Capuz Vermelho #43: "Guiados pela Ira"


"O passado pode vir de encontro à você a qualquer momento, seja bom ou ruim."

                                                                   Trecho do Segundo Diário de Rosie Campbell; Pág 05.

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Bradford, Cemitério Local de Hockville, Salem 

As nuvens sombrias de um azul escuro seguiam revoltas despontando raios, trovões e relâmpagos a todo minuto naquela região praticamente deserta em plena madrugada. Os clarões banhavam as partes gramadas do cemitério e as lápides, mas, sobretudo, iluminavam uma figura vultuosa de vestes negras que aproximava-se. Seu curto cabelo loiro tinha um penteado que a ventania mal desgrenhava.

Retirou do bolso um objeto desconhecido parecido com um medalhão, sendo prateado. Nele havia uma linha circular aberta e ao fundo alguns símbolos talhados em pequenos círculos do tamanho de uma moeda. No centro existia uma espécie de botão. Pressionou-o e as "moedas" giravam. A que ficasse no topo seria escolhida. Soltou o polegar e surgiu o símbolo certo. Ele apontou para o solo, dizendo algumas palavras:

- Hic jacet in sigillum. - o objeto brilhava em laranja, tal como o símbolo que estava sendo gravado na terra.


Em seguida, com semblante duro, ele esticou a mão direita ao símbolo, logo recitando:

- Dux magnus infernale, qui consurgunt adversum eum in hoc loco infunde, ut magnificaret eum. 

Uma rachadura diagonal cortara o sigilo bem rápido. Mais outra. Depois outras. Até enfim abrir-se.

A luz alaranjada refulgiu de baixo à cima, estimulando um sorriso no rapaz. Da abertura flutuava um ser opulento de armadura vermelha e emanando fogo. O homem ajoelhou-se.

- Finalmente! Para que caminhe nesta terra, eu o satisfarei... com minha vida. - sacou uma adaga.

- Tem o que preciso? - perguntou ele, a voz soturna, tirando seu elmo e revelando sua real face.

- Sim. Quando eu terminar minha missão, você saberá onde acha-lo. - disse ele, visualizando a lâmina apontado ao peito. A cravou fundo, sem dó, caindo para o lado depois.

Distante dali, um atordoado híbrido gritava com as mãos na cabeça em seu cárcere metálico.

- Faz isso parar! - disse Mollock, logo se apoiando na parede - Essa... essa maldita sensação me tortura há dias. Agora foi mais forte... parece que uma grande comporta foi destrancada. Algo que minha outra metade rejeita covardemente. Por que? - se perguntou, rosnando furiosamente.

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CAPÍTULO 43: GUIADOS PELA IRA


Os olhos encharcados de lágrimas e desesperados da mulher fitavam a multidão fervorosa com seu escrutínio verbal em palavras humilhantes e escatológicas. Estava amarrada num tronco gasto de madeira e debatendo-se contidamente.

Sob um céu totalmente nublado - que fazia cair uma garoa -, uma sentença de morte estava prestes a ser decretada em nome da população geral. O mediador, um rapaz de cabelos castanhos meio desgrenhados, acendia uma tocha e a ergueu.

- Não, por favor, eu posso provar... que está errado, todos estão errados! Eu não fiz nada! - gritava a mulher.

- Calada! - bradou ele, autoritário - Deixa-la pagar a sua dívida com a sociedade como expiação não é bem nosso protocolo. Só há uma punição a ser cumprida para escórias da sua laia.

- Não, não... - ela chorava copiosamente - Por favor, por tudo que é mais sagrado...

- Quem é você para falar de sagrado? - indagou ele, franzindo a testa - Mancham a riqueza histórica desta cidade há décadas, forjam suas tramoias maquiavélicas e egoístas, apodrecem nossas gerações... Reconheça seu lugar, bruxa. A justiça do verdadeiro sagrado nunca há de falhar contra o profano.

Ele abaixara a tocha em labaredas ao monte de carvão sob o tronco. Porém, ouriçou-se a uma confusão atrás dele fazendo-o se virar e deparar com um homem de sobretudo de couro marrom escuro, meio trôpego por ter sido empurrado, talvez socado pelos julgadores, afinal estava limpando sangue de sua boca.

- O que está fazendo passa longe... de justiça. - disse Hector.

- Quem o deixou se intrometer? - perguntou ele, irritado - Quem foi? - esbravejara. Todos silenciaram - Muito bem, forasteiro. Posso fazê-lo se juntar à ela se continuar importunando.

- Não vou apelar pra violência. Só quero que me escute atentamente. Esta mulher é inocente. - apontou com veemência à moça.

- Com que direito você vem aqui e me contrariar achando que pode bancar o herói?

- Direito talvez não, eu chamaria de... instinto moral. Empatia. - aproximou-se dele, desafiadoramente - E, principalmente, senso de justiça. Deveriam aprender com a história e não repeti-la.

Num instante silencioso, o homem rira para si e comedido. Entregou a tocha a um companheiro e, alguns segundos depois, desferira um soco potente contra Hector que derrubou-se.

- Sabe o nome dela? Hein? Sabe o nome dela? - o chutou no rosto duas vezes o fazendo bolar.

- Victoria Blanter. - disse o caçador, tentando levantar.

- Pergunta retórica! - disse ele, agarrando-o e o batendo mais. A multidão aplaudia em torcida.

Alguns quilômetros dali, uma jovem caucasiana de lisos cabelos pretos, usando um vestido preto azulado que ia até os joelhos, saía de sua casa devagar como se estivesse fugindo de um castigo. Caminhou por umas ruas meio estreitas e movimentadas de Hockville. Seu olhar congelou e sua percepção de tempo também surtira mesmo efeito. Ela reconheceria aquele branco rosto com aqueles olhos azuis de lápis-lazuli em qualquer canto. Veio um sorrisinho automático.

