosie, mal contendo-se.

- Me diga que é importante. - salientou o requisito da mensagem.

Rosie suspirara dramaticamente, ao fechar os olhos. Quando abrira-os, já respirava fundo e preparada para revelar-se.

- Não sou quem você pensa. - disse Rosie, em um vão esforço para ser lacônica. - Quero dizer... - balançou rápido a cabeça, negando, baixando o tom. - Eu fui enviada para cá de surpresa. Rosie Campbell não existe mais nesta época, eu estou morta aqui, portanto você está diante daquilo que você pode chamar de versão do passado...

- Espera, espera, espera Rosie. Pisa no freio. - interrompeu Êmina, empalidecendo de vez. - Primeiro: pelo jeito como você falou, eu não tenho nenhum motivo real para não acreditar. Segundo: quem diabos mandou você até aqui e porque?

- O mensageiro de Yuga, Áker. - dissera Rosie, apressada. - Sei que vocês tiveram um contato com ele, Sekhmet deixou bem claro, vocês a prenderam com a ajuda dele. Eu não sei como ele fez isso, mas estou... pasma até agora. A primeira coisa que pensei foi que nada disso aqui é real.

- Tudo bem, tudo bem. - amenizou Êmina, tocando-a no ombro. - Você é a Rosie do passado, você está morta aqui...- ela pensara consigo mesma por alguns segundos. - Espera, isso não faz nenhum sentido. - voltara-se para a amiga. - Mas não importa. Seu segredo está seguro comigo. Há como voltar, certo? Você tem que voltar.

- E vou. - disse ela, assentindo com veemência. - Mas quero continuar seguindo mesmo assim. Não vou abandona-los.

- Está bem... - aquiesceu Êmina, olhando-a incerta. - Eu ia tentar convence-la a ir embora e se salvar, mas conhecendo bem você... - dera um sorriso simpático. - É inútil, certo?

- Nem pense nisso. - disse Rosie, voltando a andar, dando um leve sorriso.

- Mas... me diz uma coisa: Por que me escolheu como sua confidente? - perguntou a caçadora, olhando-a com curiosidade.

- Por que... - Rosie não sabia muito bem como afirmar. - ... você me parece mais compreensiva. - deu de ombros, olhando para ela.

- É uma resposta bem vaga. - disparou Êmina, levantando uma sobrancelha com um sorriso misterioso. Voltara seus olhos para a frente, suavizando a expressão. - Mas... de alguma forma, me fez sentir especial. - olhara para Rosie. - Obrigada. Pela segunda vez.

                                                                                     ***

As correntes com trancas tombaram ao chão ao serem rompidas. O metálico portão duplo da terceira e última muralha fora aberto com um forte chute de Adam.

- Isso foi meio desnecessário. - opinou Êmina, colocando-se lado à lado com Adam, ambos entrando apressados. - Um tiro para o alto seria mais discreto.

- Essa reclamação não tem fundamento nenhum. O palácio é enorme, ondas sonoras soam bem abafadas quando ultrapassam as paredes  - falou Lester, ao lado de Rosie, a arma sendo preparada. - Qualquer coisa do tipo seria chamariz fácil, ser sorrateiro em um lugar desses é praticamente impossível. Só o que basta é mostrar nossas armas, depois todo mundo vem correndo para o abraço.

- Lester cala a boca. - ditou Adam, o tom equilibrado, erguendo a mão direita. O caçador estava em pleno estado de alerta máximo.

- O que foi? - indagou ele, franzindo o cenho.

- Acho que seu falatório foi o chamariz perfeito. - disse Êmina, estacando, mantendo a arma apontada para uma direção.

- Shhh! - chiou Adam, o olhar estático como uma rocha, pedindo silêncio. - Não estão ouvindo?

As audições elevaram-se em um instante após o pedido do caçador. De fato, ouvia-se um som distante, mas claramente gradativo, aumentando de maneira aterradora. Um leve tremor fizera as poças d'água ondularem. O silêncio quase absoluto naquele cenário cinzento e nebuloso parecia prenunciar um ataque inesperado a qualquer momento. A percepção aguda de Adam salvara-os de uma guarda baixa durante um bem articulado golpe-surpresa.

Rosie virara o rosto para o horizonte, deixando descorar-se enquanto arregalara os belos olhos.

- Mas que merda... - disse, baixinho. - Pessoal! - berrou, preparando-se para correr.

Os três seguiram o olhar da jovem e vislumbraram com terror nas faces.

- Essa não! Vamos! - disse Adam, correndo na frente em disparada.

