Contos do Corvo #24



Rapidamente o coveiro se avizinhava, trazendo consigo a sua velha e enferrujada pá. O corvo logo percebera sua presença, após terminar de contar uma história para a pálida garota à sua frente.

- Oh, que pena, eu já acabei. O senhor perdeu. - disse o corvo, provocativo em relação ao fato do velho homem ouvir suas histórias forçadamente.

- Acha que vim por sua causa? - perguntou ele, a expressão ranzinza de sempre.

- Pensei que viera matar a saudade. - provocou o corvo novamente.

- Sim, é claro, senti muitas saudades, estava louco para revê-lo... - falou o coveiro, transbordando ironia, chegando próximo da menina.

- Mesmo? - indagou o corvo.

- Claro. - disse o coveiro, olhando-o. - Saudades de dizer: Vá se ferrar. - disparara.

O corvo fingira não ter se ofendido, parecendo pouco ligar.

- Por que veio tão apressado? - perguntou a menina, estranhando.

- Andei falando com seus responsáveis ultimamente. - declarou o coveiro, a expressão séria para a menina, visando informar sobre aquilo de modo a não assusta-la. - Eles... - olhou de relance para o corvo. Resolveu diminuir o tom, o mais baixo possível. - ... Eles irão vender a casa.

- O quê!? - alarmou-se ela, espantada. - Mas como? Por que? Não podem fazer isso!

- Claro que não. - disse o corvo. - Que feio deixar a própria sobrinha no olho da rua.

- Não, eu não fui expulsa... - esclareceu a menina.

O coveiro o encarou com desdém.

- Cala a boca. - disse ele, severo.

- Sabe o que isso significa, não é? - perguntou a menina, inconformada.

- Sim... - assentiu o coveiro, entristecido.

 - Só existe um significado pra mim. - intrometeu-se o corvo. - Mais uma história, só pra acalmar os ânimos.

- Não, chega de histórias por hoje. - disse o coveiro, impedindo-o. - Ela vai para casa. Precisa conversar sobre isso com eles.

- Virou o guarda-costas dela agora? - perguntou ele, implicante.

- Ah, vá se ferrar, ela não é obrigada a escutar suas baboseiras paranormais! - esbravejou o coveiro. - É bom ter aproveitado o bastante, pois nem pense em contar comigo se quiser continuar confabulando sobre essas histórias. Se ela for embora, você também deve ir. - decretou ele, sem dó.

- Daqui não alço voo. - determinou o corvo, resistente. - Não sou obrigado.

- Tem como calar sua voz na minha cabeça, afinal? - questionou o coveiro, ainda irritado.

- Mesmo que eu soubesse, eu não diria. - respondeu ele, petulante.

- Eu tenho essa pá, talvez ela me ajude a descobrir. - disse o coveiro, parecendo ameaçador.

- Não vou impedi-lo de tentar. - retrucou o corvo, subestimando-o.

- Ah, então quer ver, não é? - perguntou o coveiro, segurando firme sua pá e aproximando-se do corvo.

- Pode vir. - disse o corvo. - Mas já sabe que vai ter que prestar contas com o Instituto Protetor de Animais.

- Animais normais, idiota, não uma aberra...

- Chega!!! - gritara a menina, extremamente aborrecida com a discussão. - Já é péssimo saber que vou me mudar, mas não se compara a ver meus dois melhores amigos brigando por minha causa! - declarou ela, apartando. Virou-se para o corvo. - Tudo bem... Só mais uma.

- Ha, se ferrou velhote. - disse ele, comemorando. Voltou-se para a menina. - Não é uma despedida.

- Não cabe a mim decidir. - salientou a menina. - Mas é melhor começar logo, antes que eu mude de ideia.

O coveiro grunhira de raiva em baixo som, jogando a pá com raiva, frustrado por mais uma vez se sentir tentado a ouvir uma nova história - supostamente - presenciada pelo corvo.

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                                                                       MR. BLACK SMILE

Foi em Missouri, se me lembro bem. Tenho de confessar, eu achava graça naquelas mães preocupadas e desesperadas quanto a segurança dos filhos. O velho e manjado "Não fale com estranhos" começava a perder força e ser trocado pelo "Não encontre o Mr. Black Smile" (Senhor Sorriso Negro, em tradução livre, ou Senhor Sorriso Sombrio se preferirem). Era bastante comum observar crianças acompanhadas de seus pais em visitas esporádicas nas florestas. Porém, a partir do momento em que a lenda ganhou força pelas redondezas tornou-se obrigatoriedade os pais mudarem de ideia para um passeio em dias nebulosos.

