Capuz Vermelho #32: "Alfa, Beta e Ômega (Parte 1)"



Aquelas frias mãos trêmulas seguravam uma ampola de plástico sob a luz mortiça gerada pelas duas luminárias posicionadas à esquerda e na direita do ocupante da sala. As mãos ergueram o material para mais perto da luz, como se seu autor quisesse certificar-se de que era real e que não estava preso em um sonho - algo que, em vista das experiências de dois anos atrás, igualava-se à um pesadelo recorrente e infindável.

"Não consigo acreditar...", pensou ele, ajeitando os óculos de grau médio. "Eu... eu consegui! Finalmente eu a criei... Finalmente pus em prática a fórmula reversa! Bem aqui, nas minhas próprias mãos!".

Dominado por uma inquietação vertiginosa, o Dr. Lenox olhara para trás, vislumbrando a escuridão que ocupava quase todo o laboratório. A porta de entrada estava na parte mais opaca do ambiente, obscurecida de modo tenebroso. Limpando o suor de sua testa, Lenox reanalisou o componente que acabara de criar e armazenar para preservação. Boquiaberto, ele respirava com ansiedade máxima, devaneando sobre as inúmeras possibilidades que poderia desencadear caso a substância de cor branca fosse revelada acidentalmente. "Nenhum passo em falso. Vou mante-la secreta. Parece que os deuses não são tão perfeitamente espertos como imaginei. Farei com que Abamanu jamais veja a cor dessa substância, nem esse frasco. Vou esconde-la... e esperar o último trem para bem longe daqui.".

Lenox pegara rapidamente uma caixa metálica, antes guardada em uma gaveta de seu mesa de trabalho. Abrira a tampa e pusera a ampola com pressa, fechando-a ligeiramente. Antes que fosse levantar-se para esconder o recipiente em algum ponto no qual Abamanu ou seus soldados não pudessem reparar, Lenox fechara os olhos, respirando o mais fundo possível. "Você conseguiu. É só o que importa. É manter isso em total segredo... ou adquirir o passe livre para o reino dos mortos.".

Em um armário de pequeno porte, ocultado por várias caixas empilhadas, fora colocada a cura em sua forma primordial e em quantidade ínfima... ao menos - esperava Lenox - por enquanto.

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Nota do capítulo: Partes em itálico representam flashback ou menções específicas.

CAPÍTULO 32: ALFA, BETA E ÔMEGA (PARTE 1)

QG alternativo do Exército Britânico - 08h30. 


O soldado Heller esforçava-se para manter as amarras de couro reforçadas sobre os pulsos da cobaia que se debatia ensandecidamente na cadeira. Feito um domador despreparado, o soldado rangia os dentes, forçando o afivelamento daqueles cintos marrom que prendiam o violento mimético... e ex-subordinado do General Holt. Contudo, quanto mais a vítima se contorcia para se libertar, mas as amarras afrouxavam. Força acima da média havia sido incluída na lista de alterações que a substância negra causava nos infectados.

- Senhor... - dizia Heller, pedindo ajuda. - Tem certeza de que quer continuar com isso? - afastara-se, desistindo. - Não seguram ele por muito tempo. - olhou para o superior, preocupado. - Vou atirar na cabeça dele. - falou, quase sacando o revólver.

- Negativo. - disse Holt friamente, inerte e em pé diante do soldado que utilizara como teste para ver como a infecção se desenvolvia, graças à amostra que Rosie colheu e foi confiscada pelos soldados que vasculharam o casarão.

A farda militar do soldado estava encharcada de goma preta, o mesmo rosnando e balançando a cabeça loucamente como uma fera enraivecida. Holt permanecia a observa-lo com frieza, seu único olho estreitando-se em análise.

- Com sua permissão, senhor... - insistiu Heller, tornando a tocar na arma no coldre.

- Já disse que não, soldado! - bradou Holt, irritando-se, sem desviar a atenção do mimético. - Ele claramente parece estar se deteriorando de dentro para fora. As veias em relevo, as rachaduras na pele... Preciso ver até que ponto isto vai culminar.

- Essa coisa ferve como piche. - comentou Heller, olhando-o com nojo. - Por que tenho a impressão de que acredita que ele não vá explodir em mil pedaços nesta sala?

- Está certo. - aquiesceu Holt, mantendo-se focado no soldado corrompido. - Não sabemos se a amostra que Rosie Campbell roubou possui a mesma composição das que estavam no organismo dos que os outros enfrentaram na fábrica. Creio que a amostra remeta à época em que a substância ainda estava em fase inicial, provavelmente desde o período em que Rosie Campbell foi internada. Os efeitos podem ser distintos. - argumentou o superior.

Heller esboçara dúvida na sua expressão, hesitando em se aproximar do enlouquecido mimético.

- Eu não teria tanta certeza, senhor. - disse ele, parecendo tenso. - As anotações de Crannon... Os desenhos mostram efeitos semelhantes ao que os outros disseram ter visto, está no relatório. É exatamente o que ele está sofrendo. - tornou a fitar o mimético - Melhor sairmos enquanto ainda temos a chance, estou com a sensação de que ele não vai durar muito tempo. - afirmou, recuando lentamente alguns passos.

O mimético os encarava com fúria extrema pelos seus olhos totalmente negros. A pele dos braços praticamente soltava-se da cartilagem, permitindo brechas para deixar o líquido espesso escorrer e gotejar no chão sem parar. Sua boca continuava vomitando vagarosamente a gosma preta, os dentes grotescamente sujos. Considerando as similaridades, parecia sensata a ideia de manter distância segura antes que o pior ocorresse.

Holt fechara a porta, relevando o pedido do soldado Heller. O ar gelado do subterrâneo favorecia o aumento da tensão por estar à frente de um ser humano transformado em uma criatura selvagem.

Ambos caminharam pelo corredor iluminado por luzes fluorescentes.

- E então, General? Pelo visto, o parecer de Crannon torna a sequência dos efeitos algo geral entre todos os infectados, considerando as datas das anotações. - disse Heller, apressando o passo ao ouvir os gritos e rosnados cada vez mais altos do infectado.

Holt o estudou por um tempo, olhando-o com suspicácia.

- Soldado... Não me parece estar no seu normal.

- O quê? - indagou Heller, olhando-o de soslaio. - O que quer dizer, senhor? Estou perfeitamente bem. Não há nada de errado... - ele fechou os olhos, sorrindo para si mesmo. - ... para um soldado estar temeroso com coisas que sabe serem de outro mundo.

- Não me refiro à isso. - falou Holt, de modo severo. - Simplesmente está... diferente.

- Diferente? Como assim? - perguntou ele, intrigado.

- Seu jeito de falar, por exemplo. - apontou o General. - Além disso, tem andado mais instável, e, conhecendo bem você e sua formação militar, não são características muito... condizentes. - afirmou ele, novamente olhando-o de modo suspeito.

- O senhor ainda lembra... - começou Heller, o tom mais sério desta vez. - ... quando estávamos falando sobre a fuga de Campbell e Crannon, havia notado uma alteração no meu tom de voz e eu respondi ser apenas um calor?

- Sim. - assentiu Holt, ainda suspeitando. - Porém naquela vez me parecia estar verdadeiramente bem, mesmo com essa queixa. Mas agora... - estreitou os olhos.

Cortando abruptamente a conversa, um abafado estrondo ressoou vibrantemente pelo espaço, vindo diretamente da sala onde estavam.

Ambos correram alarmados de volta à sala, sentindo seus corpos tremerem tanto pelo susto quanto pelo impacto vibrante. Com um rápido chute, Heller arrombara a porta. Holt relanceou mais um indício do estranho comportamento do subordinado, franzindo o cenho antes de ver a horrenda cena.

Estupefato, Heller correu os olhos pela sala, sem arriscar entrar para examinar a situação. Holt imitara a mesma reação, observando a sala completamente banhada em gosma preta e espessa, além de alguns pedaços de pele humana espalhados pelos cantos. A dupla não seguira além da soleira da porta.

- Acho que vai ter de pagar hora extra para o servente. - disse Heller, olhando de relance para o General.

Parecendo não ter dado ouvidos ao que seu comandado disse, Holt, com sua ótica minuciosa, notara movimentos vagarosos na gosma... como se um bizarro "quebra-cabeças" estivesse sendo montado com velocidade gradativa.

Recuando alguns passos, Holt se viu desesperado.

- Feche a porta, soldado! - ordenou em voz alta.

Acatando à ordem, Heller trancara a porta imediatamente, também pondo uma barra metálica e retangular que deslizava para um fechamento mais eficaz para uma ameaça daquela natureza.

Ruídos nojentos foram ouvidos, enquanto ambos estavam vidrados na pequena janela quadrada na porta. Alguns segundos depois, uma mão negra e pegajosa surgira de repente na janela, desesperada, batendo constantemente no vidro reforçado e sujando-o. O General, por fim, se convenceu quanto as anotações de Hector. "Os estágios ocorrem nesta sequência em todos eles. Isto significa que só há uma espécie em atividade. Temos que agir rápido, agora que considero a possibilidade do inimigo estar aprimorando a substância à um outro nível.", pensou Holt, preocupado com as contingências.