Rosie conversava com uma das testemunhas que dizem ter visto uma alazão negro da fazenda Medanton escapando do estábulo e o que para muitos aquilo significava.

- Rosie? - perguntou a garota, retraída ao interromper.

A jovem encapuzada sentiu a garganta secar tamanha a surpresa.

- Na-não... Não acredito. Mas... é você... é você é mesmo? Hannah? - deixou formar um sorriso.

Ela assentiu, mal contendo-se. Ambas abraçaram-se fortemente, dizendo a típica frase "há quanto tempo".

- Err... Acho que vou indo. - disse o homem - Até mais.

Enquanto isso, Hector ainda permanecia sendo surrado por um neo-inquisidor metido à besta.

- Não vai fazer nada? Covarde! - dizia o mediador, zombante.

- Esse é o plano. - avisou Hector, sorrindo com os dentes sujos de sangue. Atrás deles uma dupla contratada pelo caçador desamarrava a mulher. O combate apenas era uma distração à parcela mais irada. Alguns perceberam e alardearam intensamente, outros até correram para impedir.

- Então é isso?! Que justiça a sua, hein! - disse o mediador, furioso, agredindo-o novamente.

Paralelamente, Rosie e Hannah caminhavam tranquilamente, ávidas pela nostalgia.

- Então você resolveu seguir carreira investigativa. - disse Hannah - Não vou mentir: que inveja.

- Lembra de quando a professora Helga nos passou uma tarefa para desenharmos o que queríamos ser quando crescêssemos? - perguntou Rosie, alegre ao rever a amiga. - Não lembro do meu, acho que minha avó jogou fora, mas do seu...

- Eu queria ser uma pregadora religiosa. - disse ela, desalentando-se - Todos riram de mim, mas você estava lá e isso ajudou, era a única que compreendia... tudo o que eu suportava com a pressão dos meus pais.

- E ainda suporta? - perguntou Rosie, compadecendo-se dela.

- Só sinto que a cada dia eles ficam piores.

Um homem afoito abordara-as como se estivesse para dar más notícias.

- É a detetive que veio com o cara de sobretudo, né?

- Sim... O que aconteceu? Onde ele está?

- Levando uma bela surra do maluco do Malcom. Foi por um triz. Se seu parceiro não tivesse chegado na hora, aquela mulher ia virar churrasco.

- Essa não. - Hannah ficara apreensiva. - Malcom... não pode ser.

- O quê? Você o conhece? - perguntou Rosie.

- Se conheço? - disse ela, correndo ao seguir sua audição para detectar a origem da gritaria, logo sendo seguida por Rosie que pedia para espera-la.

                                                                                        ***

Uma grossa compressa de gelo caíra sobre o colo de Hector. O caçador foi levado a um ambulatório nos fundos de uma farmácia e lá ficara a sós com Rosie e sua grande amiga de longa data, Hannah Lewis. Ele a encarava sem acreditar.

- Irmão? - olhou para o gelo - Não preciso, estou bem. - largou-o.

- Pela sua expressão, não. - disse Hannah - O Malcom é meu irmão de criação, ele foi adotado numa época em que meus pais achavam que eram estéreis. E ele te deixou bem machucado...

- Já disse que estou bem. - insistiu Hector, logo aparentando desconforto ao tocar num hematoma. Rosie suspirou longamente, preocupada e intrigada. O caçador olhou para os dedos. Ainda sangrava. - Não estou entendendo...

- Ahn... Hannah, o Hector... ele... - disse Rosie, hesitante. - Não sei como dizer, tenta você.

- Sou um licantropo. - disparou ele, sem medo. Hannah olhou ambos com estranheza máxima. - Estas feridas aqui deviam ter desaparecido 5 segundos depois de cada golpe do Malcom.

- Ma-mas... - Hannah gaguejava, perplexa - Não dá pra entender. Por que está andando com ele?

- É uma longa história. - disseram Rosie e Hector em uníssono.

O caçador levantou-se com determinação. Por outro lado, Hannah recuou um passo.

- Por acaso vai esperar anoitecer pra se recuperar? A lua vai estar cheia.

- Não. Vou provar à você que estou sob absoluto controle. Depois de dois dolorosos anos de experiência. Mas aqui estou eu, vivo, para coexistir com os não-contaminados e levar uma vida o mais humana possível. Vou mostra-la. - abrira a boca para deixar crescer as presas. Não sentiu o arrepio inicial de quando os pelos aumentam, nem as garras afiando. Rosie arqueou as sobrancelhas. - Não consigo... - forçou um pouco - Algo está errado, eu... Hannah, eu juro, posso me transformar à luz do dia...

- É verdade. - disse Rosie, assentindo para a amiga. - Por que não está dando certo? A cidade tem algum bloqueio sobrenatural? Afinal, Salem é marcada pela perseguição às bruxas.

- Nem sempre tem. - disse Hannah, séria - De tempos em tempos, coisas estranhas ocorrem. Um cavalo foge, chove toda manhã, as pessoas ficam estressadas de um jeito... agressivo. Meus pais uma vez me contaram que estes são sinais da besta.

- Seus pais são fanáticos e controladores, não pode confiar neles. - disse Rosie.

- Sei disso, mas numa pequena parte eles estão certos. Provavelmente há um demônio espalhando alguma magia negra que está afetando a cidade, além de bloquear outras coisas estranhas e assustadoras...

- Como eu, por exemplo. - disse Hector, queixando-se dos machucados.