Pois é, ele havia retornado... após exatos e longos 28 anos.

As pessoas que tiverem um contato mais próximo no passado o chamavam apenas de MBS. Depois dos desaparecimentos mais recentes, eles foram entrevistados por detetives particulares que atuavam no estudo dos casos desde as primeiras ocorrências. A cada depoimento um choque. Um deles, o qual não soube o nome, mas pude conferir a entrevista escondido, relatou que, quando tinha 8 anos, conseguiu interagir com o misterioso homem, o qual ele, na época, referia-se apenas como "O Homem Alto da Floresta". As descrições eram idênticas, todas elas. Um ser de formato humanoide, de estatura nunca vista em um humano antes, pernas e braços finos, corpo magro, mãos quase esqueléticas e enrugadas e uma cabeça redonda que estampava apenas um enorme e largo sorriso com dentes negros.

Contava-se que as aparições ocorriam sempre em visitações não muio movimentadas nas florestas e em dias nublados e com bastante névoa. Acho que os detetives pensaram o mesmo que eu. A neblina auxiliava o MBS a dificultar uma identificação por parte de sua vítima caso ela tentasse gravar sua aparência na memória.

O diferencial estava em um item estranho, citado pelas velhas testemunhas, os pais das vítimas recentes. O MBS, em todas as vezes nas quais era avistado, portava uma caixa de madeira com uma manivela. Uma caixa de música, aliás. Porém, um detalhe me chamou atenção. Sim, o cara que estava sendo entrevistado foi a primeira pessoa a interagir com a coisa. A caixa só foi mencionada pelas entrevistas posteriores, ou seja, as pessoas que avistaram o MBS após o primeiro caso ganhar repercussão na mídia acerca de um garoto ter tido contato com um "Extraterrestre" em uma floresta enevoada e conseguir ter sobrevivido para contar, mas o pirralho nunca se pronunciou publicamente por decisão dos pais em manter sua imagem preservada.

Já as testemunhas que vieram depois nunca tiveram o "privilégio" de serem miradas por lentes de câmeras e máquinas fotográficas da imprensa sensacionalista. Quando crianças, ouviam uma melodia lenta e agradável ressoar pela floresta. Quanto mais se aproximavam, mais sentiam-se influenciadas pelo som de origem misteriosa. Pura e inocentemente seguiam a música calma e estimulante.

E então, quando enfim encontravam o que procuravam, deparavam-se com uma figura bastante alta, magra e com um rosto sem olhos e nem um nariz, apenas um sorriso de dentes totalmente pretos, girando a manivela de uma caixa de madeira.

Sua pele era branca acinzentada, de acordo com alguns relatos, mas este é o único detalhe que não parece se igualar nas descrições, pois alguns diziam notar tonalidades que variavam entre o branco e o cinza escurecido, e, portanto, não era possível definir uma tonalidade única.

Não houve um segundo encontro, para nenhum deles, devido às ordens dos pais.

Contudo, as vítimas da "segunda leva" reagiram de modo... diferente - na falta de um termo que qualifique melhor a situação delas. Afinal, foram 28 anos. Tempo pra caramba.

Elas estiveram desaparecidas por exatos 28 dias. O suficiente para eu notar um estranho padrão.

Elas voltavam sem lembranças de quem eram, do que viveram e de quem eram seus pais. E todas elas traziam fotos em preto e branco... que mostravam seus rostos completamente diferentes. Os olhos estavam pretos, pareciam ter sido arrancados e seus sorrisos estavam mais... largos do que de costume.

O que o MBS planejou para 28 dias no passado e não conseguiu... ele esperou 28 anos para realiza-lo.

Se alimenta de... sorrisos? Não... muito vago. Por que crianças? Ora, são energias jovens. O que explicaria as fotos? A tal caixa, talvez. Pode não ser só uma simples caixa de música movida a manivela, mas uma máquina fotográfica também - por mais absurdo que pareça.

Os pais ficaram aflitos. Suas crianças voltaram sabe-se lá de onde sem nenhuma lembrança. Os reencontros foram acontecendo gradualmente, em grandes intervalos, pois, geralmente, pessoas bem informadas as encontravam perambulando pelas ruas e ligavam direto para os números de contatos.

Após aquilo tudo, o MBS poderia esperar por mais 28 anos para consumir mais memórias na próxima grande refeição. 

E os pais, mais preocupados do que nunca com a segurança de seus filhos, orientavam outros a nunca deixarem crianças andarilharem desacompanhadas em florestas para afasta-las da criatura que lá se esconde... principalmente em dias que o brilho do sol dá um descanso.







*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos ou intenções relativas a ferir direitos autorais. 



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