O som de estática no CripTalk do General fizera os dois ignorarem as aflitas batidas do mimético na porta. Retirando-o, Holt logo o aproximou à boca.

- Fale.

- Senhor, Rosie Campbell acaba de chegar. E, devo dizer, não está nada satisfeita com um certo detalhe. - avisou o soldado.

- Tudo bem, já estou a caminho. - disse Holt, em seguida desligando. - Vigie a porta, soldado. - ordenou ele, virando as costas para Heller, caminhando pelo corredor.

                                                                                      ***

Perambulando pela espaçosa ala central do QG - com paredes de concreto escuro e resistente e luzes brancas -, Rosie vinha na direção do General com um ardente olhar de descontentamento. Uma colisão de humores exaltados estava prestes a se realizar.

- Está atrasada. - disparou Holt, sem hesitar em provoca-la de certa forma.

- Por que meu diário está naquela caixa de "Achados e Perdidos"? - quis saber a jovem, o tom de voz desafiador e petulante.

- Responda você primeiro. - ditou Holt, autoritário. - Por que ocultou informações valiosas de nós propositalmente? - aproximara-se dela.

- Eu só... - ela dera de ombros. - ... achei que não fosse relevante no momento.

- Uma amostra autêntica da substância não lhe era relevante!? - disse ele, arqueando as sobrancelhas, abismado com a afirmação da jovem. - Afinal, o que passa pela sua cabeça? Olhe... - inquietou-se ele, parecendo aflito. - Estou profundamente desapontado.

- Idem. - retrucou Rosie, fitando-o. - Reclama de omissão, mas não pensa duas vezes em usa-la só para satisfazer suas ideias. - cruzara os braços. - O que me diz em ter escondido de nós sobre as armas de congelamento?

- Mereciam saber no momento que achei oportuno. Goste ou não, esta foi minha decisão, como superior legal e idealizador-chefe da força-tarefa. - argumentou Holt, demonstrando todo seu ar soberbo. - Mudando de assunto... O que ficou fazendo nos últimos três dias? Faltou a uma importante reunião ontem. - reclamou ele, virando as costas e tornando a andar pelo caminho de onde viera, como se sinalizasse para que Rosie o seguisse.

- Assuntos particulares. - disse Rosie, evasiva, seguindo-o.

- Como os descritos em seu diário, por exemplo? - perguntou Holt, pondo as mãos para trás enquanto andava.

- Até parece que eu escreveria para mim mesma informações relacionadas às fábricas, à substância e toda essa loucura. - redarguiu Rosie, o tom firme. - Também vi o bloco de notas do Hector... A propósito... - ela hesitou, baixando a cabeça e pensando no que diria. - ... sabem onde ele está? Encontraram o paradeiro?

O General permanecera em silêncio por um instante. Uma busca desenfreada pelo caçador não constava nas prioridades, tampouco seu início fora ordenado por Holt. "Deste momento em diante, Crannon nada mais é do que uma carta fora do baralho. Não tenho escolha a não ser considera-lo um desertor, além de poupar as energias da minha equipe em uma busca que com certeza seria inútil sem vestígios."

- Nós ainda estamos pensando em como seguir. - mentiu Holt. - Estou cogitando selecionar um grupo menor e impulsiona-los numa busca diária e ininterrupta. No entanto, nada é garantido, nem ao menos sabemos como ele escapou... ou o que o levou.

- Apostam que ele foi sequestrado? - conjeturou Rosie, o tom carregado de suspeita.

- Dada as circunstâncias... - disse o General - ... é nossa principal teoria.

Ambos dobraram para um corredor situado à esquerda, sendo o princípio de um labirinto com vários. Enquanto caminhava, a visão periférica de Rosie detectara uma larga e grande janela de vidro reforçado pertencente à uma sala de treinamento físico de soldados incluídos na força-tarefa. A jovem assistira, por alguns segundos, o treino dos fortes rapazes, alguns socando pesados sacos com areia, outros exercitando os músculos com pesos em barras.

- Fique tranquila. - garantiu o General. - Nenhum de nós leu seus segredinhos. Aliás... acho que um acabou dando uma espiada. Lamento se isso a incomoda. - disse ele, a expressão dura.

- Está bem, já esperava que alguém fosse bisbilhotar. - disse Rosie, suspirando em seguida, o semblante de decepção. - Mas pega-lo sem minha autorização foi um erro.

- Ocultar informações de um militar foi um erro ainda pior. - devolveu Holt, a paciência esvaindo-se pouco à pouco.

- Mas sem ter me pedido antes!? - insistiu Rosie, elevando o tom, parando de caminhar. - Não acha que deveria ter ordenado um dos caçadores, que veio me buscar, para pedir permissão a mim antes de vasculhar a casa toda?

Holt virara-se lentamente para ela, exibindo uma face despreparada para fazer permanecer a calma. Encarara-a com estranheza cravante.

- Não se dirija à mim como se estivesse falando com um dos seus amigos. - ditou ele, severo. - Posso prende-la por desacato à autoridade.

- E aquela coisa de "ofereço minha amizade" quando me apresentei? - disse Rosie, franzindo a testa, revoltada com a postura tomada pelo rude chefe.

- Aquilo não passou de ingenuidade minha. - retrucou Holt, aproximando-se dela com irritação. - Uma fonte me assegurou de que é perigosa o bastante para colocar em risco todos os pelotões. Antes de ser interrogado, Crannon foi submetido à revista... - dera um sorriso presunçoso e odioso. - ... e um item especial foi encontrado. O confisquei, considerando minha suspeita de que Crannon sabia mais do que era forçado a dizer.

Rosie o fitou com minúcia, respirando calmamente, sem se sujeitar à se irritar facilmente.

- Até consigo imaginar quem é a tal fonte. - revelou ela.

- Isso não vem ao caso agora e pouco me importa o que pensa a respeito. - disse Holt, olhando-a com severidade, afastando-se em poucos passos para trás. - Vocês dois me decepcionaram, e isto me leva a pensar que a aliança com os caçadores não passou de um deslize. - passou a mão na boca, andando para um lado, aparentando preocupação. - Vários soldados morreram na primeira operação.

Rosie observava-o com a esperança de tirar uma conclusão sobre o que andava atormentando-o. "Ele parece muito desesperado. Na verdade... parece nem ter dormido à noite. Exausto, abatido... além dessa mancha negra na farda, melhor nem falar que reparei.", pensou ela, contendo-se.

- Eu sinto muito... - lamentou ela. - Eu... acredito que nem devo fazer mais perguntas sobre a fonte...

- E nem deve. - interrompeu Holt, voltando-se para ela. - Aliás, eu deveria ter emitido uma ordem imediata para que fossem revista-la.

Um instante de silêncio recaíra sobre os dois, marcando um entreolhar que possuía um tom em comum. Rosie respirara fundo, assentindo para si mesma.

- Preciso ir ao banheiro. - disse ela, andando devagar. - Se me der licença. - olhou-o.

Holt abrira caminho, andando para o lado em dois passos, mantendo sua expressão de desconfiança. As palavras carregadas de infâmia de Sekhmet retornaram à tona em seu mente como fantasmas. Lutava contra o pensamento de que a verdadeira ameaça a ser combatida estava mais próxima do que ele imaginava. Olhou a jovem caminhar pelo corredor, assumindo uma postura um tanto insegura. Ajeitou o tapa-olho e cruzou os braços em seguida.

"Muito bem. Plano de contingência.".

                                                                                               ***

Dentro do banheiro com pisos e azulejos de cerâmica branca, pensamentos nervosos eclodiam em Rosie a todo segundo. Após fechar a porta com pressa, rapidamente tirara do cinto de utilidades o seu emblema de Yuga, colocando-o sobre a palma da mão direita.

- Áker, preciso que venha, agora, por favor. - disse ela, em voz baixa.

- Olá, Rosie. - cumprimentou uma voz grave por trás dela.

Rosie voltara-se para o arauto com rapidez, guardando o pequeno amuleto em seu devido lugar. Áker surgira em questão de milésimos no banheiro ao receber prontamente o chamado, provando sua eficiência quanto a pedidos de ajuda e emergência. Pelo tom adotado por Rosie, obviamente tratava-se de urgência.

- Bem rápido dessa vez... - comentou a jovem, parecendo surpresa.

- Pelo visto, não pôs em prática o que havia pensado sobre o Dr. Lenox. - disse o arauto, indo direto ao ponto da discussão.

- Desculpe... - disse Rosie, suspirando pesadamente. - Olha... não tive tempo de contar sobre o sequestro, o General Holt acabou por me decepcionar feio hoje.

- Receio que ele não dará o braço a torcer quanto a suspeita que tem por você. - apontou o mensageiro de Yuga, andando pelo banheiro vagarosamente, as mãos para trás. - Ter me chamado aqui pode não ter sido a melhor ideia.

- Por que? - perguntou Rosie, rígida no tom.

- Creio que também possuam detectores de atividades extraordinárias. - disse ele, voltando-se para ela com seriedade. - Estou a mercê de ser descoberto aqui. Então preciso que seja rápida.