- O homem que foi achado morto no cemitério - ressaltou Rosie - tinha uma adaga com suas digitais. Ele se suicidou. Um lugar bem peculiar pra se escolher a hora da própria morte.

- Deve ser um sacrifício. - apontou Hannah - Um ritual de pagamento. Eu também vou investigar.

- Espere, Hannah. - disse Hector - Caso os seus pais estejam envolvidos, aconselho você a se manter isolada. Não sabemos que tipo de demônio está favorecendo essa nova inquisição.

- Não, eu tenho meus recursos, sei me virar. - garantiu ela - Olha, não se preocupem comigo. Somente... confiem em mim. Quero muito ajudar.

A dupla do DECASO se entreolhou com seriedade e um pouco de relutância compartilhada.

Eles não tinham muita escolha. Mas a questão era: Hannah podia seguir rastros sem se ferir?

                                                                                         ***

Mais tarde, durante a noite, uma acalorada reunião da facção neo-inquisidora ocorria veladamente em uma taverna cedida por um proprietário e barman subornado por Malcom. O líder e mediador dos tribunais em praça pública proferia em oratória envolvente o seu discurso de ódio à bruxaria.

O local estava repleto de velas cerimoniais e Malcom discursava em pé sobre o balcão.

- Este que vos fala tem uma direção a traçar. Precisamos expandir nossas forças com mais... brutalidade. Retribuirmos o dobro do que essas bruxas nos fazem sofrer. Sabem... eu tenho uma irmã, muito impertinente, mas... eu a amo. Eu gostaria de te-la conosco aqui. Mas ontem descobri a razão pela qual ela rejeitou a minha nobre proposta de irmos à luta juntos. Achava que ela se importava com a segurança e o bem-estar da cidade, porém... não passa de uma decepção. A vi saindo da capela cuja a maior marca histórica é o sangue renegador. Lá é o esconderijo potencial para bruxas remanescentes. Eu me pergunto se há uma ou mais delas entre vocês, meus irmãos! - apontou para o público - Mas fomentar desconfiança agora só vai nos atrapalhar. Procurem locais. Bares, casas desocupadas, igrejas abandonadas, tudo. Quando os vestígios ficarem claros, me avisem... e darei a ordem para invadirmos um por um... até não sobrar nada. Infelizmente, minha irmã irá pagar. Talvez ela quem lidere-as. Elas podem contra-atacar, mas nossa fé é mais forte porque o altíssimo sagrado está e sempre estará ao nosso lado!

No meio da multidão que ovacionava-o, Hannah, trajando um manto marrom disfarçada, reagiu com choque ao pronunciamento, logo saindo devagar para não levantar suspeitas.

Chegara em casa pela janela do quarto, não perdendo ao tempo ao tirar uma mala do guarda-roupa e ir tirando e colocando peça por peça. "Hector e Rosie vão me desculpar, mas... não posso ficar mais um minuto pensando no banho de sangue que vai acontecer e com meu nome no topo da lista.Só me resta uma opção.".

Na cozinha, sem sentir a presença de Hannah, Rosie olhava tranquilamente as fotos de álbum da escola. A sua paz durou pouco com a chegada repentina dos pais de Hannah.

- Ei, quem é você, menina? - perguntou a mãe, ríspida. A mulher tinha a mesma cor de cabelo da filha, mas o rosto era menos fino. O pai veio atrás. - Frank, não chegue perto. Ela pode ser perigosa.

- Saia da nossa casa imediatamente! - ordenou ele, sacando um crucifixo.

- Esperem, por favor, me ouçam. E-eu não sou uma invasora... - Rosie fechara rápido o álbum, mas uma foto minúscula caiu e foi aproveitada - Reconhecem esta menina ao lado da sua filha? - ambos estreitaram os olhos. - Época do primário. Hoje eu pude revê-la depois de tanto tempo. Nós entramos, vocês não tinham voltado e ela saiu me deixando sozinha. Acreditem, por favor.

- A foto está desbotada. - implicou a mãe.

- E suas roupas, mocinha, são muito rebeldes. - disse o pai, expressando nojo. - Nossa filha não tem amizade com estranhos. Vamos, fora daqui!

- O que estão pensando? Que sou uma bruxa?

- Este colar dourado que usa. - apontou a mãe - Claramente um artefato de magia, veja Frank... Não é de se admirar que perambule com essas vestes por aí. Seus pais nunca te disseram não?

- Não tiveram a oportunidade já que morreram no mesmo dia que nasci. - respondeu Rosie.

Com o ouvido colado na porta, Hannah escutava, apreensiva. "Rosie, está perdendo seu tempo. Eles não vão ceder, sai logo daí antes que cometam uma loucura."

- Se estivessem vivos imagino o imenso desprazer, o desgosto e a decepção de ter esperado nove meses por uma filha tão imprudente, que xereta a vida de pessoas que não se importam com ela e...

- Já chega! - vociferou Rosie, no limite. Arrancou o colar e entregou-o - Toma. Se essa é a garantia de que eu possa sair em paz, então pode ficar. Não ligo. - andou entre eles, saindo - Admiro a Hannah pela paciência que ela tem pra aguentar vocês.

A jovem encapuzada saíra batendo a porta ao fechar, ouvindo o falatório abafado do casal. "Filha submissa, pais idiotas... Tivemos vidas diferentes, mas no azar deu na mesma.".

A ida até a floresta serviria para esfriar a cabeça, mas a brisa soprou forte até demais.