- Por que logo agora os guardas precisam vir? - resmungou Lester, correndo, agarrando a arma fortemente.

Os miméticos de estágio final voltavam para seus postos na forma de nuvens negras voadoras super-densas e tenebrosas, feito mísseis militares disparados em alta velocidade.

- Os capacetes! - lembrara-se Adam, escorregando e se escondendo rapidamente em uma parede ao rolar no chão. Pegara o objeto e colocara na cabeça, afivelando o prendedor na parte do queixo, logo em seguida pegando de volta seu rifle e torando a correr. Não tardou para ver um dos inimigos adentrarem com estardalhaço violento em uma das janelas da fortaleza de concreto. Olhara para os outros enquanto corria. Felizmente já haviam feito o ordenado.

Rosie mirara sua atenção em uma porta dos fundos, correndo a toda rapidez. Sentiu Adam tentar alcança-la, ao mesmo tempo em que Lester e Êmina corriam na direção da entrada principal. Mais miméticos tornaram a ziguezaguear em suas formas gasosas pelas salas do local através das janelas, entrando e saindo em uma aterrorizante apresentação do tamanho poder que obtiveram.

Adam vira uma luminosidade conhecida em um dos compartimentos, em simultâneo ao escutar tiros de metralhadora.

- Estão aqui! - gritou ele para Êmina.

- Pois é! - respondeu ela, atônita, continuando a correr. - Acho que nós somos os reforços!

Lester arrombara a porta principal com seu ombro esquerdo, praticamente jogando-se para dentro. Um mimético pousara no chão, rapidamente adquirindo sua forma sólida e humanoide. O mesmo andara em direção à Lester ameaçadoramente, entrando no primeiro corredor.

- É impressão minha ou vocês deram uma encorpada? - perguntou Lester, deitado no chão, arqueando as sobrancelhas ao visualizar o inimigo aproximando-se para ataca-lo.

O ser completamente coberto de preto soava como uma sombra trevosa de caráter letal. Apressara o passo, movendo seus dedos em uma espécie de aquecimento.

- Desculpe, mas não vou deixar nenhum de vocês me apalparem. - disse o caçador, apontando o rifle carregado com uma cápsula de nitrogênio líquido, logo disparando contra o mimético.

O tiro atingira certeiramente no peito da criatura, congelando-a completamente antes que começasse a correr para executar seu ataque.

Êmina viera logo em seguida, passando pelo mimético congelando e seguindo adiante no corredor.

- Anda logo! Vem! - disse ela para Lester. - Só temos dezoito minutos!

                                                                                        ***

Ao tentar abrir uma porta de metal repleto de lodo seco, Lester avistara de relance, através da fina brecha formada, um grupo de quatro miméticos supremos correndo na sua direção. "Estas coisas parecem fantasmas de ectoplasma preto.", pensou o caçador, sacando uma granada carregada com um cápsula congelante.

Forçou mais um pouco para abrir a porta e conseguira jogar o objeto após retirar a tampa. Fechara-a com rapidez, produzindo uma batida seca.

O explosivo rolou pelo chão, dirigindo-se aos seus alvos.

Por fim, explodira, instantaneamente congelando os miméticos de uma só vez.

                                                                                         ***

Êmina dobrara por um corredor, mantendo os sentidos alertas e a arma em riste. Deparou-se com um mimético supremo em forma líquida, deslizando feito água para uma brecha abaixo de uma porta.

Infelizmente, fora uma deixa perdida.

- Droga! - disse ela, frustrada, continuando a andar pelo corredor.

                                                                                         ***

Adam e Rosie enfrentavam trancos e barrancos para alcançarem a tal porta dos fundos. Ambos corriam velozmente, mas sempre um mimético barrava a passagem ao passar de forma avassaladora, quase encostando nos heróis.

- Desse jeito nunca vamos conseguir! - disse Rosie, desesperada. Tudo soava como estar no meio de uma festa onde seres das trevas voavam e festejavam sua vitória. A jovem olhara para Adam, aflita. - Pode ir. Não se preocupe comigo, deixe Alexia por minha conta!

- De jeito nenhum, Rosie! - disse Adam, logo abaixando-se ao desviar de outro mimético. - Lester e Êmina vão se unir aos outros caçadores, eu vou estar ao seu lado, assegurando de que ficará protegida!

- Agora está agindo como ele. - disse Rosie, tornando a correr, referenciando Hector.

- Ei, espere! - disse Adam, tentando acompanha-la ao se levantar rápido.

Dois miméticos chegaram próximo de atingi-la e derruba-la, fazendo-a escapar por um triz.