Rosie o fitou com suspicácia.

- Você parece meio...

- Desesperado? - completou o arauto, firme. - Relativamente, sim. Além de Sekhmet podendo estar preparando mais uma ofensiva, posso sentir a presença de Mihos vagando pelo interior de toda estrutura, pude sentir isso por horas a fio.

- O quê!? Mihos está aqui? - espantou-se Rosie, a apreensão gelando seu sangue.

- Disfarçado de uma de suas vítimas, infelizmente. - revelou Áker, esperando que a jovem entendesse a mensagem.

- O soldado Heller. - disse ela, apreensivamente, virando-se para o espelho ao lembrar-se da apresentação-surpresa do filho de Yuga para ela na primeira operação de resgate.

- Exato. - confirmou Áker. - Ao que parece, ele está sendo dado como desaparecido. Mas conhecendo bem Mihos... é só uma questão de tempo para encontrarem o corpo. E, por fim, ele se revelar para executar um plano imprevisível. Me dói só de imaginar que ele pode ter assassinado mais soldados nos últimos dias.

Rosie erguera a cabeça, olhando pelo reflexo do espelho, aparentando ter tido um lampejo.

- Eu prefiro deixar que Lenox seja uma vítima encontrada de surpresa. - idealizou ela. - Sinto que é tarde demais para achar provas de que ele desapareceu e apresenta-las ao General. Eles seguem a ideia de que cada fábrica possui um prisioneiro e só restam duas... - olhara para o chão, praticamente sem saber o que fazer. - Não sei se acreditariam em mim.

- Sei o quão injustiçada se sente. - disse Áker, acolhedor. - Holt está enganado sobre o perigo que Sekhmet o fez acreditar que você é. Está ludibriado demais para confiar totalmente em você. O melhor é permitir que o deixe seguir com suas medidas por si mesmo, sem sugerir nada, nem intervir. - aconselhou ele, assentindo devagar.

Algumas batidas na porta fizeram Rosie sobressaltar subitamente em um tremendo susto.

Olhou para o ponto onde Áker estava e o mesmo já havia sumido em milissegundos. Logo correu para atender a pessoa do outro lado, tomando cautela para não deixar brechas para ser suspeitada e imaginando ser o General ou qualquer outro subordinado seu... até mesmo o "soldado Heller". "Faz sentido, já que Áker estava aqui e ele provavelmente pode ter sentido sua presença ou meu amuleto emitiu algum sinal quando chamei Áker e o atraiu.", pensou ela, aflita ao girar lentamente a maçaneta.

A certeza de que logo veria a face do falso Heller acometeu-a assustadoramente. "Seja lá como for... estou aberta a tudo.".

Abrira a porta.

A expectativa desagradável caíra por terra... instantaneamente lhe proporcionando uma torrente de alívio sem medida. Com um suspiro suave, Rosie sorrira desconcertadamente.

- Err... Olá. - disse ela.

- Senhorita Campbell - disse um soldado meio careca e de aspecto sisudo. -, o General me mandou avisa-la de que houve uma alteração na execução da força-tarefa. Serão dois pelotões de 50 soldados que vão agir simultaneamente para desmanchar as duas fábricas que ainda restam. Ele só precisa da sua confirmação para saber qual pelotão deseja liderar. - fez uma pausa, olhando para um papel que segurava. - O pelotão 1 será responsável por Birmingham, enquanto que o 2 por Liverpool. - olhou-a á espera da resposta. - Qual delas prefere invadir?

A informação pegara-a desprevenida. Engolindo em seco, ela pensou por um momento, pensativa até demais para o soldado. Apenas um nome lhe veio à mente. "Êmina. A última fábrica. Mas... Não, droga, eu devia ter perguntado à ela enquanto tive a chance... Mas não, não daria certo, só me deixaria mais encurralada se eu perguntasse. Talvez Abamanu tenha selecionado a cidade que se iguale em importância com Londres. Londres como ponto para a última fábrica seria muito óbvio, ele não ia facilitar assim. Na última fábrica pode estar o Dr. Lenox e Êmina... ou talvez Lester. Melhor não perder tempo... Vou ter que arriscar. É tudo ou nada.".

- Campbell... - chamou o soldado, olhando-a estranho. - Algum problema?

- Ahn... - disse ela, desvencilhando-se dos devaneios, retornando á realidade. - Não, claro que não. Eu... vou escolher Liverpool.

- O.K. - assentiu o soldado. No entanto, permanecera ali, analisando a face de Rosie e olhando de relance para o banheiro.

- Mais alguma coisa? - perguntou Rosie, logo percebendo, para sua aflição, que deveria ter fechado a porta a fim de passar a impressão de que estava de saída do banheiro.

- O que estava fazendo aí dentro? - perguntou o soldado, dando um sorriso misterioso.

Enrubescida, Rosie mostrou-se acanhada.

- Ahn... err.. - as palavras lhe faltaram de repente. - Não... não é o que está pensando. Só estava meio apertada... Acho que talvez seja uma incontinência. - arriscou ela, falando o que lhe veio à mente.

O soldado já andava para sair dali, um tanto envergonhado pela curiosidade.

- Ah sim, entendo. - disse ele, sorrindo forçadamente. - Me perdoe pela pergunta... Até mais. - apressara o passo para ir.

- Tudo bem... - disse Rosie, olhando-o caminhar de volta. -... sem problemas. - falou, mesmo sabendo que ele não escutara.

A jovem esperou ele dobrar o corredor para finalmente fechar a porta.

Ao virar-se, deparara-se com Áker, aparecendo repentinamente. Rosie arquejara levemente ao assustar-se com a aparição rápida do arauto.

- Não faça isso de novo. - disse ela, pondo a mão no coração.

- Perdão. - desculpou-se ele. - Mas garanto que seus batimentos cardíacos estão temporariamente descompassados. Felizmente, não é algo que indique um problema semelhante ao que seu pai sofria. - apontou o arauto, impressionando sua protegida mais uma vez.

Levemente boquiaberta, Rosie o fitou como se não tivesse ouvido direito.

- O que... O que sabe sobre minha família? - questionou ela, intrigada.

- Absolutamente tudo. - respondeu ele, lacônico, sorrindo de leve. - Consigo lembrar... exatamente de todas as coisas que vivenciou nos períodos de calmaria. A primeira palavra que disse com total fluência foi "vovó". Aniversário de 1 ano. Vocês duas eram muito próximas e... felizes. - falara, relembrando consigo mesmo o que havia assistido por tantos anos junto à seu superior.

Uma sensação de enjoo afetara os nervos de Rosie. A jovem engolira a saliva, olhando para o nada, ainda pasma com a revelação do mensageiro de Yuga. Conteve-se para não expelir uma lágrima.

- Tarde demais para exigir privacidade... - disse ela, meio desalentada.

Áker pensara por alguns segundos, sem sentir culpa pela espionagem.

- De fato. - respondeu.

Rosie andara para frente, cerrando os punhos em nervosismo. Voltou-se para o protetor, apresentando uma face totalmente ansiosa.

- Os planos mudaram. - disse ela. - O General quer duas missões simultâneas, em uma delas eu vou liderar. Só posso apostar que Êmina e o dr. Lenox podem estar lá... Eu odeio ter que especular toda vez que penso nisso.

- Se assim for... - disse Áker, aproximando-se dela, olhando-a fixamente. - ... bem, acho que tenho um plano a seguir. Arriscado, mas devo seguir com ele.

- Sekhmet com certeza vai tentar outra vez. - teorizou Rosie, assentindo com veemência.

- Não duvido. Tem a ver com ela, de fato. - salientou o arauto. - Mihos, por enquanto, está disfarçado como o soldado que matou, e certamente vai estar ao lado do General... fora do seu encalço.

- Aonde quer chegar? Até onde eu sei, Mihos não está interessado em tirar proveito de mim. - disse Rosie, franzindo o cenho. - Embora eu ainda acredite que tenha segundas intenções. Ele vai agarrar uma vantagem se conseguir visualizar.

- Verdade. - aquiesceu Áker, assentindo e olhando para um canto do chão á frente. Mordera os lábios, pensativo, logo voltando seus olhos para Rosie. - No entanto, ele não causará nenhum arranhão em você, não existe um motivo real para tal. Sekhmet, obviamente, está rancorosa pela posição atual do filho, e, tendo isso em mente, não medirá esforços para acertar as contas com ele. Mihos estará com o General... Sekhmet aproveitará a deixa esperando que você também apareça lá. - dera um sorriso levemente enigmático.

As pontas começaram a formar suas ligações na mente de Rosie.

- Não... - disse Rosie, incerta, balançando a cabeça em negação. - Não, Áker, eu não acho que será tão fácil assim. Ah, droga... ela é a esposa de Yuga! - irritara-se. - Você é tão inocente assim a ponto de achar que ela seria enganada tão facilmente?! Desculpa, mas... eu não conto com isso.

- Por isso falei que é arriscado. - lembrou ele, sério.

- Ela tem relações com o General. - disse Rosie com seu lembrete, contrariando o plano do arauto.