- O quê? Mas o que é isso? - se perguntou, o vento esvoaçando sua capa vermelha e levantando poeira. Ela ficou olhando ao redor. Entreviu uma labareda distante que tornou-se um rastro de fogo vindo na sua direção e que, no fim, cercou-a até elevar-se como uma redoma flamejante. Tensa, não sabia o que fazer.

Inesperadamente, uma figura sombria irrompeu das chamas cavalgando em um alazão negro de olhos vermelhos brilhantes. Gritando e protegendo-se com os braços, Rosie acabou sendo jogada em alguns metros e rolar no solo. Sentiu como se uma onda de energia tivesse atravessado-a.

Ao recobrar a orientação, não viu nada, nem mesmo um ferimento.

                                                                                     ***

Em uma rua parcialmente deserta, Hector e um xerife conversavam sob a luz de um poste a respeito dos atos de crueldade contra supostas bruxas exibidos ao público. O homem da lei tinha um destacante bigode acastanhado e uma face limpa com olhos meio apertados, além da cabeça quase calva. Sua jaqueta era da mesma cor do sobretudo de Hector como peça exclusiva do ofício.

- Se tiver um conhecimento básico de história, vai entender porque esses atos nunca são impedidos.

- Inquisições nem sempre tomavam como alvos mulheres condenadas por bruxaria, mas traidores ao preceitos da igreja. - disse Hector - Aqui ficou conhecido como Bruxas de Salem, um episódio histórico e jamais esquecido ocorrido no século XVII. O que acha?

- É, foi um bom resumo. Mas deixe-me lhe dizer uma coisa curiosa... - aproximou-se do caçador para falar mais reservadamente - Na última calamidade, o prefeito criou um decreto-lei que permitia a prática de retaliação violenta contra falsos profetas, hereges e, claro, especialmente bruxas, sem que as provas sejam expostas à justiça, o povo tem o poder do julgamento independente das leis originais. Ele vigora até hoje e quem se opor à lei é penalizado à morte. Mas graças a uma lei maior, a da liberdade de expressão, podemos ver vários livros de quem acha essa ideia radical demais para os padrões atuais. Há informantes que dizem que o grupo inquisidor tem uma espécie de base de reuniões em um barzinho vagabundo. - deu de ombros - Não sei o que diabos veem naquela capela que eles querem invadir faz semanas. Está abandonada há anos e anos. Mas nunca tive coragem de entrar... ninguém teve, até onde eu sei.

- Por que? - indagou Hector, suspeitoso - O que aconteceu na última vez que a cidade foi tomada por essa onda de... - olhou em volta - ... ódio e violência como sacrifícios em nome de um deus?

- Não foi na última calamidade. Foi há três séculos. 1752, pra ser exato. Não quero acreditar que é só história da carochinha. Mas tem algo naquela capela... que amedronta a todos.

A visão periférica de Hector o atraiu para a vista de uma garota de fisionomia conhecida caminhando a largos passos. Despediu-se do xerife e correu ao encontro dela.

- Hannah! - chamara. Ela virou o rosto, apressando o passo. - Espere! Hannah...

A perseguição chegou ao ponto final da cidade, não muito longe donde estavam. A famosa placa de "Você está deixando Salem, Meridoth à 20 km" estava ali.

- Aonde pensa que vai com essa mala?

- Não é óbvio? Dar o fora daqui já que minha cabeça está a prêmio. Hector, o meu irmão, o Malcom...  Sou uma infiltrada nas reuniões. Ele sabe que entro escondida na capela.

- Agora eu também sei e não escondo minha surpresa. - disse Hector, levantando uma sobrancelha - Estava agora à pouco falando sobre exatamente isso com o xerife. Ele não quis me contar que tragédia tão assustadora ocorreu em 1752 por medo de reprises ruins, algo como memórias de pesadelos recorrentes. Mas agora é sobre você, Hannah... Nós estamos aqui, vamos protege-la.

- Não, não podem. Eles são muitos. Não quero ninguém se ferindo por minha causa. Todos estão agindo assim sob influência demoníaca. Agora é tarde, não posso entrar mais lá e pesquisar. Olha... eu preciso ir, não dá pra te falar toda a verdade, me desculpa... - ela foi recuando, logo virando-se.

- Hannah, por favor, ouça...

A garota não deu mais que três passos. De repente, viu seu corpo ser barrado por uma parede invisível. Ela bateu com uma mão. Depois outra vez, mais forte. Hector franziu o cenho.

- Não pode ser... eu não consigo... não consigo passar! - desesperou-se ela, socando a barreira invisível com raiva. Hector ultrapassou o limite e nada ocorreu. - É o demônio. Tenho certeza. Eu sou o próximo sacrifício.... - de súbito uma descarga de visões horrendas invadiu sua mente, fazendo-a gritar. Um ser sombrio lhe dizendo sussurros como "24 horas até a grande hora" e "revolução do caos" em tom profético.

- Hannah, o que está sentindo? - perguntou Hector, preocupado.

- Precisamos achar... a Rosie. - disse ela, recompondo-se. - Deixei ela na minha casa vendo umas fotos, e quando voltei pra fazer a mala meus pais chegaram e discutiram com ela... praticamente a expulsaram. Nós vamos à capela. Agora.

- Tudo bem, iremos. Mas diga-me... O que foi isso?

- O demônio me avisou que eu tenho 24 horas até estar sob controle dele. Eu me vi... derramando sangue de inocentes. Sem dó. Sem culpa.

                                                                                    ***

O xerife resolveu naquela noite engolir seus medos e colocar a apuração de trabalho em primeiro plano. O facho da sua lanterna rasgou a escuridão por um corredor da capela. Havia resquícios de sangue seco respingado nas paredes decrépitas. Ele se guiou pelo odor de carniça que o levou à uma porta cuja fechadura a ferrugem tratou de deteriorar.