Dois caçadores foram jogados das janelas quebradas, ambos os corpos pairando no ar por segundos para depois espatifarem-se no chão com intenso impacto. Das janelas saíram dois miméticos, tendo um deles alvejando Rosie e voando em sua direção.

Estando a poucos quilômetros da porta, Rosie sentiu-se em perigo extremo, logo tropeçando em uma pedra e caindo para frente.

- Rosie! - berrava Adam, tentando alcança-la enquanto vários miméticos o cercavam a todo momento, sem parar de voarem de um lado para o outro. Sua voz soou abafada por conta do visor de vidro reforçado do capacete que compreendia toda a face do usuário.

Após levantar-se, Rosie virara-se para ver o que vinha por trás, sentindo seu sangue gelar em questão de milésimos.

- Rosie, cuidado! - gritou Adam, desesperado.

A jovem fora atingida pelo mimético que a tornara seu alvo, o choque fazendo-a ser lançada diretamente contra a porta dupla dos fundos.

Rosie, durante a queda, sentira uma súbita dor nas costas e coluna, deslizando no chão por alguns segundos. Esboçou um semblante de dor ao sentir a pancada mais profundamente. "Adam...", pensou ela, preocupada com o caçador, que no momento lutava para se desvencilhar das investidas cruéis dos miméticos. Levantou-se gemendo, a dor ainda presente em suas costas.

Antes que voltasse para tentar salvar Adam, um braço agarrara seu torso repentinamente, puxando-a para trás. Sentira um busto, o que, obviamente, significava uma mulher... esta sendo Alexia.

- Aonde pensa que está indo? - perguntou a vidente, ao pé do ouvido de Rosie.

A jovem de capuz, em uma rápida ação, tirara o braço da profetisa, virando-se para ela ao sacar uma adaga e apontar a lâmina para seu pescoço.

Alexia vestia uma túnica preta com um capuz. Para impedir que Rosie desferisse um golpe, agarrara o braço direito da jovem para fazê-la ceder.

- Olá Rosie. Há quanto tempo. - disse Alexia, dando um sorriso cínico. Com um único piscar, a mesma exibira seus olhos completamente negros.

Tirara a adaga das mãos de Rosie, o tilintar da lâmina caindo no chão soando aos ouvidos das duas. Logo, a vidente, com certa brutalidade, a pegara pelos ombros utilizando-se de uma força descomunal para depois coloca-la contra a parede. A segurou com sua mão direita agarrando o pescoço da jovem e subindo-a levemente, fazendo a capa vermelha manchar-se com o sujo concreto.

Rosie logo percebeu o ar querendo escapar totalmente, mas pensou resistir o tempo que suportasse.

- Alexia... Está não é você. - disse Rosie, olhando-a com súplica. - Você tem que resistir. Se esforce ao máximo.

- Me esforçar? - indagou a vidente, mantendo os olhos negros e o sorriso maligno. - Já possuo absolutamente tudo de que preciso. Vê-los caírem será um deleite para meus olhos.

- Isso não vai acontecer. - afirmou Rosie, a voz enfraquecendo-se ao sentir seu pescoço sendo apertado com mais força.

- Já está definido. Sempre esteve, aliás. - disse ela, externado ódio. - É nisto que sempre quis me transformar, Rosie. Eu escolhi. Prefere que eu regrida e volte a ser aquela garota insegura, fraca e inútil? - canalizara mais força à mão que apertava o pescoço de Rosie. - Hein? Me responda! - vociferou, o tom rude.

- Está... está errada. Completamente errada. - disse Rosie, sem achar uma maneira melhor de sair daquela situação. - Nós jamais menosprezamos você...

- Ora, cale-se. - interrompeu Alexia, impaciente. - Seu falso sentimentalismo me dá nojo. Eu apaguei qualquer vestígio de simpatia que eu tinha por você, Rosie. Acha que estou doente? - ela rira com deboche. - Nunca estive melhor.

- Sim. - respondeu Rosie, fuzilando-a com os olhos. - Você está. - escondera sua mão direita discretamente. - E agora está na hora do remédio. - sacara, para a surpresa de Alexia, uma seringa contendo um líquido branco. Rapidamente enfiara a agulha no pescoço da profetisa corrompida, injetando a cura teorizada pelo Dr. Lenox e desenvolvida por Sekhmet.

Alexia soltara gemidos entrecortados, mostrando uma face temerosa, ao passo em que seus olhos abandonavam o negrejante, deixando à mostra o belo azul das suas íris.