- E daí? - perguntou Áker, dando de ombros, parecendo pouco ligar para a posição divergente da jovem.

Rosie, desconfiada, franzira o cenho, aborrecendo-se.

- É só isso? "E daí"? - reclamou ela. - O modo como o General se dirigiu à mim não foi claro o bastante à você? Ah, deixa eu adivinhar: Você não espionou isso! - disse, apontando o dedo indicador diante do mensageiro.

- Meus aliados sondam as conversas a todo momento e me passam os detalhes. - contou Áker. - Meu lorde e eu não temos mais razões para assistir sua vida. O que temos de concreto até agora: Holt teve um encontro com Sekhmet e ambos forjaram um pacto no qual tem você como alvo de vigilância. No entanto... - andara para um lado, pondo uma mão no queixo em reflexão.

- Sim... ? - disse Rosie, olhando-o com expectativa.

- A nova diretriz - continuou ele, voltando-se para ela. - irá inviabilizar o plano que Holt decretou após o pacto.

- Espera aí... - interrompeu Rosie, erguendo levemente uma mão. - Você... - piscou os olhos várias vezes. - ... havia ouvido minha conversa com o soldado. Não foi?

- Sim, claro. - confirmou ele, assentindo.

- Então o que ainda faz aqui já que não vai me contar o seu plano de contingência? - questionou ela.

- Achei que queria desabafar mais sobre o modo como o General vem se portando com você. - justificou ele. Caminhou até ela com um olhar sereno e tranquilizador. - Rosie, você deve considerar todas as possibilidades, por piores que pareçam. Pode ser revistada a qualquer momento... o que colocaria nossa conexão em risco. - fez uma pausa, suspirando. - Então, por via das dúvidas, preciso que me dê o amuleto. Aliás, vou precisar dele.

Tirando-o do bolso do cinto, Rosie entregara o minúsculo objeto dourado para Áker, pondo-o na palma da mão do arauto.

- É todo seu. - disse ela.

- Sekhmet não vai atormenta-la. Não hoje. - garantiu o arauto, confiante no tom de voz. Cerrou o punho com o amuleto dentro, olhando-o.

Sumira na velocidade de um disparo de uma bala provinda de uma arma de fogo, deixando Rosie sozinha no límpido banheiro branco.

                                                                                        ***

Enquanto a jovem se preparava para se reunir com o pelotão que comandaria rumo à uma área florestal Liverpool, , o soldado que a avisara sobre a mudança nos planos estava escondido num corredor próximo de onde ficavam os toaletes. Encostado na parede cinza, aproximou o rádio-transmissor à boca para emitir o parecer obtido sobre Rosie e seu comportamento suspeito no momento em que a encontrou.

Um ruído de estática precedeu a mensagem.

- Ahn... Chefe? - disse ele. - Ela escolheu Liverpool.

- O que estava fazendo no banheiro? - perguntou a voz áspera de Holt saindo do auto-falante do aparelho.

- Segundo ela... - hesitou em dizer, fazendo uma cara de desconforto. - ... uma incontinência urinária.

- Obviamente, uma mentira. - disse o General. - Registrou alguma atividade?

- Sim, senhor. - confirmou ele, assentindo. - Pus no modo luminoso, então a luz vermelha começou a piscar assim que entrei no corredor. Está bem debaixo dos nossos narizes chefe, só resta colhermos as informações dela e...

- Um interrogatório? À essa altura? - zangou-se Holt. - Enlouqueceu, soldado?

- Não foi bem isso que quis dizer, é que...

- Chega. - ditou ele, frio. - Sugestão negada.

- Mas o detector... ele... - começara a gaguejar. - ... emitiu um sinal claro de atividade. Em grau considerável, senhor. Ela não estava sozinha.

- Ouça, soldado: No atual momento, estamos ficando sem tempo. - argumentou Holt. - Uma revista seria o mínimo que se poderia fazer agora. No entanto, o pelotão inteiro estaria sabendo disso, e a última coisa que quero é esta missão arruinada pela má vontade de soldados que perderam a confiança em seu líder.

- Ainda acho uma péssima ideia coloca-la nessa posição. - balançou a cabeça em negação, insatisfeito. - O fato de terem ocorrido baixas talvez tenha sido por causa dela. Devia ser dispensada, ela é uma distração.

- Sua opinião pouco me importa, Gerard. - retrucou Holt, ríspido. - Até mais.

O General desligara.

- Nunca pensei que diria isso, mas... Vou adorar ficar de fora. - disse o soldado, guardando o rádio e caminhando de volta ao seu posto.

                                                                                          ***

As mãos de Alexia tremiam pouco, ambas agarrando os braços da cadeira. Era algo que, até determinado instante, a surpreendia de algum modo. "Deixando espairecer. Dispersando qualquer resquício de ansiedade. Focando no que é mais importante.", pensava ela, com os olhos fechados ao relaxar em mais uma sessão de regressão por hipnose. À sua frente estavam seus dois portos seguros: Hector e Eleonor, um ao lado do outro observando a bela ruiva deixar-se levar pela calmaria que brotava de seu âmago para facilitar o processo.

O objetivo era revisitar a batalha entre deuses nas Ruínas Cinzas, avançando em períodos nos quais poderia-se obter uma descoberta que favorecesse outro objetivo. Hector mal conseguia conter sua expectativa para que sua amiga encontrasse as respostas que o tornariam um combatente igualável em poder contra Abamanu.

- Segundo um trecho da Bíblia de Abamanu - disse Eleonor, sacando o pêndulo -, e que, segundo uma bruxa mais antiga do Coven, foi confidenciado à ela por um Red Wolf com quem mantinha relações amorosas, um deus-quimera deixa um rastro significativo quando manifesta seu poder intensificado. - informou ela, aproximando-se de Alexia. - Vamos lá Alexia, hora de iniciarmos. - disse, enrolando parte do fio dourado do pêndulo na mão

- E se não passar de mero boato? - desconfiou Hector, olhando para a bruxa com suspeita no tom.

Eleonor rira levemente.

- Boatos corriam mais do que baratas naquele lugar. - disse ela, pensativa. - Mas posso lhe garantir que é verdade. Pelo menos era o que se tomava como verdade absoluta pela antiga líder.

- Antiga líder? - intrometeu-se Alexia. - E quem gerencia o clã atualmente?

- Ninguém. - disse Eleonor, com preocupação no rosto. - Minha fuga e meu crime definharam o Coven, logo todas se separaram para me caçar... inclusive ela.

- Concentre-se em ajudar Alexia. - disse Hector, pondo uma mão no ombro da bruxa. - Os símbolos que gravou nas portas e janelas da casa, toda a coragem que tem demonstrado até agora em se manter a salva... é uma prova de que sabe se pôr em segurança, independente de qualquer possibilidade.

- Obrigada pelo apoio, Hector, mas prefiro manter minha guarda como está. Prefiro permanecer alerta e não descartar nenhum movimento. Aquelas malditas são imprevisíveis, tão astutas quanto eu. - disse Eleonor, olhando para o caçador com seriedade. - Não conhece Ágatha Laving como eu. E, acredite, tê-la em seu encalço é permitir que a sombra da morte lhe persiga incansavelmente. - virou-se para Alexia, preparando-se para realizar o processo hipnótico. - Muito bem, chega desse assunto por hoje. Vamos lá. Concentre-se no movimento do pêndulo, Alexia. Concentre-se...

"Não estou muito certo quanto a um progresso...", pensou Hector, relutante ao ver a vidente se submeter àquele método pouco convencional manipulado por uma bruxa cuja supremacia de poder ultrapassava os limites. "Só não entendo como ela não foi presunçosa a ponto de enfiar seus feitiços goela abaixo. Limitações? Talvez. Ela cuidou de meus ferimentos. Cedeu espaço para que eu treinasse fisicamente. Não faz nem uma semana, mas... ela parece crente sobre eu ter conseguido total controle sobre a licantropia em mim. Eu consegui. Consegui convence-la.".

Após cerca de 7 minutos, Alexia já exibia sinais de sonolência gradual, deixando as pálpebras tornarem-se pesadas. À medida que seus olhos iam fechando, as figuras do pêndulo balançando para lá e para cá e as de Eleonor e Hector foram ficando mais turvas, quase que como um borrão.

Por fim, caíra em adormecimento profundo e lento, deixando a cabeça inclinar-se levemente para um lado.

- Pronto. Resta esperarmos uma resposta agora. - disse Eleonor, guardando o pêndulo dentro do decote de seu vestido de seda azul.

- Desculpe a ignorância, mas... - disse Hector, olhando para a vidente com ar de cético. -  Ela vai estar  simplesmente sonhando? Sua consciência vai regressar ao passado?

- Não. - disse a bruxa, balançando a cabeça de leve, sorrindo. - Caso a consciência dela fosse enviada, seria impossível se manter estável. Acontece que Alexia, claro, não era nascida na época em que ela vai estar mentalmente.

- E o que aconteceria nesse caso? - perguntou o caçador, curioso.