Abrira-a e logo tapou as narinas com o antebraço esquerdo, recuando o corpo. Naquele compartimento pequeno, corpos putrefatos e ossadas, alguns recentes outros nem tanto.

Um vento soprou por outra porta, chamando sua atenção. A porta abriu-se, revelando a escuridão do recinto antes do ar puxa-lo pelas pernas e aprisiona-lo lá dentro. Seu grito de horror cortou com o fechar bruto da porta.

                                                                                     ***

Poucas horas depois da bisbilhotação mal-sucedida do xerife, Rosie, Hector e Hannah adentraram na capela. A dupla seguiu a jovem até uma sala onde se realizavam batismos. Não haviam portas ou janelas, portanto o risco de alguém ser pego em flagrante era considerável pela distância do corredor principal ao recinto. Hannah jogou um pesado livro sobre a mesa de pedra. Hector soltou um pequeno arquejo de surpresa.

- Mas esse é o... - olhou pra ela meio incrédulo - O Goétia?

- Uma velha cópia, mas o conteúdo é 100% legítimo. - disse ela, abrindo-o e folheando-o. - É por isso que venho aqui todas as noites, para estuda-lo, disseca-lo e entende-lo.

- Então é verdade, Hannah? - perguntou Rosie, preocupada - Realmente está mexendo com a bruxaria e logo com esse livro? Não quero te julgar, mas...

- Rosie, entenda, por favor. Como minha grande amiga, deve compreender meus motivos, é o mínimo que pode fazer por mim numa hora dessas. Os meus pais... você sabe, não me dão privacidade, eles põem uma coleira em mim todo santo dia. Levar esse livro era arriscado. Eu podia ser condenada a fogueira nessas circunstâncias. Só quis saber mais do que motivou o sacrifício... que ocorreu bem aqui nesta mesa. - disse ela, deixando-os arrepiados. - Percebem as marcas de sangue? São de três séculos atrás. 1752. - folheou mais rápido - Isso. É ele.

- Ele quem? Esse sacrifício tem algo a ver com o que estamos lidando? - perguntou Rosie.

- Hannah. - disse Hector - Melhor agirmos rápido. Pelo que absorvi do Malcom, ele parece ser bem imprevisível. Se duvidar, pode estar encaminhando um exército até aqui. Ele flagrou você na capela, obviamente sabe o horário que você frequenta.

- E estamos no horário. Um risco que estou disposta a correr. - mostrou o livro - Berith, o Grande Duque do submundo. Ele é o demônio que vem aqui de século em século pra se alimentar do ódio dos humanos e usa-lo pra criar novos demônios pra sua legião. Na primeira vez, ele possuiu uma das freiras do convento, mas possessão de verdade, não só controle mental. E desde então ele marcou Salem como seu refeitório favorito pela alta concentração de ódio que a população religiosa sentia das bruxas.

- E quanto ao sacrifício? O que houve às freiras? - perguntou Rosie.

- Uma bruxa real foi capturada e levada até a mesa e fizeram ela beber do sangue de Berith. A freira usou um punhal e cortou um dos seus pulsos e derramou seu sangue na boca da bruxa que foi amarrada de todos os lados.

- Mas o que explica o que Berith falou à você nas visões? - questionou Hector.

- O fato dessa antiga bruxa... ironicamente ser da minha linhagem. - disparou Hannah, espantando-os. - A obscuridade de Berith... carregada no sangue por gerações. E está em mim. Minha mãe e meu pai podem estar encabeçando a facção e deixaram Malcom no comando. É exatamente o contrário. Agora eu quem devo ditar os rumos para o próximo sacrifício. Berith disse que meu ódio é a abundância.

- Nós vamos impedi-lo, custe o que custar. - disse Hector, confiante - Não deixaremos que ele arraste você para o lado sombrio. Que você se torne algo que nunca quis ser.

- Err... Quando saí da casa de Hannah, depois dos pais dela me aborrecerem... Eu fui atacada, provavelmente por Berith. - disse Rosie.

- O quê? - disseram em uníssono Hector e Hannah.

- Começou com um rastro de fogo na minha direção e me cercou até se fechar numa espécie de prisão. Depois surgiu um monstro de olhos amarelos galopando num cavalo negro e fui jogada no chão e quando me levantei não havia nada. A primeira coisa que pensei foi nada mais que uma ilusão.

- Ele não provoca ilusões. - avisou Hannah - É ousado e persistente. Tentou te afetar. Hector é imune porque é sobrenatural, mesmo bloqueado. Mas você é humana, como não funcionou?

Hector já tinha um palpite certo.

- Isso também é uma longa história.

- Quero saber de todas as histórias longas de vocês, a menos que passem mais alguns dias. - ela deu um sorriso de canto - Tô brincando. E eu não devia estar feliz, mas sim preocupada.

- Não devia estar. - falou Rosie chegando perto - Está conosco, afinal. Deixa que a gente resolve esse abacaxi. Acredite, já encaramos coisas bem piores.

- Não tiro a razão dela. - disse Hector.

- Bem, isso dá um ponto a favor da curiosidade. Quando isso acabar, façam um resumo... ou escrevam um livro, eu adoraria.

No lado de fora, um suntuoso cavalo negro corria próximo à capela como se demarcasse território.

                                                                                   ***

Hockville - 08h45 

Os passos de Hector no solo molhado e com poças cheias e pouco distantes umas das outras se apressavam à medida que seus olhos analisavam o tom da aglomeração próxima à capela.

Havia pelo menos uns três carros da polícia estacionados atrás da multidão de curiosos.