No entanto, ela resistira ao agarrar o braço de Rosie, numa tentativa desesperada de se livrar da torturante agulha. Rosie demonstrara pavor e desilusão em sua face ao dar-se conta do erro.

A seringa fora largada do chão, vazia.

O olhar de Alexia mal se alterara, tornando a ser sombrio, como se não houvesse surtido efeito. Uma realidade inexorável parecia descortinar-se naquele instante.

- Não adianta, Rosie. Para sua tristeza, eu também previ isso. - disse Alexia. - Sei qual é o plano. E acreditaram cegamente que conseguiriam definhar meu governo por definitivo.

- O que quer dizer? - perguntou Rosie, não aguentando mais ser apertada.

- O que acabou de ver não lhe foi óbvio suficiente? A versão beta da substância corre em minhas veias, mas se trata de uma dose extra, criada especificamente para mim. Por isso não explodi em mil pedaços, nem me tornei igual aos meus súditos. Você sabe de meu sequestro, certo? Pois é. - assentiu ela, rangendo os dentes. - Eu tive que barganhar com aqueles malditos caçadores, oferecendo todo o dinheiro que resolvi roubar em vários dos saques que comandei nos últimos dois anos. E eles, naturalmente, aceitaram a oferta, como já era de se esperar de seres humanos gananciosos. Com a quantia ofertada, eles nos venderam equipamentos que teriam como base o plano que definiria este mundo como sendo habitável somente para mim e meus filhos.

- Que tipo de plano? - perguntou Rosie, a tensão em seu corpo fazendo-a ter arrepios.

- Um canhão disparador, infalível e sofisticado. Alteramos os projetos iniciais do Dr. Lenox e criamos a versão suprema. A bomba Ômega será disparada para os céus daqui a quinze minutos, cujo potencial de disseminação é capaz de se estender até uma parte do círculo ártico. Lenox formulou a cura em seu molde primordial voltada para a versão alfa, por isso seu estado atual é falho. E vocês, inocentemente, pensaram ter ganho a guerra antes de irem para o campo de batalha. Seus amigos foram traídos e enganados e morrerão sem saber.

- Não pode ser... - disse Rosie, lamentando-se por seus amigos ainda estarem crentes na vitória.

- Não vou permitir que se junte à eles para anunciar a tragédia. - disse Alexia, largando-a no chão violentamente. - Ainda assim... De que valeria? Não resta mais tempo à nenhum de vocês. - dera uma risadinha zombeteira.

Rosie caíra quase que sem forças, usando o tempo a seu favor para recuperar o fôlego.

Alexia aproximara-se, apanhando a adaga e realizando cortes nas palmas das mãos em seguida.

- Muito bem, está na hora de você voltar. - disse a vidente, jogando a lâmina. - Uma pena que não tenhamos matado a saudade como deveríamos. - ironizou.

Mantendo-se deitada, Rosie ofegava, fitando Alexia com um misto de decepção e raiva no olhar.

- O que você fez? - perguntou a jovem, direcionando sua atenção nos pingos de sangue que escorriam das mãos da vidente.

- Exatamente como vi. No ponto central. - disse Alexia, sorrindo sacanamente. Esticara os braços e mãos, deixando as palmas ficarem uma diante da outra. - Adeus, Rosie. - batera-as, irradiando uma luz branca e refulgente.

Rosie sentira o espaço ao seu redor distorcer-se em velocidade impensável. Uma espécie de singularidade formara-se sobre o símbolo no qual estava em cima, como uma bolha de plástico aquoso envolvendo sua vítima. Alexia, previamente, desenhara um sigilo que só poderia ser visível apenas quando fosse conjurado através da colisão entre dois símbolos iguais marcados na palma da mão com sangue. Uma artimanha privilegiada na bruxaria moderna, manipulada por aqueles que desejavam afastar seus oponentes, mandando-os para um local imaginado pelo usuário do feitiço. Assim era conhecida a magia para teleporte alheio.

O corpo de Rosie fora rápida e literalmente sugado por um portal dimensional, sem nem mesmo ter dado-a a chance de gritar por socorro.

                                                                                          ***

Abrindo os olhos de súbito, Rosie tivera o rápido lampejo de querer ter acordado de um pesadelo, desejando intensamente que nada do que vivenciara horas atrás fosse real. Ao se levantar, veio a decepção causando-lhe um desalento pesante.