- Simplesmente por não haver como sua consciência se fixar no seu eu passado, justamente por este não existir na época em que ela imagina que vá voltar, sua mente ficaria vagando por uma espécie de vácuo, ansiando encontrar um ponto onde se situar, mesmo sabendo que não pode. - contou ela, olhando a vidente adormecida. - É o que acontece em casos mais raros. Nos mais triviais, a consciência se apodera da mente do eu do passado sem grandes problemas. Isto só é possível graças à feitiços antigos usados pelos primeiros magos ancestrais, como meio de se viajar no tempo. Mas essa técnica foi rapidamente abolida. Consideraram ela perigosa demais, a ponto de mudar cursos da história que deveriam continuar pré-definidos no imprevisível fio do destino.

- Se Charlie estivesse aqui... ouvindo isso... - disse Hector, dando um leve sorriso ao pensar na figura do jovem mago do tempo.

- Não acho que ficaria muito surpreso. - comentou Eleonor, dando de ombros. - Como o gênio que você me disse que ele é, aposto que não deve desconhecer essa técnica.

Hector apontara para Alexia, voltando sua atenção para a vidente hipnotizada.

- Ela moveu o dedo menor de todos. - disse ele.

- Sim. Acho que já está começando... - disse a bruxa, ansiosa, afastando uma mecha do seu cabelo castanho. - Logo ela vai nos dar uma reação, seguida de uma resposta oral.

- Existe algum efeito colateral? - quis saber Hector, ainda desconfiado do método.

- Não que eu saiba. Ela continuou perfeitamente sã depois da primeira sessão. - disse ela, o olhar fixo em sua amiga. - Bem... meio paranoica quando me viu beijando você e pensou que o enfeiticei com intenções más. Mas isso é um detalhe à parte.

- Mas... - insistiu Hector, suspirando pesadamente. - ... o que quero saber é... se existe algo que possa fazê-la mal durante o transe.

- Infelizmente, há. - revelou a bruxa, o semblante sério ao voltar seus belos olhos verdes para o caçador. - Sem querer preocupa-lo, mas... dependendo de como vai ser a reação mais predominante... Alexia pode correr o risco de ficar presa nesse passado e nunca mais despertar. - disse ela, deixando os pensamentos de Hector no limite do nervosismo.

O caçador tornou a olha-la, afligindo-se de modo discreto.

- Por essas e outras que jamais vi a hipnose com bons olhos. - disse ele.

                                                                                           ***

Alexia mantinha-se agachada, os olhos fortemente fechados e ouvidos tapados. Algum breve tempo passara-se e uma sensação inquietante de estranheza a assaltara. Relutou em abrir um olho... mas abrira-o, ainda que trêmula e lentamente. Mais alguns segundos, a vidente já via-se vislumbrando o espaço ao redor. Odores relativamente familiares adentraram em suas narinas rapidamente. "Não ouço aqueles sons estrondosos...", pensou ela, já levantando-se e compreendendo onde estava situada. Correu sua visão ao redor, virando o pescoço para todos os lados, a face surpresa formando-se. Contudo, o sentimento aliviador se desfez. 

O espaço à sua volta estava mergulhado pelo amedrontador breu da noite, alguns pilares e blocos maciços de mármore e concreto banhados pela sombrio luar, dando-lhes um aspecto preto-azulado. 

Decidira andar devagar sem saber exatamente para onde deveria seguir. 

"Estou nas Ruínas Cinzas, sem dúvidas!", pensara, já começando a praticamente correr e se esgueirar por entre as sombras que os altos pilares faziam. "O que eu faço?". Desesperando-se, ela afastou os cabelos dos olhos - devido a uma considerável ventania -, escondendo-se por entre os blocos empilhados com ose fossem parte da construção de uma casa. "Pelo visto, boa parte de tudo isso aqui está praticamente intacto... Tudo bem, Alexia, você está... na passado. Em algum momento de grande importância que lá no fundo sabe que pode fortalecer o plano.". 

Sons de vozes elevaram-se gradativamente. Alerta, a vidente manteve a respiração calma, andando mais vagarosamente, seguindo na direção das vozes. Vozes masculinas e empolgadas. "Pensei que voltaria exatamente para o momento em que Abamanu e Yuga se digladiavam nos céus. Parece que esta noite é de vários anos depois da batalha. Posso sentir.". 

Por fim, escondera sua presença ao ver tenebrosas silhuetas em uma parede de mármore, realçadas pela luz alaranjada de uma fogueira. Logo vira as figuras dos homens, todos eles encapuzados por mantos negros e de tecidos mal produzidos. Quatro ao todo, estavam reunidos em torno da fogueira... feita próxima à cripta de Abamanu na parte do chão de ladrilhos. 

Em uma mureta de tamanho médio, Alexia os espionou, mantendo os dedos das mãos seguros no concreto enquanto observava quase com os joelhos dobrados. "Então é isso. Agora entendo.", pensou ela, surpresa. Fitou por um tempo a parede próxima ao templo inacabado. "Não havia esta parede quando fomos tentar impedir Mollock. Provavelmente era parte de uma muralha que serviria como proteção à fortaleza do fundador, o Templo de Mitra, o nome que as testemunhas da batalha, os primeiros da civilização, deram à Yuga. As habitações devem estar mais distantes...". Olhara para a esquerda, na direção de onde se localizavam os vilarejos. "Aproveitaram que estão dormindo. Ironicamente, eles louvavam à Yuga no exato ponto onde Abamanu assentou sua cripta. Acho que os primeiros deixaram algumas partes caírem no esquecimento, sem passar adiante às outras gerações.". 

Voltou suas atenções para os homens vestidos de preto, as sombras da noite que tagarelavam algo que soava inaudível à ela. "O que estão dizendo, afinal?". 

Um deles - aquele que a vidente suspeitava ser o coordenador de todo o falatório - retirara de sua vestimenta um objeto que exibiu para seus companheiros. Graças à fogueira, o artefato reluziu de modo que Alexia pôde divisar seu formato, sem correr o risco de chegar mais perto. "O que é aquilo?". 

Um lampejo a assustara. "Espere... Não há risco algum. Eleonor havia me dito que não é uma revisitação física e sim inconsciente, como um sonho embora não sendo. É como se... tudo isso aqui estivesse sendo reproduzido pela minha mente, mas sem possuir controle sobre tudo e todos. Eu posso me mostrar sem correr riscos. Posso andar livremente, não irão me ver!", pensou ela, animando-se com a lembrança do aviso que sua mentora lhe dera anteriormente. 

Empertigando-se ao levantar-se, Alexia andara determinadamente rumo aos homens encapuzados, sem demonstrar medo ou intimidação. Andou até ganhar certa proximidade, o vento avassalador esvoaçando seus cabelos ruivos alaranjados.

"Enfim uma vantagem de ser invisível."

Estacara logo ao ver o suposto líder - com seu manto ondulando por conta do forte vento - andar em direção à cripta segurando com os braços levemente esticados e com as duas mãos o objeto esférico e prateado. "O que ele pretende?". Alexia o fitou com suspicácia. "Está indo até onde fica a cripta... pondo a coisa no centro da tampa...". A vidente atentava-se a cada movimento, unicamente focada naquela figura espectral e fantasmagórica. 

O homem logo recitara palavras incompreensíveis de modo solene, esticando o braço esquerdo direcionado à esfera posicionada sobre a tampa. O foco de Alexia redobrara-se durante o processo. 

"Isto é...", espantara-se ela, olhando-o estupefata. "... uma espécie de feitiço! Se houvesse como intervir, como fazê-lo parar e falar o que estão tramando! Pior que é impossível.". 

Resquícios bioluminescentes - praticamente filetes compridos de luz azulada - surgiram de repente ao redor da tampa da cripta, todos eles sendo atraídos por alguma força magnética forjada pela esfera devido à magia utilizada. Os finos traços de luz "entraram" na esfera, fazendo-a brilhar da maneira intermitente. O show mágico deixara Alexia pasma, sem ação e impotente. 

"É disso que falavam! Os rastros de energia, são estes! Certamente foram deixados como prova de que Abamanu deixara aí enterrado seus tesouros, ele precisava usar algum tipo de poder específico para transportar todo o tesouro para cá e fixa-lo debaixo da terra, mesmo sabendo que iria deixar vestígios desse poder.", concluiu ela, recuando alguns passos, totalmente satisfeita com o que presenciou. "Será essa a arma secreta que Eleonor acredita que Hector possa usar para derrotar Abamanu?", questionou-se, correndo de volta para o ponto onde chegara. "Preciso voltar rápido! Estes homens com certeza são os primeiros Red Wolfs, usavam capuzes negros no início! E o líder... um bruxo já com experiência!". 

Sua correria ganhara mais velocidade à medida que aquele fato lhe deixava mais tensa. 

                                                                                              ***

Com um súbito arquejo, Alexia despertara de sua regressão mais tranquila em relação à primeira. Inclinando-se sentada na cadeira para reaver o fôlego, a vidente foi amparada por Eleonor, pronta para conseguir as respostas que tanto ansiava pelas palavras de sua aprendiz.