O caçador fora movido urgentemente pela manchete que estampava a primeira página do jornal: "Xerife Nascher desaparecido sem vestígios". Com sua memória fotográfica, Hector, na noite passada, pegara o nome dele através do broche na jaqueta.

- Olá, sou detetive especial do DECASO, o senhor deve conhecer... - disse, abordando um policial.

- Sim, sim, DECASO, alguém chamado Derek Marshal ligou pra nossa central avisando. Você deve ser o Hector. - apontou com o polegar para trás - O xerife tá morto. - apresentou um relatório preliminar - É terrível... Foi como se cada fluido vital do seu corpo tivesse sido drenado até os ossos. Alguma coisa transformou ele numa múmia ressecada. E espero que isso não vire um apelido. Desculpe, ninguém gostava muito dele. Era um babaca que largava o serviço pra transar com qualquer uma por aí.

Hector o olhou estranho.

- Não está insinuando que ele mereceu esse fim, está?

- Meu trabalho com você acabou. - desconversou ele, saindo - O resto é com vocês. - deu um tapinha no ombro do caçador.

Um homem exaltado bradou ao povo segurando uma pedra com inscrições.

- Vejam! É uma prova cabal! Podem não reconhecer estes símbolos, mas acreditam na origem deles! Estava com o xerife, dentro da jaqueta dele! As bruxas! As malditas estão retaliando e sequer a última capturada foi morta! Não importa, qualquer movimento nosso basta para que revidem pior. O xerife foi enfeitiçado! Onde está nosso líder quando mais precisamos? Foi se esconder no seu santuário particular? Elas queriam guerra e conseguiram! - as pessoas urraram em concordância. O homem jogara a pedra na parede, destruindo-a.

Hector notou algo estranho naquilo e saíra ao encontro de Rosie.

Mas antes tinha passado na casa de Hannah e seus pais para checar. Ele achara Rosie numa banca de jornal lendo as notícias. Ao vê-lo, abandonara o local para alcança-lo.

- Parece alarmado. O que houve? - ergueu uma mão - Já sei do xerife. Liguei pra casa da Hannah do hotel mas ninguém atende. Deve imaginar minha reação.

- Estava voltando de lá. Não tem ninguém em casa, as portas e janelas foram lacradas com tábuas, dentro e fora, mas não foi difícil perceber. Só faltava colocarem um placa de Vende-se.

- A Hannah suspeitava dos pais dela... Hector, não me conformo, não podem a própria filha como sacrifício antes da hora...

- Calma. Vamos procura-la, caso falharmos durante o dia vou tentar uma negociação com Berith desenhando seu sigilo na mesma floresta onde você foi atacada.

- E o xerife morrer justo depois de ganhar nossa atenção... - suspeitou Rosie - Tá na cara. Hannah foi sequestrada pelos pais dela. Berith matou o xerife.

- E plantou uma prova falsa visando incriminar as bruxas. Uma pedra com símbolos místicos não quebraria tão fácil. Um dos controlados a jogou, destruindo-a em pedacinhos. Ainda assim, não deram o braço a torcer, talvez nem perceberiam de tão cegos pela raiva que estão.

- O que estamos esperando? Melhor Hannah virar uma inquisidora psicótica do que morta pelas pessoas que ela se esforça para amar. - disse Rosie, determinada. - Ela foi minha melhor amiga antes da Êmina. Eu farei o ritual para selar Berith.

                                                                                           ***

As brancas e límpidas mãos de Hannah agarraram as grades oxidadas daquela cela precária.

- Isso é loucura! Acham justo fazerem isso? Trancafiar a própria filha nesse lugar!? - sua expressão mudou para raiva. - O mal não está lá fora. Mas dentro de vocês. Eu amo vocês.

- Péssima escolha de palavras, mocinha. - disse a mãe à direita do pai. - Nós fomos tão iludidos.

- Na verdade, ainda estão. Porém, não sobre mim. Ainda sou a filha que vocês amaram ter. Sei que ainda lembra, mamãe... a senhora disse uma vez, eu tinha 8 anos, disse que eu era uma força positiva no mundo e faria a diferença... como um presente de Deus. - lágrimas brotaram.

- Sim, lembro. - disse ela, fria - Agora me arrependo de cada palavra desse dia. Aquela filha não está mais na minha frente. Está morta pelas trevas.

- E brevemente receberá a punição adequada. - decretou o pai. - Meu coração sangra por você, Hannah. Todo o nosso esforço para mante-la próxima dos caminhos do grande sagrado foram em vão. Malcom nos contou tudo. Ele sim é o nosso presente. Ele é a nossa benção. Você é a maldição.

Hannah debulhava-se em lágrimas num soluçante choro.

- Esperamos que reflita sabiamente. - disse a mãe, andando para sair dali. O pai jogou uma bíblia por entre as grades, virando as costas. - E se aquela sua amiga impertinente tentar nos atrapalhar, sofrerá um castigo igual ou pior que o seu.

A garota manteve as mãos nas grades, rendida a autoridade implacável de dois pais possessos de fanatismo aliado a puro ódio.

                                                                                       ***

Faltando pouco para meia-noite, Hector fora à uma zona aberta próxima à floresta semelhante a uma praça e desenhara o selo de Berith à carvão no piso quadriculado. As nuvens de chuva se aproximavam, piscando relâmpagos.

- Berith, apareça! - gritara Hector, riscando o fósforo, logo jogando-o sobre o símbolo. O fogo preencheu cada traço da insígnia - Sei um dos supostos lugares onde Hannah está presa! Eu vim barganhar! - um vento ressoou contra o fogo - E deu muito trabalho pra desenhar esse sigilo.