A sensação do déja vú perpassou-lhe a mente ao correr os olhos ao cenário em sua volta. "Espera aí... Alexia com certeza previu que eu invadiria a fortaleza com os outros... Então ela já sabia. Sabia que estou morta nesta época e que vim do passado. Agora sei... O ponto de partida pode estar bem perto.", pensou ela, olhando ao redor, desolada. A jovem encontrava-se no meio da rua onde havia os vários bares e restaurantes que vira após sair do local onde iniciou sua jornada. Diferentemente de horas atrás, a deserta e silenciosa rua estava imersa em uma névoa meio cinzenta, proporcionando um aspecto tenebrosamente frio. Além disto, o céu exibia nuvens carregadas e meio escuras, deixando à vista no horizonte um céu limpo mas pálido e desanimador.

Toda aquela atmosfera meio "azulada" causava desconforto absoluto em Rosie, que se limitou a estreitar os olhos em um esforço apressado para encontrar o bar de onde entrara naquele mundo caótico.

- Mas que... Mas que droga! - praguejou em voz alta, a face em cólera. A névoa dificultara sua visão.

Um lufada suave de ar frio fizera expirar um sopro gélido, sentindo o clima diminuir sua temperatura drasticamente. Rosie afagara os braços e esfregara as mãos. "Sinto que vou congelar...".

Uma presença abrupta fora sentida por trás, revelando-se através de uma conhecida voz séria.

- Tentaram obstruir o reinado com este... pedaço de lixo? - questionou Hector, jogando o cilindro metálico no qual continha a cura ineficaz. O objeto estava feito aço retorcido, largado no chão.

Rosie virara-se rápido, deixando-se ficar surpresa com a figura ali diante.

- Hector? - balbuciou ela, a fala mansa, quase sem acreditar.

O caçador estava vestido com um traje de cor preta, semelhante à uma túnica ou mortalha. A jovem notara na parte central da vestimenta uma curioso detalhe: Uma espécie de broche na forma de uma lua minguante prateada. O rapaz dera um sorriso de canto de boca.

- Olhe mais de perto. - pediu ele, misterioso, tentando esclarecer através do olhar.

Ligando o teor da frase dita pelo caçador ao broche no manto negro, as dúvidas dissiparam-se na rapidez de uma forte corrente de vento. Primeiro viera o choque. Depois a tentativa de aceitação.

- Não pode ser verdade... - disse ela, balançando a cabeça em negação. Deu uma olhadela no broche. - Você... - rangera os dentes, enfurecendo-se. - Por que? - perguntou, elevando o tom.

- A razão é extremamente simples. - disse ele, aproximando-se com as mãos para trás a passos lentos. - Ele pediu por isso, embora achasse que era menos relevante do que você. Muito pelo contrário... Ambos são meus maiores tesouros.

- Fica longe de mim. - avisou Rosie, fulminando-o com o olhar. - Não vou ser seu instrumento de luxo, muito menos um degrau na sua escada banhada por sangue.

- Uma hora irá. Sei que vai. - disse ele, continuando a andar devagar em direção à jovem. - Veja só. Veja aonde nós estamos. - dera uma risada rápida. - O lugar onde tudo termina... para sua espécie.

- Para nós dois. - rebateu Rosie, recuando alguns passos.

- Engana-se. - disse Abamanu, logo utilizando-se de uma supervelocidade além dos limites, ficando bastante próximo à Rosie em milésimos. A pegara pelos ombros, fixando sua expressão e olhar cheios de expectativa à ela. - Olhe bem no fundo dos meus olhos. O que consegue ver?

Sabendo que não haveria nada que pudesse fazer para se ver livre das garras do deus, Rosie cedera ao desejo profundo, cravando uma visão minuciosa do que estava vendo nas pupilas de Hector. "Não, aquilo de novo não. O sonho... Eu sinto como se estivesse acontecendo outra vez!", pensou ela, inquietando-se internamente ao deparar-se com algo que lhe fazia rememorar o pesadelo que tivera antes de despertar do coma. Nas pupilas daqueles olhos sérios a jovem contemplava dois sois negros.

- Diga-me. - ordenou Abamanu, severizando o tom.

- Um eclipse solar. - disse Rosie, apressadamente. - É o que quer me mostrar, não é? Eu já vi isso antes...

- Ótimo. - disse ele, recuando alguns passos. - Foi esta a sensação que quis lhe transmitir. - a olhou com certa condescendência. - Não faz ideia do quanto eu a admiro.

- Você tem um jeito bem estranho de demonstrar amor. - retrucou Rosie, sentindo ojeriza.