- Alexia, o que houve? - perguntou a bruxa, preocupada. - Não esboçou quase nenhuma reação significativa para nós. - olhou-a bem fundo. - Se lembrou do que eu disse? É invisível para qualquer pessoa durante a regressão.

- Sim... - disse ela, assentindo tremulamente. - Eu lembrei. Se não fosse por isso, ficaria estagnada naquela mureta sem conseguir quase nada. - voltou-se para a bruxa, o suor profuso descendo pelo seu branco rosto. - Os Red Wolfs... - olhou de relance para Hector. - ... eu os vi, os primeiros da geração.

- O quê? - soltou Hector, aproximando-se ao se surpreender. - Diga-me Alexia, o que exatamente estavam fazendo? Aliás, onde você esteve?

- Ruínas Cinzas. Ainda não podendo ser chamada de ruínas, mas... o que vi foi incrível. - disse a vidente, pensativa a respeito. - Eles... usavam mantos negros, estavam reunidos em torno de uma fogueira, perto do Templo de Mitra e da cripta. Um deles mostrou uma esfera cinza... depois foi até a tampa da cripta e falou um feitiço cujas palavras não consegui entender...

- Tudo bem, chega. - disse Eleonor, erguendo levemente sua mão direita. A bruxa estava pensativa sobre o que a vidente testemunhou. - É o suficiente. Já entendi o que ocorreu.

- Então sabe qual era o feitiço? - perguntou Alexia, esperançosa.

- Também não lembra do que eu disse a respeito de meu status? - perguntou Eleonor, levantando uma sobrancelha. - Nível ômega, Alexia. Óbvio que sei o feitiço, como se chama e se faz. - olhou para Hector meio desalentada. - No entanto, talvez não seja fácil de se conseguir como pensam.

- Alexia... - disse Hector, ignorando o pessimismo da companheira. - ... o que mais presenciou?

Eleonor sentira-se obrigada a falar pela vidente.

- Ela certamente viu a pedra Ônix absorvendo os rastros de energia na tampa da cripta. - disparou ela, olhando para ambos.

- Pedra Ônix?! - estranhou Alexia, franzindo o cenho para sua mentora. - Eu... eu pensei que elas fossem somente pretas, translúcidas... usadas para adornos. Elas não tem formato esférico.

- Disso eu sei. - retrucou Eleonor, revirando os olhos. - A Ônix que viu nada mais é do que um mecanismo de absorção de energia. Em outras palavras, é um artefato voltado para armazenar chackras de bruxas que decidem salvaguardar suas magias quando ameaçadas. - fez uma pausa, andando para um lado. - Foi amplamente recorrido o uso dessa pedra no período da Inquisição Europeia, quando bruxas de alto escalão foram dominadas pelo temor de irem para a fogueira se caso fossem descobertas praticando a forma mais terrível da magia negra antiga.

- E quanto à energias de deuses-quimera? - perguntou Hector, com certa pressa.

- Esta é a parte que gera incertezas. - disse ela, hesitante quanto aos efeitos que podem ser desencadeados. - As pedras Ônix suportam facilmente magias de nível Ômega como a minha... - fez uma pausa, parecendo inquieta. - Não. É uma péssima ideia. - andou para um canto da sala, preocupada.

- O quê? - disse Hector, fitando-a com desconfiança na face. - Eleonor... é melhor não me esconder o motivo pelo qual está desconsiderando o plano. - andou em direção à ela em passos lentos.

De costas para o caçador, a bruxa se limitou a falar mansamente com os braços cruzados, permitindo-se afligir com relação à imprevisibilidade da ideia, levando em consideração vários aspectos que poderiam acarretar muito mais malefícios do que vantagens.

Alexia, intrigada com a reação abrupta da mentora, levantou-se, partilhando da curiosidade com Hector.

- Ouçam. - disse a bruxa, mantendo-se de costas. - Sei que estamos ficando sem tempo... Mas o modo como vamos seguir com essa única chance que nós temos... estou com medo. Não quero me sentir culpada novamente por um outro deslize.

Hector suspirara de olhos fechados, impaciente pela companheira ter remoído uma falha passada... e perdoada.

- Aquilo não passou de um mero acidente. - salientou o caçador, aproximando-se dela. - Só levarei em conta os riscos se me revelar como será o procedimento. Como esta pedra me tornará forte o bastante para enfrentar Abamanu? Afinal, seria muita tolice ataca-lo com algo que antes fazia parte dele. - argumentou.

Virando-se para o caçador, Eleonor transparecera a recomposição de sua tranquilidade, respirando com mais quietude desta vez.

- Quando um deus-quimera - disse ela, enfática. - age de modo a consumir energia, resíduos dela ficam impregnados no exato ponto onde ele irradiou com mais potência. Estes resíduos nada mais são do que réplicas da energia residual que torna cada deus único e capaz de usar suas habilidades.

- Espere um minuto. - disse Hector, erguendo levemente a mão esquerda, pensativo ao tentar processar a informação. - É fato que cada deus, incluindo quiméricos, possuem algum tipo de poder fixo que os faz serem capazes de usar seus poderes... Uma energia residual, transferível, mas não de um deus para outro... - andou para um canto da sala, refletindo profundamente com a mão no queixo.

Alexia o olhou estranho.

- Hector... Onde exatamente você quer chegar? - perguntou ela, confusa.

- Se Abamanu ainda tivesse sua energia residual, obviamente teria poder equivalente a de um deus de maior relevância, mas ele a perdeu antes de seu império vir a ruir. - disse o caçador, empolgando-se ao se voltar para as duas. - Nós dois sabemos disso, Alexia. Aquelas páginas arrancadas falam precisamente sobre elas.

- Mas, pelo que lembro, Charlie mencionou que se tratava de passagens sobre a filha de Abamanu...

- Pronto, aí está. - disse o caçador, andando até ela. - Não sabemos onde estão estas páginas, muito menos como especular sobre o que estava escrito nelas. O que temos de concreto é que Abamanu perdeu aquilo que o tornava equiparável aos outros deuses. Não apenas isso, mas também perdeu parte de sua capacidade de impor autoridade á seres que julga inferiores, como nós humanos por exemplo. - disse, logo estalando os dedos após um lampejo súbito. - Mesmo sem a energia, ele ainda consegue manipular algumas habilidades que restaram.  Muito provavelmente ele conseguia reger as fases da lua com esse poder, mas, claro, não o pode mais por ter perdido.

- Agora sim lembro. - disse Alexia, empertigando-se. - Luas cheias se tornaram muito frequentes nas últimas décadas.

- Verdade. - aquiesceu Hector com um meneio positivo de cabeça para a vidente. - Foi uma perda gradual. Mas voltando à questão da energia: Abamanu pode tê-la guardado na cripta junto a seus tesouros.

- Tesouros que na verdade pertencem à Yuga, eles os roubou como vingança e isto causou o estopim da guerra. - relembrou Alexia, cruzando os braços e pensando a respeito com o indicador no queixo.

- Bem lembrado. - disse Hector. - E o que sugiro é...

- Nem pensar. - ditou Eleonor, balançando a cabeça em negação, discordando veementemente da ideia proposta pelo caçador. - Trocar um risco por outro. Muito vantajoso, Hector. - ironizou ela.

- Bruxas também leram a versão traduzida da Bíblia de Abamanu? - questionou Hector.

- Alguns trechos eu já li. - confessou Eleonor. - Há algo secreto na cripta. Um segredo que acredito que até o próprio Abamanu sente calafrios só de pensar em alguém o descobrindo. Se é a energia residual... pelo que deu a entender aqueles trechos, pode ter sido modificada, tornando-se nociva à ele ou a qualquer ser que se apoderar dela.

- Sim, é verdade, Charlie havia mencionado esse tal segredo na cripta. - disse Alexia. - Mas não temos certeza...

- Se tivéssemos aquelas três páginas... - disse Hector, torando-se impaciente de novo. - Mas não é de todo ruim. Com a magia de teleporte podemos ir às Ruínas Cinzas e tentar abrir a cripta.

A bruxa parecera reprimir um riso zombeteiro ao ouvir aquele plano.

- Hector... - tentava encontrar palavras para encarar o otimismo desmedido do caçador. - Eu apoio sua confiança em si mesmo e nas suas intuições... mas o que disse agora é completamente absurdo. - afastara uma mecha do seu cabelo. - Nem mesmo Yuga, nem mesmo qualquer outro deus, pode abrir aquela cripta, quanto mais uma mortal como eu. - fuzilou-o com o olhar, aborrecida com a insistência do caçador.

- Uma "mortal" - gesticulara com os dedos para fazer aspas. -  que domina o nível mais elevado da bruxaria, imune à envelhecimento e supostamente imortal. - disse Hector, contrariando-a, a expressão séria.

- Imortal?! - disse Eleonor, sem conseguir prender o riso depois. - Só pode estar... Não, eu não acredito nisso. - andou alguns passos, rindo.

- Posso saber o que é tão engraçado? - indagou o caçador, incomodado com a reação da parceira.