- Lamento pelo seu tempo perdido. - disse a voz assombrosa do demônio. - Não caio em armadilhas tão facilmente.

- Minha proposta está longe de ser uma armadilha. Estou falando sério. Vai mesmo deixar essa chance escapar? Quer uma fonte ilimitada de ódio? Eu tenho uma. A darei com a condição de irmos ao local onde seus fantoches prenderam Hannah e as bruxas. Você sabe qual é.

- Fechado. - disse Berith. O brilho de um raio piscou na hora que Hector sumira dali.

O caçador foi teletransportado para a igreja central da Salem onde a maioria dos cultos e celebrações acontecia reunindo até pessoas de condados e vilarejos vizinhos. Ficara surpreso e intrigado.

- O plano era eu chegar primeiro.

As portas da igreja abriram deixando o relâmpago entrar. Uma sombra robusta aproximava-se, logo revelando-se um ser de armadura vermelho escuro com olhos amarelos na escuridão interior do elmo.

- Estou com pressa. Diga seu preço. - pediu Berith.

Enquanto isso, na capela Rosie aprontava-se para recitar o ritual de selamento com o Goétia aberto sob uma fraca lâmpada econômica.

- É um feitiço da categoria "Não precisa ser bruxo pra fazer". Então, vamos lá.

Na igreja, Hector encarou-o seriamente corajoso. Deu um sorriso leve.

- Já eu estou bem paciente. Porque não haverá barganha que o livre dos seus crimes.

Berith grunhiu raivoso, retirando seu machado de lâmina dupla das costas.

- Com ou sem poderes, você é vulnerável! - ele avançara furiosamente contra o caçador, tentando acerta-lo com o machado. Hector esquivava-se de cada golpe que cortava o ar de todas as formas que podia. Até Berith ataca-lo por cima, fazendo-o agachar-se enquanto segurava com as duas mãos com toda a força. - Se aproveitou da minha gula, sofrerá a minha ira! - levantou o machado, depois chutando-o. Com o impacto, Hector fora arremessado feito um boneco contra uma vidraça com itens cerimoniais que estilhaçou. Berith girou seu machado na mão andando predatório até o caçador. - Só uma pessoa com meu sangue é capaz de me selar pelos próximos 100 anos.

- Ah, não.. Então Rosie... - disse Hector, frustrado em meio aos cacos.

Na capela, Rosie lera:

- Altum Spiritus Detestabilis Resvale!

Para o rituais feito à distância era necessário um papel com o selo de Berith ao lado. Após recitado, o papel entraria em combustão espontânea. O que não aconteceu para o desespero de Rosie. "Só pode ser brincadeira".

- E se... - pensou um segundo - Essa não... Hector. - saíra correndo até a entrada, mas pela janela avistou o séquito de Malcom armado com facas, punhais e lanças vindo naquela direção. Ela concluiu que o irmão de Hannah a viu entrar. Ao voltar para a sala de batismo, procurar uma brecha para escapar sem deixar rastros. Uma parte oca da parede a atraiu, fazendo-a quebrar ora com os pés ora com um cabo de madeira. A abertura era apropriada ao seu corpo que passou sem dificuldades.

Na masmorra, Hannah suava abundantemente, lutando contra o a pressão que o controle forçava-lhe.

"Já deve ser meia-noite... não vou aguentar nenhum segundo a mais... só queria me despedir da Rosie, pelo menos, dizer que a amo... eu a amo... de um jeito que ela nunca imaginou..."

Uma prisioneira surgira para lhe dar uma luz. Ela trazia um molho de chaves e testava cada uma na fechadura da cela. Era uma bruxa afro-descendente com volumosos cabelos cacheados.

- Como conseguiu escapar? Olha, não é seguro me libertar... estou á beira...

- Calada. Me deixe ajuda-la. - olhou para trás - Nocauteei um dos guardas, acho que quebrei o pescoço dele, mas não importa - a olhou -, a gente sairá daqui, todas nós.

Alguns minutos depois, Hector tivera o rosto pressionado contra a parede graças a pesada mão de Berith.

Quando o demônio estava prestes a ataca-lo com o machado e destruí-lo num golpe só, a voz de Rosie retumbou.

- É comigo que você deve lutar! Deixe-o em paz!

Berith soltara-o, caminhando à ela. Hector aproveitara para se levantar e correr às masmorras atrás das cativas, apesar dos ferimentos.

- Muito bem. Apothe... - não sentiu o colar ao querer toca-lo, dando-se conta do erro. Um mau flashback veio - Ah, que merda. Deixei o brasão com os pais da Hannah. - ela sabia que era impossível enfrenta-lo no mano à mano.

- Você era a fonte de ódio que ele me prometeu? É muito tranquila... isso me enoja. Não recue. - apontou o machado - Vou fatia-la e dar de comer aos cães.

- Se depender de mim, não. - disse uma conhecida voz. Hector ia saindo, mas virou-se e viu uma centelha de esperança. Hannah surgiu meio trôpega, esticando a mão direita à Berith. - Hora de voltar pra sua terra natal.

Berith rosnou, andando rápido e ameaçando-a com o machado.

- Hannah, cuidado! - disse Rosie.

- Altum Spiritus Detestabilis Resvale. - o feitiço o imobilizara imediatamente - Altum Spiritus Detestabilis Resvale. - rachaduras na parede atrás de Berith começaram aparecer e despontavam fachos de luz laranja - Altum Spiritus Detestabilis Resvale. - elas aumentaram, formando um imenso rombo que parecia um portal e sugava-o - Altum Spiritus Detestabilis Resvale. Altum Spiritus Detestabilis Resvale! Altum Spiritus Detestabilis Resvaleeeee! - seu grito ecoara no espaço.