- E você tem um modo fascinante de expressar seu ódio por mim. - redarguiu o deus, levantando uma sobrancelha. - Deveria entender melhor do que ninguém o porque de eu ter feito isto com sua morada. Humanos com suas naturezas nefastas não devem sair impunes. Havia desabafado sobre isso com meu escriba. - fez uma pausa, olhando para o nada. - Eles devem ser postos em seus devidos lugares. E... olhe ao seu redor. Deseja uma prova mais concreta do que esta? Diga-me, Rosie. - fingira um olhar encarecido. - Vou torna-lo melhor. Tudo que mais quero é experimentar tempos mais prósperos e positivos. Quero restabelecer o contato com meus irmãos e manter a sobrevivência de meu exército. É pedir demais que um imperador parcialmente falido sonhe com dias melhores?

A pergunta fizera com que Rosie rejeitasse qualquer tipo de reflexão, temendo dar uma brecha para ser manipulada e, consequentemente, raptada dali tendo em vista a suposta imprevisibilidade do deus. Qualquer movimento em falso acarretaria em sérios danos.

- Quer saber de uma coisa? Você não me engana com essa conversa fiada. - atacou Rosie, olhando-o com desprezo máximo. - Eu sei o que você quer voltar a experimentar. Joias e tesouros para ostentar, sangue de inocentes na sua boca... Isso só mostra o quanto você é incapaz de admitir que não consegue viver sem sentir inveja da importância que os seres humanos tem para com o universo. Algo que talvez você jamais vai alcançar. Não sei o que pode ser, mas continuando assim você... - deu de ombros, olhando-o de cima à baixo. - Sem sua arrogância desmedida, sem seu império, sem seus subordinados... você não passa de um monstro. Nada mais e nada menos.

Alguns segundos de silêncio pareceram perdurarem por bastante tempo. Abamanu sorrira levemente para Rosie, logo fechando os olhos. Dera as costas, denotando estar de saída.

- Eu estava certo o tempo todo. - afirmou ele, andando e reabrindo os olhos. - Yuga, sem sombra de dúvidas, fez uma excelente escolha. Pena meu escriba não ter me fornecido detalhes prévios de seus movimentos, assim eu abraçaria a oportunidade singular em impedir que este veneno fosse depositado em sua cadeia orgânica.

Dominada pela impaciência, Rosie sacara duas adagas, cada uma com três pontas, sendo duas menores entre a do meio - a maior.

- Vamos acabar logo com isso. - determinou Rosie, disposta a enfrenta-lo. - Nós dois. Sem trapaças. Até o fim.

O Cavaleiro da Noite Eterna, emanando um ar puramente soberbo, voltara-se para sua privilegiada, olhando suas armas com desdém.

- Agora estou desapontado por proferir tamanha tolice. - disse ele, olhando-a com o cenho franzindo. - A energia residual se encontra em estado intermediário, o que a torna insuficiente para um conflito comigo. Um conflito desnecessário.

- Estou ficando mais forte a cada dia, sei disso. - argumentou Rosie - É sua única chance. Não vou pedir novamente.

- E não deve. - ditou o deus, autoritário. - Sua ânsia por luta não torna uma vitória sua garantida. Mas creio que se lembre do aviso. Yuga a fará pagar um preço mais caro. A menos que mantenha sua decisão. - fez uma pausa, sorrindo levemente. - Adeus, Rosie. - virara-se em despedida.

- Isso não vai acabar assim! - vociferou a jovem, permitindo lágrimas escorrerem de seu branco rosto.

Olhando-a por cima do ombro, Abamanu intencionava um ultimato.

- Se sua escolha permanecer irrevogável, sim. Irá. Terá uma chance de reviver este momento, por isso deve voltar. - garantiu ele. - Mesmo que junte todas as suas forças e recursos para impedir, mesmo que tente mudar o curso de qualquer evento... É exatamente aqui onde tudo irá terminar. Sem reduzir, nem adicionar. - fez uma pausa antes de finalizar, suavizando o tom de voz. - Nós veremos daqui a três anos.

Rosie o fitara com lágrimas caindo, o semblante entristecido ao visualizar, mentalmente, a perda trágica de seus amigos mediante à desilusão por parte da deslealdade de aliados obcecados por bens materiais esgotáveis e da rejeição à sobrevivência.

O deus lunar sumira em um piscar de olhos, desaparecendo dali de imediato, deixando Rosie sozinha em meio à névoa.

Um estrondo abafado e distante despertara o instinto de alerta de Rosie. Sobressaltada, a jovem virou-se na direção do som, a face congelada de apreensão. No horizonte pálido um ponto negro alçava voo verticalmente, aliado à uma fumaça que expelia-se através dele como sua "cauda".

"Chegou a hora".