- O que você disse... é... é tão... - erguera levemente um punho cerrado, tentando encontrar palavras. - ... nem sei como dizer. Jamais pensei que fosse tão ingênuo. Hector. - suspirara pesadamente. - Não possuo imortalidade! - irritou-se ela. - Aquela cripta possui um sistema de segurança de fazer inveja a qualquer penitenciária que existe pelo mundo, a qualquer prisão que existe nos confins da morada dos deuses. Talvez o melhor e definitivo já criado. Uma única intervenção, uma só tentativa de burlar e eu seria esmagada por uma magia que está fora do meu alcance. Bruxas são alguns dos seres humanos que podem conseguir contato mais efetivo com os deuses, apenas atrás dos magos do tempo, mas não páreas para eles. - fez uma pausa, respirando mais calmamente ao encarar o caçador com reprovação no olhar. - Resumindo: Não vou seguir sua ideia estúpida, não vou arriscar minha própria vida tentando abrir aquela cripta sem nem sabermos o que é o tal segredo. Acho muito difícil que Abamanu tenha deixado guardada sua energia debaixo da terra dos mortais. Tenho minhas teorias sobre o porque dele ter a perdido, mas prefiro me concentrar em arranjar um jeito de fazer você enfrenta-lo de igual para igual.

- Ao menos reconsidere usar a pedra Ônix. - implorou Alexia, mostrando-se disposta a ajudar.

- Existe um feitiço - começou Eleonor. - que faz com que a pedra possa ser absorvida pelo corpo de um ser humano forte o suficiente para suportar a grande carga de energia que está nela.

- Como é? - perguntou Hector, levantando uma sobrancelha, como se não houvesse entendido direito. - A pedra Ônix... dentro do meu corpo?

- Exato. - confirmou Eleonor, baixando um pouco a cabeça, ainda insatisfeita com os riscos. - Por isso tentei desistir desse plano. O único fator que impede de termos certeza absoluta se vai ou não dar certo é a sua licantropia, Hector. - olhou-o, transmitindo um ar preocupado. - Pode torna-lo instável. Sem controle de suas emoções, um ser humano que pensa ser forte se deixa levar por um poder que está além de seu domínio. Não sabemos... quais podem ser os efeitos colaterais. - aproximou-se de Hector, olhando-o no fundo de seus olhos. - Acho que me precipitei quando pensei que podia tomar essa decisão. Mas não, vou deixa-la com você, Hector. Preciso que seja honesto conosco. Você realmente quer mergulhar fundo nesse plano sem temer os riscos?

As considerações favoráveis ao uso da Ônix eram desproporcionais as da abertura da cripta na mente do caçador. "Resíduos de demonstrações de poder... equivalentes à escala de poder atual de Abamanu... dentro de mim.", pensou Hector, cabisbaixo por um instante ao ser dominado pelo temor ante ao risco de sofrer um sério dano irreversível. "Minha situação pode ser igualável a de Rosie: Um poder divino em um recipiente humano. Preciso arriscar. Mesmo que isso me transforme em algo pior do que um licantropo, irei para destruir aquele monstro de uma vez por todas.".

- E então, Hector? - perguntou Eleonor, ávida para saber da decisão. - O que vai ser?

- Eu aceito. - decidiu-se ele, assentindo positivamente. - Onde consegue-se essa pedra?

- Calma lá, mocinho. Um passo de cada vez. - disse Eleonor, indo em direção à porta. - Venha comigo, Alexia.

- Por que? Aonde vamos? - perguntou a vidente, desentendida.

- À biblioteca. - disse, abrindo a porta. - Você é uma aprendiz temporária e já sabe dominar magias de nível médio, então será de grande ajuda para o feitiço da troca de corpos.

Uma palpitação fizera Alexia quase engasgar-se com a saliva. A apreensão tomara conta da vidente.

- Mas... - gaguejou ela. - Não sei... Não estou preparada.

- Três horas de leitura sobre magia intermediária vai ajuda-la a se preparar. - garantiu a bruxa, com um sorriso condescendente. - Vamos. Explico melhor quando abrimos os livros. - mostrou os dedos indicador, médio e anular da mão direita. - Somente três horas. Em três horas vou ensina-la o que aprendi em três anos.

Engolindo em seco, a vidente encorajara-se a ceder ao desafio. Um sorriso involuntário deixou-se formar em seu semblante um tanto temeroso. Olhou de relance para Hector que sorrira de leve ao assentir para ela, em um contato visual que transmitira confiança e apoio sinceros.

- O que estamos esperando? - perguntou a vidente, correndo para a porta e saindo. - Vamos logo! - gritou do corredor.

Surpreendida e satisfeita, Eleonor fechara a porta rapidamente, deixando Hector sozinho para relaxar sua mente e aquietar suas emoções mais intensas em uma auto-terapia imposta pelo mesmo.

                                                                                        ***

Birmigham - 09h40.

Caminhando pelas últimas partes da floresta que precediam um espaço de vegetação média - um campo onde boa parte da grama atinge a altura dos joelhos -, Áker seguia em frente e esbanjando toda a determinação que desenvolveu em si para colocar em prática o plano forjado em conjunto com seus aliados insurgentes. O mordomo afro-descendente com smoking ora passava pelas sombras das mais altas árvores ora pelos fachos de luz solar que irrompiam dos galhos e folhagens. Sua visão de longo alcance detectara a proximidade da fábrica. "A chaminé ainda está em pleno funcionamento. Não há tanques, nem veículos, nenhuma maquinação dos mortais. Falta pouco e pelo visto cheguei no momento exato.".

Sua audição, contudo, captara sons inquietos de passos acelerados por todos os lados. Estacando, mantivera-se seriamente alerta, preparando-se para uma suposta emboscada. "Já esperava que fossem vir.".

De um grande arbusto surgiram dois furiosos soldados de Abamanu, rosnando ao empunhando suas lanças com pontas vermelhas e correndo na direção de Áker.

Utilizando-se de sua supervelocidade, o arauto desviara antes que um deles pudesse desferir um golpe. Correra velozmente por entre os dois, tomando a lança de um deles. O primeiro novamente tentara perfura-lo, mas o arauto usara a arma roubada para golpeá-lo no queixo com a outra ponta, depois virando-a e usando a ponta vermelha para crava-la na garganta do segundo que vinha para defender seu companheiro. O segundo assecla irradiara uma luz azulada pelos olhos e boca ao morrer e cair no chão. O primeiro pegara Áker pelos ombros e o lançara contra uma árvore. Sem sentir a dor do impacto das costas contra a madeira, o arauto levantara-se rapidamente, já visando o próximo movimento.

O soldado pegara sua lança de volta, atirando um raio vermelho de sua ponta principal. Áker, por instinto, desviara para a esquerda. A árvore fora atingida pelo ataque, sendo danificada por uma pequena explosão. Novamente superveloz, Áker empurrara o soldado contra uma rocha em grande choque. Rapidamente tomara a lança e transpassara a armadura do soldado ao cravar a lança em seu peito. Ao descravar e largar a arma, percebera as abruptas presenças de mais três vindo por trás.

Ao virar-se, lançou o terceiro telecineticamente contra uma árvore, mantendo-o neutralizado e desarmado graças à sua mente. Os outros dois vieram em seguida, enfezados e rosnando feito cães sedentos por carne. Áker segurara com as duas mãos a lança do terceiro quando o mesmo veio lhe golpear, usando a outra ponta para bater contra o olho esquerdo dele, em seguida tocando na armadura do quarto, superaquecendo-a em alta velocidade. Sem forças para nem mesmo mover-se, o soldado deixou-se consumir pelas chamas que formavam-se dentro de si incinerando-o de dentro para fora. Sua boca abriu-se com um urro de dor e iluminando-se com um irradiamento azulado, além de chamas de fogo fátuo terem crescido de seus olhos durante a dolorosa morte.

Após largar sua vítima, Áker, sem perceber, fora pego de surpresa pelo quinto soldado que agarrou-o para derruba-lo contra o chão. Ambos bolaram por segundos. Contudo, o arauto ficara por baixo, sentindo o hálito frio e podre da bocarra do lobo bípede que erguia uma mão para atacar com suas garras afiadas. Rangendo os dentes, Áker conseguira mover o braço direito, antes imobilizado pelo esquerdo do soldado, sendo capaz de queima-lo com seus poderes. Também agarrara o braço direito do soldado, queimando-o em seguida. Sentindo a dor das queimaduras em grau máximo, o soldado baixara sua guarda, dando à Áker a oportunidade de virar o jogo, ficando por cima dele.

Aproveitando a deixa e a vantagem, o arauto rapidamente sacara do bolso de trás sua espada dourada, logo cravando-a na cabeça de seu oponente. A luz azul irradiada iluminara seu rosto enquanto o matava.

Enquanto tirava o sangue da lâmina, limpando-a na barra do smoking, Áker caminhara em frente, acelerando os passos até ganhar supervelocidade... e finalmente se ver diante da fachada da fábrica de concreto sujo.