Berith urrou selvagem sendo puxado rapidamente como metal por um poderoso imã até o portal do Tártaro. Os pedaços da parede voltaram ao lugar, de dentro para fora, fechando as rachaduras.

Rosie correu até a amiga. Hector também.

- Como se sente? - perguntou ela.

- Melhor agora... com vocês. Especialmente você. - olhou para a Rosie, orgulhosa. - Fui resgatada por uma das bruxas, contei a elas que sentia a presença de Berith e que eu era a chave para prende-lo pela descendência obscura. Salem está livre por mais um século.

Hector vislumbrou o relógio. Suas feridas desapareceram.

- Foi por muito pouco. Só restava um minuto para meia-noite. A sorte esteve ao nosso lado.

- A magia esteve. - corrigiu Hannah. - Agora tudo está de volta ao normal. As bruxas permanecem reclusas e discretas, meus pais continuam crentes fervorosos...

- A sua vida mudará pra melhor, Hannah. Um dia vai se libertar e encontrar seu verdadeiro caminho. - disse Rosie - Assim como busquei e encontrei o meu. Alguns vão tentar te tirar essa liberdade, mas sei que nestas horas vai estar preparada para guarda-la como seu maior tesouro.

- E quanto aos controlados? - perguntou Hector.

- Bem, com Berith novamente selado no Tártaro automaticamente o controle mental se desfaz num instante. - disse Hannah, convicta. ~

- Eu estava na capela recitando o feitiço e o Malcom e seu exército se aproximavam para o massacre. Os seus pais podem ter dito à ele da suspeita de eu ser bruxa e ele ficou de vigia. Só pode ser.

- Não duvido. - concordou Hannah. - À essa hora, devem estar se perguntando porque estão onde estão, confusos, desnorteados... exatamente como as mulheres inocentes que morreram injustiçadas.

Um trovão seguido de um raio estremeceu enquanto um cavalo negro relinchava à frente da igreja.

                                                                                  ***

Hannah estava sozinha em seu quarto organizando as fotos antigas do álbum imersa em flashbacks. Sua "viagem temporal" fora quebrada com batidas na porta. Permitiu entrar, guardando a única fonte de lembranças que possuía já que seus pais nunca fotografaram momentos em família ou de quando a filha era bebê. A visita era Rosie que entrara devagar.

- Ah, já sei: Veio se despedir. - disse Hannah, sorrindo.

- Ah, já sei: Você vai chorar. - retrucou Rosie, dando uma risada. As duas deram as mãos. - Confesso que... exagerei meu foco na missão no início que nem me passou pela cabeça que uma das minhas melhores amigas ainda morava na cidade da intolerância.

- Não precisa se sentir mal por isso. É seu trabalho.

- Espero que consiga algo valoroso para proteger e se orgulhar.

- Pois é, não posso fugir do brilhante planejamento dos meus pais. - disse Hannah, andando pelo quarto - Trabalho depois do colegial. Namoro depois da faculdade. Sexo depois do casamento... Tudo está como deve estar, na mais pura normalidade. Eles voltaram ao nível normal de extremismo. Ah! - disse ela, tirando algo do vestido - Acho que te pertence. - rever o dourado do brasão de Yuga fizera Rosie sorrir.

- Nossa, obrigada. Naquela hora eu estava tão alterada que...

- Não quer que eu coloque... pra você? - perguntou Hannah, meio tímida.

- Tu-tudo bem. - concedeu Rosie, entregando-a e virando-se ao espelho. Segurou o cabelo para cima -
Hector se transformando na sua frente não foi muito assustador?

- A parte boa, e estranha, foi essa demonstração, ele não fez parecer assustador. - disse Hannah, pondo o colar de volta ao pescoço da amiga, os rostos bem refletidos no espelho - A parte ruim é que não vai dar tempo de contar tudo.

- É, recebemos uma ligação faz pouco tempo de um outro caso em Sheffield. - disse Rosie, voltando-se para ela. - Obrigada.

- Eu quem agradeço. Vê se sobrevive às monstruosidades espalhadas por aí.

- Queria tanto te contar absolutamente tudo. - desabafou Rosie, com ar meio triste - Passei por situações que até a mente mais insana nem acreditaria. - Hannah a olhou fundo nos olhos como nunca antes na história de duas almas vinculadas ao sobrenatural.

- Sabe aquela vez que tentei espantar um inseto no seu rosto? Estávamos no segundo ano. Não existia nenhum inseto. - os rostos foram aproximando-se - Só via lábios que mereciam ser tocados... assim. - Hannah tocara seus lábios aos de Rosie e a garota encapuzada retribuiu tocando no seu corpo e intensificando o movimento até ficarem abraçadas por vários segundos.

- Podíamos fazer mais vezes. Eu gostei. - disse Rosie, contente. Hannah sorriu abertamente.

- Sorte que meus pais estão no mercado numa hora dessas. Se tivessem visto...

- Não, por favor, tem uma cena bem constrangedora acontecendo na minha cabeça agora.

Ambas riram.

Rosie saíra da casa e encontra Hector esperando-a alguns metros adiante. A jovem abriu a mão esquerda e, sorrindo, contemplou um colar de lápis-lazuli oferecido por Hannah como lembrança.

"Não vou dizer adeus... porque sei que um dia iremos voltar a nos encontrar. E quem sabe repetirmos uma boa dose de beijo de língua.".

                                                                             CONTINUA...


*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: http://misteriosfantasticos.blogspot.com.br/2014/04/cavalos-infernais-pesadelos-nightmare.html

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