Sem esperar um segundo a mais, Rosie dera início à uma corrida em direção ao local específico, irrompendo na névoa densa, o coração à mil.

O tremor retornara, desta vez mais vibrante. Parte do chão de algumas ruas rachara-se, permitindo postes de iluminação caírem e carros serem virados. Ao dobrar para uma esquina, Rosie escapara por pouco de não ser atingida por um poste em plena queda, o mesmo lançando inúmeras faíscas ao tombar no chão.

A bomba Ômega alcançara sua altitude pré-determinada para detonar, - armazenada em um objeto esférico e metálico - explodindo á exatos 120 metros de altura. A detonação tivera um intenso impacto no ar, liberando uma poeira cinzenta que se alastrava a uma velocidade impressionante pelos quarteirões, adquirindo volume à medida que seu alcance engrandecia a um nível aterrorizante.

A destrutiva poeira parecia bloquear a pouca luminosidade do céu - já inteiramente tomado pelas trevas. Prédios, casas, carros, bancos de praça e monumentos históricos foram cobertos por uma grossa couraça negra provinda dos efeitos da bomba. No distrito de Westminster, a Torre do Relógio - vulgo Big Ben -, tal como o palácio, foram inteiramente destruídos, tendo a torre, em especial, partindo-se pela metade e caindo com um tremendo baque no chão, causando severo estrago.

O centro de Londres, em poucos minutos, tornaria-se uma terra infectada até a raiz.

Adentrando, finalmente, na rua repleta de bares e estabelecimentos comerciais, Rosie atingira limites absurdos em sua corrida para salvar sua pele de não ser preenchida por uma espécie de "cristal negro e tóxico". "Vamos lá, falta pouco!", pensou ela, não tardando a avistar o bar. Graças ao tremor e a forte ventania provocada pela liberação da poeira, a névoa dissipara-se por completo, facilitando a visibilidade.

Hesitando em olhar para trás e temer se deparar com uma espessa e colossal nuvem de poeira, a jovem obrigara a si mesma a permanecer focada no caminho adiante. Ziguezagueara pelos carros capotados e destruídos, em seguida dando pulos sobre pedaços de lixo espalhados pelos cantos.

Enfim, pudera alcançar a maçaneta da porta do bar. Entrara com uma pressa que poderia provocar sustos apavorantes em qualquer um que estivesse sentando no balcão calmamente se deliciando com alguma bebida. A jovem correra em direção à porta, ignorando o som estridente da poeira se aproximando - tal qual uma tsunami imparável.

Batera sua mão direita no símbolo gravado na porta, logo em seguida a luz alaranjada ofuscando todo o espaço e cegando os olhos de Rosie por alguns segundos.

A sensação de atravessar uma parede invisível voltara à tona. Tão rápido, retornara para seu quarto, a luz desaparecendo ao redor. Rosie visualizara o cômodo, ainda mantendo-se atônita, piscando várias vezes para esclarecer sua visão completamente.

Sem demora, notara a presença de Áker, bem próximo à porta. A postura reta e a face séria e solene do arauto transpareciam uma tranquilidade que fazia despertar a raiva que Rosie sentira ao se ver diante de seu inimigo.

O mensageiro andara a passos calmos em direção à Rosie, fitando-a analiticamente. Tocara o rosto da jovem, usando os dedos para abrir melhor seus olhos, chegando a mover a cabeça da mesma de um lado para o outro como parte de uma estranha examinação.

- Funções cerebrais intactas. Nenhum sinal de trauma. Condicionamentos físico e mental em perfeito estado. - disse ele, afastando-se um pouco.

Rosie suspirara, olhando-o com estranheza.

- O que foi isso? - perguntou ela, soando ríspida.

- Uma tentativa de diagnóstico para algum efeito colateral que a viagem tenha trazido à você - respondera o arauto, a fala mansa.

- Não é disso que falo. - retrucou Rosie. Sua expressão era de claro aborrecimento. - Eu quero saber... quero entender como fez aquilo tudo!

- Está achando que os eventos que passaram diante dos seus olhos... - encarara-a com incisão. - ... estavam sob meu controle?

- Acertou na mosca. - disse Rosie, ainda mantendo o tom. - Olha, eu não sei quantas habilidades impressionantes você tem, tenho que reconhecer que você me deixou muito alarmada e tenho certo medo do que mais você é capaz de fazer, mas... - fez uma pausa, apontando o dedo indicador para o arauto. - ... não vou cair nesse truque.