"Uma armadilha sabiamente elaborada. Ela contou com a chance de que eu seria parado por apenas cinco daqueles. Patético engano.", pensou o arauto, observando atentamente se havia movimentações suspeitas nas proximidades. "Os infectados são os únicos guardiões que devem fazer a vigília em torno fábrica, até onde eu sei. Não parece haver nenhum, não sinto suas presenças, a menos que estejam lá dentro... Sekhmet também não está no meu radar. E só existe uma coisa que me impede de encontrar meus alvos.". Fechou os olhos por alguns segundos. Quando os abriu, os mesmos estavam completamente brancos, fitando a fachada.

Aquela outra visão aprimorada de Áker lhe conferia a capacidade de enxergar através de objetos sólidos, com uma atmosfera sombria em preto e branco. As paredes cinzentas da fábrica mostraram marcações - sigilos inibidores - tanto do lado de fora quanto no interior da estrutura, posicionados organizadamente. Nos espaçamentos entre as marcações das paredes externas estavam as do interior.

"E eis o motivo pelo qual Sekhmet fugiu de minha vista. Exatamente como temi.", pensou Áker, não muito surpreso pela medida tomada de última hora pelos soldados a mando de seu imperador. "Estão por toda parte. Eles aprenderam e melhoraram as táticas. Uma estratégia para restringir o acesso de meus aliados que estão no pelotão que invadirá esta fábrica. Quando perceberem se sentirão intimidados e obrigados a recuar, correndo risco de se revelarem para os outros ou suas cascas sendo consideradas desertores. Pelo visto, o plano consistia em me parar na floresta, e enquanto eu estivesse neutralizado, eles iriam cuidar do restante, ativando os sigilos para pegarem meus aliados, seja por fora ou por dentro. Mihos não seria afetado, pois possui uma ótima discrição e provou que sabe driblar marcações, talvez consiga até mesmo apaga-las. Sendo assim, usarei isto como vantagem mesmo não aprovando a conduta dele, será mais fácil seguir. Provavelmente ela já está aí dentro. Muito bem, é hora de agir.".

Ao escutar longínquos sons rústicos produzidos por uma imensa horda de veículos militares se aproximando da estrutura, o arauto virara-se para contempla-los. Pesados tanques verde-escuro e carros com as cores do exército Britânico se aproximavam da área aberta onde a fábrica mostrava-se exposta, coberta, em sua boa parte, por vegetações de tamanho médio e gramas consideravelmente altas. Os pneus dos veículos em alta velocidade - com metralhadoras e equipamentos tecnológicos sofisticados na parte de cima - rasgavam o solo e a grama alta ao dirigirem-se à estrutura, vez ou outra passando por poças de lamas sem atolar.

Áker os fitava seriamente, exibindo toda sua corajosa perseverança em dar início ao plano. Apenas um detalhe adicional deveria ser tomado imediatamente. O arauto pusera seu emblema na palma de sua mão esquerda, antes que o campo de visão do pelotão militar detectasse sua presença.

- Irmãos, permaneçam alertas. - avisou o mensageiro, dando constantes olhadelas rápidas para o exército da máquina automotivas que se avizinhava. - Existem marcações em todos os compartimentos, tanto externas quanto internas. Tomem cuidado. - guardara o objeto no bolso do smoking após encerrar a mensagem.

O General, junto à alguns outros soldados, se encontrava dentro do tanque de melhor blindagem, maior envergadura e potencial armamentístico, cujo peso alcançava a marca de 85,2 toneladas, além de uma oscilante torre de artilharia capaz de girar 180 graus. No banco no qual estava sentado, aguardando o início da operação, Holt mantinha-se sério e paciente, passando os dedos pelo bigode grisalho.

Mihos - falso Heller - escutara o chamado do arauto atentamente ao lado de outros dois soldados que se entreolharam preocupados. O filho do imperador solar baixara a cabeça, dando um sorriso malicioso e discreto. "A primeira vez foi divertida. A segunda, ao que parece, será memorável!", pensou o deus, mal conseguindo segurar tamanha ansiedade. Olhara de soslaio para o Holt, a face maquiavélica. "E o senhor, General... não está descartado da lista. Você é o prato principal.".

                                                                                             ***

Naquele corredor cinzento e de paredes sujas de gosma preta respingada, Sekhmet manipulava telecineticamente seu emblema de Yuga a fim de detectar marcações invisíveis gravadas previamente pelos soldados de Abamanu. O pequeno amuleto pairava no ar feito um inseto alado, irradiando uma luz amarela. O tempo máximo que levava para executar uma detecção completa era de 20 segundos. Para a tranquilidade da deusa, haviam passado-se cerca de 2 minutos.

"Como imaginei. Jamais mentiriam para alguém com alto poder de persuasão e ameaça como eu.", pensou ela, deliciando-se com a ausência de marcações no corredor. Aquele fora o único ponto deixado "em branco" pelos asseclas de Abamanu, após terem sido coagidos por Sekhmet a deixarem aquele espaço reservado para que a deusa pudesse manifestar sua presença livremente, atraindo os aliados de Áker e o próprio até lá, instigando-os a invadirem o local mesmo que soubessem que as marcações externas impediriam-os de passaram das diversas entradas. Por fim, a teoria do arauto provara-se verdadeira. Rosie seria a única a entrar na fábrica, junto dos soldados do Exército Britânico sob seu comando - ao menos aqueles que não estiverem possuídos por soldados de Yuga e insurgentes aos ideais de Sekhmet, que certamente seriam neutralizados ao perceberem as marcações, sendo obrigados a ficarem do lado de fora e, consequentemente, levantando suspeitas dos demais.

Graças ao convencimento de última hora, Sekhmet teria tempo de sobra para pôr em prática seu ardiloso plano contra Rosie, sem intervenções, enquanto que Áker e seus aliados ficariam de mãos atadas esperando por más notícias no mais tardar. Por sorte, a deusa conseguira incutir seu instinto selvagem e ameaçador sobre os lobos, chegando a tempo antes que gravassem as últimas marcações.

A esposa de Yuga desativara a função do emblema, abrindo sua mão esquerda sem ergue-la, atraindo o objeto com telecinesia de volta ao seu poder.

- Resta-me esperar. - disse ela.

Antes que se virasse, escutara uma conhecida voz por trás de si.

- Muito bem, Sekhmet, já estou aqui. Vamos terminar logo com isso de uma vez.

Ao se virar, a deusa deixou formar um sorriso pretensioso e um olhar de ambição ao se deparar com Rosie em postura corajosa, se mostrando disposta a enfrenta-la ali mesmo.

- Ora, veja só. - animou-se a deusa. - Mais rápido do que presumi. Posso saber como soube que eu estava aqui?

- Isso não importa agora. - disse a jovem, sacando uma adaga e posicionando-se para lutar. - É bom que esteja pronta, mesmo que não seja do tipo que sabe perder. - dera um sorriso misterioso, realçado pelo seu olhar penetrante.

- Eu poderia estar rindo dessa sua atitude patética ante à mim, mas pretendo economizar energia. - disse ela, logo erguendo a mão direita ao esticar o braço. - Andei pensando bem sobre a maneira adequada para mata-la. - da palma de sua mão esquerda saíra uma pequena cruz de Ansata dourada, parecendo estar fixa nela. - Meu brasão finamente foi recarregado, posso drenar o poder de meu amado dentro de seu corpo sem a necessidade de mata-la antes.

- Como conseguiu sem que Yuga soubesse? - perguntou a jovem, adquirindo seriedade na face.

- Isso não importa agora. - retrucou ela, levantando uma sobrancelha com um cínico sorriso. - E é estranho que esteja curiosa. Percebo que se entregou ao seu destino. Ser massacrada por mim. Mas não se desespere, eu tenho certeza, eu posso lhe garantir que quando a energia residual for retirada... a ponta da minha espada mal causará dor à você, embora eu preferisse que seu grito fosse ouvido pelos hereges lá fora e sentissem o luto consumir seus corações até que enlouquecessem de desespero.

- Eu também andei pensando muito bem sobre minhas prioridades. - redarguiu Rosie, sorrindo com confiança na expressão. - Assumi que o que não me mata só me torna mais forte. Eu simplesmente amo esse poder. - fechara os olhos, lambendo os lábios em uma demonstração de prazer pela sensação que a energia lhe oferecia. - É a melhor coisa que já me aconteceu. O melhor presente que já me foi entregue. - abrira-os, fitando Sekhmet com um olhar provocativo. - Vou destruir Abamanu com seu marido em controle do meu corpo. Esse é o único jeito desta guerra terminar sem vítimas fatais.

- Não diga mais nenhuma palavra! - disse a deusa, revoltando-se e andando para um lado, mantendo o braço esticado e a palma da mão com o Ankh à mostra. Logo sacara sua faca dourada com a mão direita, tirando-a de um bolso de trás do sobretudo cinza.  - Cada infâmia criada por sua mente imperfeita e despejada da sua boca imunda serão cortes profundos na sua carne até que ela afunde em seu sangue.

Rosie dera uma risadinha zombeteira, excitando-se para o confronto, a adaga em posição de ataque.

- Então lhe darei o privilégio de atacar primeiro. - disse ela, sem medo. - Pode vir com tudo, sua deusa de merda.

 
                                                                                       CONTINUA...

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