- Me perdoe se lhe passei uma impressão errônea... - disse Áker, baixando um pouco a cabeça. Erguera-a novamente, olhando-a com seriedade. - Mas o que lhe mostrei não é nada além da verdade. O futuro de seus irmãos de espécie está em suas mãos, Rosie.

- E quanto à Charlie? - questionou Rosie, lembrando-se do mago do tempo. - Eu esperava que fossem me informar alguma coisa em relação à ele, ou que talvez já o tivessem resgatado... Mas acho que...

- Você o encontrou... não foi? - indagou Áker, curioso.

- De quem está falando?

- Abamanu. - aproximou-se de Rosie. - O que ele fez? A ameaçou? Ou... se manteve disposto a persuadi-la?

- Basicamente. - disse Rosie, assentindo. - Mas não... Não me conformo. - andara para um lado, cobrindo a boca com a mão.

- O que viu? - perguntou Áker.

- Achei que já soubesse. - retrucou ela, ainda de costas.

- Eu tive rápidos flashes. A enviei para que completasse minha visão acerca disso.

Em silêncio, Rosie virara-se para o arauto, o semblante desalentado mais gritante do que nunca.

- Hector. - disse ela, a voz embargada de comoção.

- O que tem ele?

- Ele... - hesitou por alguns segundos. - Ele, na verdade, é o verdadeiro receptáculo de Abamanu. O definitivo. Mollock, talvez, não passava de uma casca temporária, e muito provavelmente foi destruído... ele não me disse o que realmente aconteceu, também não me senti obrigada a perguntar, eu estava... muito atordoada. Ainda estou, aliás. Se quis que eu sentisse um desespero que me corroesse até a alma... parabéns, você conseguiu. - enxugara uma lágrima.

O arauto permanecera a fita-la, respirando com calma. "Obviamente não se decidiu ainda. Preciso atribuir mais tempo à ela. Talvez seja hora de correr para evitar que o estrago se realize.".

- Presumo que já saiba o que fazer. E como fazer. - disse Áker, firme. - Novamente... - retirara o emblema de Yuga e o jogara para Rosie. - ... pense muito bem.

- Me dê só mais alguns dias. - pediu Rosie, segurando o pequeno objeto. - Pelo menos até que as operações de resgate terminem e Abamanu sinta as perdas que sofreu e mobilize suas tropas para contra-atacar. Mas mesmo essa possibilidade sendo considerada... não é garantia de que vou dizer sim. - falou, categoricamente.

Áker assentira lentamente.

- Adam se foi. Partiu para outro país por não suportar minha parceria com Hector, ainda mais com ele sofrendo de licantropia, já odeio imaginar o que aconteceria se eu estivesse lá. - fez uma pausa. - Eu... trouxe essas duas coisas... - retirara algo do bolso de seu cinto de utilidades. - Aqui. - mostrara.

Um olhar impressionado se formou na face de Áker.

- Creio que sejam...

- Sim. Este aqui... - mostrara um papel dobrado. - É a fórmula para curarmos os miméticos. O Dr. Lenox a criou, eu quase o conheci no dia em que Abamanu me chamou para aquele encontro, mas ele se recusou a sair. Se a versão beta da substância for liberada e atingir um grande número de pessoas, essa fórmula ficará ultrapassada. Então são três resgates.

- Preciso avisar aos meus aliados para que o General Holt saiba. - idealizou Áker.

- Não, não precisa. - negou Rosie, balançando de leve a cabeça. - Eu mesma falo. Deixe essa parte inteiramente comigo. Ouviu bem?

- Não vejo motivos para discordar, se sente-se motivada para tal ação. - aquiesceu Áker, retribuindo com um leve sorriso. - E quanto à...

- Isso aqui? Ahn... - disse Rosie, olhando para a fotografia em preto e branco que tirara junto aos seus leais companheiros. - Uma lembrança. - disse, sem tirar os olhos.

- Eu sei do que se trata. - disparou Áker, surpreendendo Rosie de imediato. - Foi uma das últimas visões que tive ultimamente. É uma bela foto.

- Mas não quero que aconteça. - disse Rosie, tornando a olha-la com angústia na expressão.

- Então as chances para evitar o caos que presenciou estão lhe esperando... - disse ele. - Cumpra seu propósito. O futuro só depende dele.

E, por fim, o arauto resolvera sumir da vista de Rosie em milissegundos.

Tornando a observar a foto, Rosie experimentara a inefável sensação de nutrir sua capacidade de testar seus limites. "Então, vamos lá. Quero me reunir à vocês novamente... mas sem gosma preta por toda parte.".


                                                                                   CONTINUA...

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